Associação critica PSD e CDS e diz que "nem se deram ao trabalho de perceber realmente o que é a violência obstétrica", mas há também quem afirme, do lado dos médicos, que a lei vigente é "completamente desajustada para a realidade"
O Observatório de Violência Obstétrica (OVO) não vê com bons olhos a intenção de PSD e CDS em eliminar este conceito da lei, através da remoção do termo da lei.
“Tanto a revogação como uma alteração, retirando o termo, é um passo atrás porque é não assumir o que existe”, diz Lígia Morais, uma das fundadoras do OVO, à CNN Portugal. “Nós precisamos de nomear para combater. E neste caso, nomeamos a violência obstétrica para a combater. O Estado tem a obrigação de olhar para este problema de saúde pública e combatê-lo. Se retiramos o nome, estamos também a retirar o nome a todas as mulheres que se identificam com isto.”
Lígia Morais afirma que os partidos que propuseram a remoção do termo “nem se deram ao trabalho de perceber realmente o que é a violência obstétrica e o quanto isto impacta, em termos estruturais, quer mulheres, quer profissionais de saúde”.
“Mais uma vez, estão a mexer numa área que é específica da mulher e a paternalizar a mulher, como que a dizer ‘não, vocês não sentem nada disso’”, refere a responsável.
Perspetiva diferente tem Fernando Cirurgião, diretor de obstetrícia do Hospital de São Francisco Xavier, que considera a lei vigente “completamente desajustada para a realidade”.
“Da forma como o termo [violência obstétrica] estava a ser apresentado e estava a ser defendido, acabava por ser algo penalizador para a parte médica e de tal forma que quase que era incriminador”, defende o médico em entrevista à CNN Portugal.
O diploma, a Lei n.º 33 de 2025, de 31 de março, estabelece que violência obstétrica “é a ação física e verbal exercida pelos profissionais de saúde sobre o corpo e os procedimentos na área reprodutiva das mulheres ou de outras pessoas gestantes, que se expressa num tratamento desumanizado, num abuso da medicalização ou na patologização dos processos naturais, desrespeitando o regime de proteção na preconceção, na procriação medicamente assistida, na gravidez, no parto, no nascimento e no puerpério”.
Cirurgião considera que este texto “assumia, desde logo, que qualquer ato obstétrico podia ser feito e executado com a intenção de provocar alguma lesão”, e motivou a recusa de alguns profissionais de saúde em realizar turnos nas urgências.
“É um desvalorizar da experiência clínica de quem já fez milhares de partos. (…) Muitos colegas recusaram a voltar a fazer urgências”, garante o médico, vincando também a “ameaça da realização de inquéritos” e a possível penalização financeira, neste caso, do hospital, como motivos para a insatisfação destes profissionais de saúde.
Fernando Cirurgião releva, porém, que “é lógico respeitar o desejo de uma mulher em relação à sua maternidade, em relação ao próprio parto, que tem todo o sentido e que é feito até agora”.
“É algo que é cumprido e que é levado com toda a seriedade”, completa.
Uma lei (quase) inédita
A lei adotada em março em Portugal é pioneira na Europa, salienta a International Platform on Obstetric Violence (IPOV), que afirma que o diploma “define a violência obstétrica no âmbito de um quadro jurídico nacional num país europeu” pela primeira vez na história.
Vários países, nomeadamente na América do Sul, já tinham codificado este termo na lei. A Venezuela deu o tiro de partida, a que se seguiu a Argentina e alguns estados do Brasil.
Lígia Morais nota que Portugal é o primeiro Estado europeu a adotar uma lei deste tipo, mas reforça que a mesma “nem sequer está completa”.
Para além de PSD e CDS, também Livre, PAN e Bloco de Esquerda apresentaram iniciativas no Parlamento acerca deste tema. Uma das propostas do partido de Rui Tavares vai em sentido totalmente contrário ao dos partidos no Governo e defende mesmo um reforço da lei vigente.