Mulheres que referiram ter vivenciado tanto abuso sexual como assédio sexual no local de trabalho tinham um risco aumentado de hipertensão em 21%, descobriu um novo estudo
Mulheres que vivenciaram violência sexual ou assédio sexual no local de trabalho ou ambos têm um risco maior de desenvolver hipertensão a longo prazo do que mulheres sem este tipo de trauma, de acordo com um novo estudo.
A hipertensão é um dos principais fatores de risco para se desenvolver doença cardiovascular. A doença cardiovascular é a que mais mata nas mulheres, causando uma em três mortes todos os anos, informa a Associação Americana do Coração.
Estatísticas demonstram que até 44% de mulheres denunciam abuso sexual e até 80% de mulheres denunciam assédio sexual no trabalho, no entanto, esta exposição “não é amplamente reconhecida como um contribuidor para a saúde cardiovascular das mulheres”, afirma Rebecca Lawn, autora do estudo, investigadora bolseira de pós-doutoramento em epidemiologia na Faculdade de Saúde Pública T.H. Chan de Harvard em Boston, numa declaração.
“A nossa descoberta de que vivenciar tanto abuso sexual como assédio sexual no trabalho tem um maior risco de hipertensão sublinha os potenciais efeitos prejudiciais de várias exposições a violência sexual na saúde cardiovascular das mulheres a longo prazo”, afirmou Lawn.
Abuso em vidas públicas e privadas
O estudo, publicado no Journal of the American Heart Association, analisou os dados de um relatório de 2008 do Nurses' Health Study II em curso, uma das maiores investigações dos Institutos Nacionais da Saúde sobre fatores de risco nas principais doenças crónicas em mulheres.
Mais de 33 mil mulheres sem antecedentes de hipertensão forneceram informação em 2008 sobre a sua exposição a violência sexual e outros traumas. As mulheres, na sua maioria enfermeiras brancas de meia-idade, também responderam a perguntas sobre transtorno de stress pós-traumático e depressão.
As mulheres foram reavaliadas em 2015, sete anos mais tarde. À época, registos médicos revelaram que cerca de uma em cinco mulheres tinham desenvolvido hipertensão arterial, sendo o maior risco para mulheres que vivenciaram trauma sexual nas suas vidas profissionais e privadas.
As mulheres que relataram ter vivenciado tanto abuso sexual como assédio sexual no local de trabalho tinham um risco 21% mais elevado de ter hipertensão, descobriu o estudo. As mulheres que disseram ter vivenciado assédio sexual no local de trabalho tinham um risco 15% mais elevado, enquanto as mulheres que relataram ter vivenciado abuso sexual tinham um risco 11% maior de ter hipertensão arterial do que mulheres sem traumas sexuais.
“Não encontrámos qualquer associação de risco acrescido em desenvolver hipertensão entre mulheres sem um historial de outros tipos de trauma e que não vivenciaram violência sexual, sugerindo que o risco aumentado de desenvolver hipertensão não parece estar associado a todas as exposições de traumas”, afirmou Lawn.
“O corpo está a contar a história”
Estudos anteriores apontam também para uma correlação significativa entre trauma sexual e riscos para a saúde para as mulheres.
Um estudo de 2008 mediu clinicamente a pressão arterial a mais de mil funcionárias com baixos rendimentos e racialmente diversas e descobriu que o assédio sexual estava ligado ao aumento da hipertensão nas mulheres.
“De certa forma, o corpo está a contar a história”, contou Nancy Krieger, autora do estudo de 2008, à CNN, numa entrevista anterior. Krieger é professora de epidemiologia social no departamento de ciências sociais e comportamentais na Harvard T.H. Chan School of Public Health.
“Nem todas as pessoas são capazes ou têm vontade de identificar o que lhes aconteceu, mas isso não impede que o corpo tenha opiniões sobre isso e que as expresse”, afirmou Krieger, que dirige o curso interdisciplinar sobre mulheres, género e saúde na Chan School.
Um estudo de 2019, que usou medições clínicas, descobriu que mulheres que vivenciaram assédio sexual no local de trabalho tinham maior pressão arterial do que as mulheres que não o vivenciaram. De facto, a pressão arterial estava alta o suficiente para pôr as mulheres em risco de sofrer AVC, aneurismas, doença renal, ataques cardíacos e outras formas de doença cardíaca, concluiu o estudo. O assédio sexual também está ligado a níveis mais elevados de triglicéridos, um dos principais fatores de risco para a doença cardíaca.
“Observou-se uma ausência de diferenças notáveis nos resultados da saúde entre mulheres que foram abusadas sexualmente ou assediadas sexualmente, o que demonstra a universalidade destes tipos de experiências”, afirmou a autora sénior do estudo de 2019, Rebecca Thurston, numa entrevista anterior. Thurston é professora de psiquiatria na Faculdade de Medicina da Universidade de Pittsburgh.
Mas não é tudo. O estudo de Thurston também usou medições clínicas para estudar o sono e a saúde emocional, e descobriu que as mulheres que relataram abuso sexual anterior tinham três vezes mais tendência a ter depressão e duas vezes mais probabilidade de ter ansiedade elevada do que mulheres sem um historial de trauma sexual.
O estudo também concluiu que mulheres que vivenciaram abuso sexual ou assédio têm duas vezes mais probabilidade de ter problemas em dormir, incluindo insónias.
Os médicos deviam perguntar sobre traumas sexuais
Sendo a doença cardíaca a principal razão de morte das mulheres, está na hora de os médicos perguntarem aos pacientes sobre o seu historial de trauma sexual e de as mulheres falarem sobre isso, afirma Lawn.
“Estes resultados sugerem que rastrear uma variedade mais ampla de experiências de violência sexual nos cuidados de saúde de rotina, incluindo o assédio sexual no local de trabalho, tal como o assédio ou abuso verbal, e ter noção de que tratar possíveis consequências cardiovasculares pode ser benéfico a longo prazo para a saúde das mulheres”, afirmou Lawn.
“Reduzir a violência sexual contra as mulheres, que por si só já é algo importante, pode também fornecer uma estratégia para melhorar a saúde cardiovascular na vida das mulheres”, acrescenta.
É necessária mais investigação sobre trauma sexual em populações e idades diversificadas, diz Lawn, incluindo raça, etnia e género.
“Apesar de as mulheres serem desproporcionalmente vítimas de violência sexual, os homens também são vítimas e as implicações na saúde de experiências de violência sexual contra homens merece mais investigação”, diz Lawn.