Faz sentido suplementar vitamina D no inverno, mesmo num país com tanto sol?

10 fev 2023, 11:40
Calor

Um grupo de estudos ligados à área da osteoporose e doenças ósseas metabólicas divulgou novas recomendações no que toca à suplementação de vitamina D. Afinal, quem pode beneficiar desta suplementação e porquê?

A vitamina D é uma vitamina essencial para a absorção do cálcio e do fósforo pelo organismo, mas sobre a qual se têm desenhado várias polémicas. Nos últimos anos, muitos estudos se têm debruçado sobre as carências desta vitamina e, recentemente, o Grupo de Estudos da Osteoporose e Doenças Ósseas Metabólicas da Sociedade Portuguesa de Encrinologia, Diabetes e Metabolismo (SPEDM) veio recomendar a suplementação a mais grupos da população portuguesa, para além daqueles que já vêm estipulados na norma da Direção-Geral da Saúde (DGS). Estas diretrizes apelam a que se estenda a suplementação a todas as pessoas com mais de 65 anos, a obesos, grávidas, bebés prematuros e adolescentes com amenorreia (sem menstruação). Mas num país com tanta exposição solar, como se explica esta necessidade de fazer chegar um reforço desta vitamina a ainda mais pessoas?

Se é certo que os níveis vitamina D estão diretamente ligados à exposição solar, há outros fatores que acabam por ter um grande peso nesta equação: a produção desta vitamina depende da latitude geográfica (é maior nos países com uma latitude inferior a 35 graus e Portugal está a 38/40 graus), depende da estação do ano (a produção é maior no verão do que no inverno), depende da superfície corporal exposta ao sol, da duração dessa exposição e é limitada quando se usam cremes protetores.

O primeiro estudo que analisou a carência da vitamina D na população portuguesa adulta foi publicado na revista científica Archives of Osteoporosis, em 2020, e revelou que, no inverno, só dois em cada dez portugueses apresentam níveis normais de vitamina D. Significa isto que, de um modo geral, no inverno, os portugueses devem suplementar vitamina D? "Não", responde à CNN Portugal o médico de medicina geral e familiar Pedro Gomes de Sena. No caso de jovens saudáveis, por exemplo, o médico refere que "não há nenhum motivo para suplementar ou andarmos à procura de défice de vitamina D".

"Durante o inverno, há menos exposição ao sol e não vai haver tanta produção de vitamina D, mas recomendar a todas as pessoas a suplementação não faz sentido porque estamos a incluir adultos saudáveis que, não tendo nenhum fator de risco, não irão beneficiar dessa suplementação", sublinha à CNN Portugal. O médico vai mais longe: "nem sequer há evidência científica que mostre que seja necessário andar a fazer o rastreio ou a pesquisa do défice de vitamina D em adultos saudáveis".

Por outro lado, Pedro Gomes de Sena destaca que "muitos desses estudos mostram que em Portugal há um défice de vitamina D, mas, na verdade, é difícil termos uma noção de qual é o valor mínimo que a vitamina D deverá ter". A DGS tem valores definidos para diferentes idades, mas a Sociedade Portuguesa de Encrinologia, Diabetes e Metabolismo refere no seu website que "continua a haver alguma controvérsia em relação ao que são considerados os níveis normais de vitamina D no sangue".

Pedro Gomes de Sousa nota que "nos últimos anos assistiu-se a uma grande febre em torno da vitamina D", "houve um aumento brutal da suplementação e de repente começou-se a olhar para a vitamina D como se fosse um Santo Graal na área da saúde". Isso foi particularmente evidente no surgimento da pandemia de covid-19, quando a hormona esteve na ordem do dia e foram feitos estudos para perceber "se conseguiria ou não reforçar o sistema imunitário e fazer ou não com que as infeções respiratórias, muito concretamente a covid-19, fossem menos agressivas".

"Apesar de haver alguns estudos que mostram esse benefício, depois quando se fazem as revisões, a conclusão a que se chega é que não há estudos suficientes para recomendar a suplementação", acrescenta o médico.

A compra de suplementos em vitamina D em Portugal disparou nos últimos anos, com as farmácias a baterem recordes de vendas destas embalagens: dados do Centro de Estudos e Avaliação em Saúde da Associação Nacional de Farmácias, divulgados no ano passado, revelaram que entre janeiro e setembro foram compradas mais de 90 mil embalagens de suplementos de vitamina D nas farmácias portuguesas e, se se contar com os produtos multivitamínicos, o número aumenta exponencialmente para 725 mil.
 

Crianças no primeiro ano de vida: "obrigatório suplementar"

"Mas há situações em que é obrigatório haver suplementação em vitamina D e nem sequer é preciso ir pesquisar", ressalva o médico. É o caso das crianças no primeiro ano de vida: "estas crianças fazem suplementação de vitamina D para impedir o raquitismo, uma doença que surge na infância e que tem a ver com uma malformação óssea, causada pela falta de cálcio e falta de vitamina D", explica.

Ora, como a vitamina D "serve para regular o metabolismo do cálcio no nosso organismo, termos vitamina D no nosso corpo ajuda a que o nosso corpo absorva mais cálcio e ajuda a que este cálcio também se deposite adequadamente nos ossos", esclarece o médico.

E aqui está uma das chaves para alargar as recomendações da suplementação de vitamina D a outros grupos da população que apresentem "uma densidade óssea mais frágil": pessoas com mais de 65 anos, por exemplo. "Se tivermos défice de vitamina D, acabamos também por ter défice de cálcio ou o cálcio não é tão bem aproveitado no nosso organismo e o processo de ossificação fica mais defeituoso", vinca.

"Em teoria, nestes grupos onde poderá haver uma densidade óssea mais frágil, poderá fazer sentido a suplementação. Agora, ir procurar em todas as pessoas saudáveis, particularmente em homens - que terão menos fatores de risco para terem menor densidade óssea do que as mulheres - ir suplementar todas estas pessoas não faz sentido", acrescenta Pedro Gomes de Sena.

Mário Mascarenhas, especialista em Endocrinologia e membro do grupo de estudos que elaborou estas diretrizes, explica à CNN Portugal que no caso dos obesos há ainda a questão da vitamina D ser lipossolúvel e, por isso, haver uma diminuição quando existe maior gordura corporal. "Ao entrar para o tecido adiposo, a sua concentração no sangue diminui", completa o médico.

Por outro lado, no caso das adolescentes com amenorreia ou anorexia nervosa, a ausência de estrogénios contribui para uma menor redução da vitamina no sangue. "A ausência de estrogénios faz com que haja uma menor concentração de vitamina D em circulação", explica.

As diretrizes do Grupo de Estudos da Osteoporose e Doenças Ósseas Metabólicas da Sociedade Portuguesa de Encrinologia, Diabetes e Metabolismo foram divulgadas há uma semana, mas o documento mais detalhado com as conclusões que resultaram desta investigação só será publicado na revista científica da sociedade daqui a uns meses. A expectativa deste grupo é que estas orientações possam ser depois acolhidas pela DGS.

Para uma adequada produção de vitamina D, a DGS recomenda a ingestão de ovos e peixes gordos (como a sardinha e o salmão) e uma exposição solar moderada, tendo em conta também as medidas de prevenção contra os malefícios dessa mesma exposição.

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