Aumentam os receios de que o assédio online possa passar a abordagens cara a cara
Ataques sexistas e abusivos dirigidos a mulheres – como “o teu corpo, a minha escolha” ou “volta para a cozinha” – surgiram nas redes sociais depois da reeleição de Donald Trump, segundo uma análise do Institute for Strategic Dialogue (ISD).
Uma publicação de Nick Fuentes, nacionalista branco e negacionista do holocausto, feita na rede social X na noite da eleição, foi vista mais de 90 milhões de vezes e repostada mais de 35 mil vezes. “O teu corpo, a minha escolha. Para sempre” [‘Your body, my choice. Forever’, no original], lia-se na mesma.
Entre a quinta-feira e a sexta-feira seguintes, o ISD registou um aumento de 4600% de menções a essa frase na mesma rede social. Houve ainda várias mulheres no TikTok a publicarem vídeos a contar que a sua secção de comentários foi invadida por outros utilizadores a recorrerem à mesma frase.
A expressão “Nick Fuentes” continuava a ser uma das principais tendências no X uma semana depois. A frase “Somos donos do teu corpo” [‘We own your body’, no original] também foi tendência no TikTok, embora muitos dos vídeos acabassem por mostrar mulheres a resistir a esse movimento.
“O teu corpo, a minha escolha” é uma aparente subversão da frase “O meu corpo, a minha escolha” [‘My body, my choice’, no original], utilizada pelas mulheres como um grito de guerra na demonstração do seu apoio aos direitos reprodutivos.
O aumento do assédio mostra que os extremistas de extrema-direita que se encontram online se sentem legitimados pelos resultados da última eleição presidencial nos Estados Unidos da América, considerada por muitos como um referendo sobre os direitos reprodutivos das mulheres.
Durante a campanha, o próprio Donald Trump foi alvo de críticas devido aos comentários que fez acerca das mulheres. Num deles, garantia que iria protegê-las, “quer elas gostassem ou não”. O vice-presidente eleito, JD Vance, também foi criticado pelos mesmos motivos, uma vez que chegou a ridicularizar as “mulheres que gostam de gatos e não têm filhos” [‘childless cat ladies’, no original] e a chamar a vice-presidente Kamala Harris de “lixo”.
Muitos dos responsáveis por esses comentários e ataques fazem parte da chamada “manosfera”, que o ISD descreve como “comunidades misóginas online, que variam entre o antifeminismo e uma retórica mais explícita e violenta em relação às mulheres”.
E, tal como acontece com outros tipos de provocações nas redes sociais, os especialistas temem que esta forma de assédio possa espalhar-se para o mundo offline - ou seja, para abordagens cara a cara.
“As raparigas e os pais têm utilizado as redes sociais para partilhar casos de assédio offline” a envolver a frase “o teu corpo, a minha escolha”, referiu o ISD.
“As abordagens incluem a frase referida diretamente às raparigas nas escolas ou entoadas por rapazes nas aulas”, segundo o relatório.
Pelo menos um agrupamento escolar enviou um aviso aos pais sobre esta situação, informando-os de que havia alunos a usarem esta frase para atingir as raparigas na escola.
“Nos dias que se seguiram à eleição, recebemos relatos de estudantes que estão a usar a frase ‘o teu corpo, a minha escolha’, dirigida frequentemente às colegas estudantes”, escreveu Cory Hirsbrunner, superintendente do Stevens Point School District, em Wisconsin, num email enviado aos pais, ao qual a CNN teve acesso. “É simplesmente inaceitável que os estudantes usem qualquer tipo de linguagem de natureza ameaçadora. Qualquer estudante que seja apanhado a violar as regras do agrupamento será sujeito a uma ação disciplinar”.
Em alguns casos, houve utilizadores do X e do TikTok a escrever ameaças vagas de violência nas publicações que diziam ‘o teu corpo, a minha escolha’.
Outras publicações semelhantes também se tornaram virais no X nos últimos dias. Incluindo uma de Jon Miller, antigo colaborador do meio de comunicação conservador TheBlaze, a dizer que as mulheres estavam a ameaçar com “greves sexuais” “como se tivessem uma palavra a dizer” nessa matéria, que atingiu 85 milhões de visualizações.
A publicação parecia referir-se a conversas entre jovens mulheres liberais no TikTok e no Instagram sobre o movimento feminista sul-coreano em que as mulheres heterossexuais se recusam a casar, a ter filhos, a namorar ou a fazer sexo com homens.
As publicações a pedir a revogação da 19ª Emenda, que dá às mulheres o direito de voto, também aumentaram 663% no X durante a primeira semana após a eleição, quando comparando com a semana anterior, informou o ISD.
A rede social X não se mostrou disponível para responder a um pedido de comentário. A política de assédio da plataforma tende apenas a proibir o abuso direcionado a indivíduos específicos.
Um porta-voz do TikTok reconheceu que a frase ‘o teu corpo, a minha escolha’ viola as diretrizes da plataforma para a comunidade, acrescentando que o conteúdo com menções a essa frase seria removido, a não ser que se manifeste de uma forma explícita contra esse tipo de linguagem. O TikTok removeu três vídeos identificados pela CNN que sugeriam ameaças de violência.
O aumento da violência verbal online também teve lugar com pessoas negras em todo o país a receberem, na semana da eleição, mensagens anónimas e racistas com referências à escravidão. As mesmas diziam que tinham sido “selecionados para colher algodão no campo mais próximo”. É algo que levanta ainda mais preocupações sobre a escalada de violência após a eleição. As autoridades federais e estaduais estão a trabalhar para descobrir a origem das mensagens.