"Desejo de vingança", "oito a nove horas de tortura". Seis vezes em que a GNR foi acusada de agressões

17 dez 2021, 10:49

Desde o caso de um homem agredido e intimidado num posto da GNR ao vídeo onde um militar esbofeteia um jovem em Gondomar e diz que a covid-19 não existe, estes são alguns dos casos mais polémicos em que a GNR esteve envolvida

O caso das agressões e tortura a imigrantes por militares da GNR fardados em Odemira, que filmaram os próprios atos de violência, é mais um que abala a força de segurança e que prende pelo choque dos atos praticados. 

Um dos mais violentos ocorreu durante uma falsa operação stop, em que os elementos da GNR apanharam um imigrante que, levado para um descampado à noite, foi torturado com gás pimenta, que os militares obrigaram a inalar pela boca e pelo nariz através do tubo do aparelho de medição de taxa de alcoolemia.

A brutalidade das imagens captadas pelos suspeitos levou o Ministério da Administração Interna a esclarecer que as mesmas “não correspondem ao padrão de comportamento que a GNR e os seus militares devem ter no exercício das suas funções".

 

No entanto, ao longo dos últimos anos, este não é o primeiro caso de tortura e agressões por parte de profissionais da Guarda Nacional Republicana que já foram acusados de abuso de poder e chegaram mesmo a ser condenados.

"Desejo de vingança"

Uma dessas histórias remonta a 30 de agosto de 2015. Nessa madrugada, três guardas, que estavam de folga, foram agredidos por um grupo no interior e nas imediações de um bar na Torreira, no concelho da Murtosa.

Após este episódio, os militares intercetaram três homens e levaram-nos para o posto da GNR do concelho, onde, de acordo com a acusação do Ministério Público, os sujeitaram a agressões físicas e verbais para obterem informações sobre o paradeiro de todos os elementos do grupo que atacou os guardas.

O Ministério Público falou mesmo num plano "gizado" pelos militares, “de forma a satisfazerem o seu desejo de vingança pelas agressões de que foram vítimas”.

Em tribunal, os militares, com idades entre os 26 e os 37 anos, foram condenados por tortura, com o Tribunal da Relação do Porto, em outubro deste ano a agravar a pena de um dos elementos.

 

Também em Aveiro, mas desta vez em 2017, dois militares da GNR foram acusados pelo Ministério Público de agredir uma mulher ao soco e ao pontapé após terem sido chamados a responder a uma ocorrência numa casa em Ílhavo.

Os elementos da força foram enviados ao local para "atalhar a desacatos que aí sucediam", contudo, um dos militares ao ser recebido com “exaltação” pela mulher, chamando-a a um armazém reservado, onde a insultou e lhe desferiu  “socos e pontapés”, revelava na altura a Procuradoria-Geral da República.

A mulher foi detida e levada para o posto da GNR, onde terá sido novamente agredida pelo mesmo militar. Os dois militares estão acusados de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada. Um deles responde ainda pela prática de dois crimes de injúria agravada.

Em Felgueiras, no dia 21 de agosto de 2014, outra situação em que o Ministério Público denuncia a GNR. Os factos dizem respeito ao momento em que, no Largo da Igreja da Lixa, no decurso de uma patrulha, dois militares da GNR "detiveram, algemaram e conduziram para o posto, sempre sob detenção, um cidadão do sexo masculino".

Segundo a investigação do Ministério Público, conhecida em outubro de 2018, o cidadão quando chegou ao posto policial foi agredido “a murro, a pontapé e com pancadas de cassetete pelos dois militares arguidos”

A detenção terá ocorrido depois de o cidadão ter dirigido palavras que os militares consideraram "injuriosas, humilhantes e até atentatórias da sua dignidade pessoal e militar".

Oito a nove horas de tortura

Nove militares da GNR, um dos quais na reforma, também se encontram a responder por “crimes de tortura e tratamentos degradantes” praticados no dia 25 de agosto de 2019. 

De acordo com uma nota publicada pela Procuradoria-Geral da República, o caso tem origem na detenção de um homem suspeito de ter furtado um automóvel pertencente a um dos militares. 

Este homem, diz a acusação, foi levada para o posto da GNR, onde, “durante cerca de 8/9 horas”, foi agredido fisicamente e intimidado psicologicamente. 

Tudo isto ocorreu sem que o ofendido, pelo local onde as agressões foram executadas, pelo número de horas pelas quais se prolongaram e pelo número de arguidos que o atingiram, tivesse possibilidade de defesa.

Em 2016, dois militares da GNR foram ainda acusados de agredir um alegado assaltante, durante uma investigação relacionada com um furto. Os arguidos, um cabo e um guarda que prestavam serviço no posto da Gafanha da Nazaré, em Ílhavo, foram acusados de um crime de ofensa à integridade física qualificada e outro de sequestro agravado.

No Tribunal de Aveiro, acabaram por ser condenados a um ano de prisão, pena que foi substituída pelo pagamento de uma multa de 1.200 euros.

GNR agride jovem e diz que covid-19 não existe

Foi um dos casos mais recentes e que mais atenção mediática teve neste ano. No dia 4 de julho, um militar da GNR foi filmado a agredir um jovem com uma bofetada em Fânzeres, Gondomar, no distrito do Porto. 

Na gravação, que foi dispersada pelas redes sociais e mais tarde verificada pela GNR, é possível perceber que um dos militares, que atua sem máscara, diz que a covid-19 não existe.

Na sequência disto, a GNR instaurou um processo disciplinar justificado "não só pelo tipo de abordagem ao cidadão, mas também pela falta do uso de equipamento de proteção individual, em desrespeito pelas normas internas em vigor em matéria relacionada com a covid-19".

 

 

 

Numa primeira reação a Guarda Nacional Republicana revelou ainda que “não se revê neste tipo de comportamento”.

De acordo com o último relatório da Inspeção-Geral da Administração Interna, a violação dos deveres de conduta dos agentes da PSP, GNR e SEF e as ofensas à integridade física representam quase dois terços do total das queixas feitas à entidade.

A IGAI também tem registado um aumento gradual (cerca de 13%) das denúncias feitas desde 2017. 

As queixas, denúncias e certidões judiciais que deram origem a processos de averiguação da IGAI passaram de 950, em 2019, para 1.073, em 2020, afirma o relatório, que revela igualmente um aumento dos processos instaurados no ano passado, de 91 para 124.

No ano de 2020, a GNR foi responsável por 335 das 1.075 queixas recebidas no total, sendo que a maior parte estão relacionadas com procedirnentos ou comportarnentos incorretos, recusa de atendimento, ilegalidades ou omissões.

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