opinião
Correspondente Médica CNN Portugal

Carta da Ucrânia (II) ou a descoberta da dor

Texto a partir do relato do médico Dmytro Dmytriiev
12 mar 2022, 20:51

Cara Sofia,

Escrevo-te a partir de Vinnitsa, uma região a cerca de 200 Km de Kiev. Até anteontem, a situação era relativamente calma. Mas eis que o inimigo começou a bombardear o nosso aeroporto com mísseis de cruzeiro. Muitas paisagens pacíficas sucumbiram e temo que isto seja apenas o começo.

A situação nos hospitais também foi, naturalmente, afectada. Há problemas nas reservas de sangue para transfusões, particularmente do tipo O negativo. Estamos a assistir muitos feridos, incluindo civis. Temos utilizado técnicas de anestesia regional para controlar a dor naqueles que nos chegam com traumatismos nos membros causados por explosivos.

Dor! Bem sabes que tenho dedicado a minha carreira, nas suas vertentes clínica e académica, a estudar a dor. E, no entanto, tenho descoberto tanto sobre dor nestes últimos dias; tanto sobre dor que eu, especialista em dor, desconhecia. No presente, a guerra é, ela própria, dor, não apenas para os Ucranianos, mas para todo o mundo civilizado.

Neste momento, assomam ao meu pensamento duas perspectivas particulares sobre a dor, que merecem atenção. Na segunda semana de guerra, já comecei a encontrar situações de dor física em relação com as vivências e atrocidades da guerra. Por outro lado, penso muito na dor nas crianças. Há muitas crianças com dor aguda em consequência de ferimentos. Não sabemos as consequências futuras disto, nomeadamente, em relação a desenvolvimento da síndrome de dor crónica.

Cara Sofia, a minha cidade foi bombardeada! O sol chora. Mas sei que conseguirei ser forte.

Dmytro Dmytriiev, médico anestesiologista, professor, director da Sociedade Ucraniana de Anestesia Regional e Medicina da Dor

9 de Março de 2022, Vinnitsa, Ucrânia

 

 

Este texto não está escrito ao abrigo do novo artigo ortográfico.

 

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