"O vinho está sobre ataque" e os números mostram-no mas há uma "forma de contrariar isso"

8 out, 22:09
Vinho (Pexels)

Há na Península de Setúbal "ainda muito para dar" ao setor, que deve valorizar também as vinhas velhas

O crítico gastronómico Edgardo Pacheco, que moderou a discussão no lançamento do vinho “Destemido”, destaca a importância desta união, afirmando que “o vinho está sobre ataque, que existem movimentos que tentam criminalizar o vinho e a forma de contrariar isso é a associação entre o vinho e a arte”. 

O mais recente vinho da Casa Ermelinda Freitas chama-se “Destemido”, custa 850€ a garrafa e nasce como uma edição limitada a apenas 2.025 unidades, sem possibilidade de uma nova produção. A escolha do nome não foi por acaso, é uma homenagem de Leonor Freitas ao pai: “quando pensámos num nome para o vinho para o homenagear, o que me veio à cabeça foi que o meu pai era um destemido”.

A tal ameaça ao setor pode encontrar eco nos dados do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), que dá conta de uma quebra na produção no ano de 2024/25. Com efeito, atingiram-se os 6,9 milhões de hectolitros, o que representa uma quebra de 8% em relação à campanha anterior.

Perante estes dados, Leonor Freitas admite o investimento da marca, mas reconhece que o projeto é sobretudo um gesto simbólico: “não sei se vou ganhar ou perder dinheiro com este vinho, quero é que ele se imponha”, afirmou, frisando que o “Destemido” pretende demonstrar que a Península de Setúbal “ainda tem muito para dar”.

Um ato especialmente simbólico, sobretudo numa altura em que esta é das regiões que mais parece sofrer com a anunciada crise no setor. A região da Península de Setúbal foi mesmo aquela em que a produção mais caiu em Portugal Continental, passando por pouco os 450 mil hectolitros, num número que tinha sido de quase 600 mil hectolitros na campanha anterior.

E Setúbal pode até ser o espelho de uma crise mundial. De acordo com a Organização Internacional da Vinha e do Vinho, a produção mundial deste produto andou entre os 227 e os 235 milhões de hectolitros, o número mais baixo de 1961.

O enólogo da Casa Ermelinda Freitas volta a olhar para dentro, afirmando que “qualquer dia não haverá vinhas velhas em Portugal, porque se não se valorizarem tornam-se inviáveis”. Jaime Quendera também a longevidade da criação, afirmando que “o Destemido é um produto premium, dura no mínimo 20 anos”.

Colocar a arte no vinho

O projeto contou com a colaboração da artista plástica Olga Noronha, responsável pelo rótulo e pela identidade visual da garrafa. “A ligação da arte com o vinho é uma ligação emocional e familiar, o rótulo do Destemido tem vários segredinhos”, revelou. Um desses detalhes é o contorno em anamorfose da Península de Setúbal, desenhado de forma a parecer uma asa em movimento. A caixa, por sua vez, foi pensada como um relicário, reforçando a ideia da artista de que o vinho “é a joia da coroa da Casa Ermelinda Freitas, por ser o melhor vinho que a casa já produziu”.

É, segundo Edgardo Pacheco, um casamento que pode servir para ajudar a "contrariar" o problema.

Vinho "Destemido"
Vinho "Destemido"

Olga Noronha explicou que quis romper com a tradição no design: “a minha ideia foi não estar confinada a um rótulo de papel”. O resultado foi um rótulo metálico dourado, recortado manualmente, que se projeta para fora da própria garrafa, criando uma dimensão escultórica que enfatiza a singularidade do vinho e que faz com que o processo de produção seja muito mais demorado do que se fosse mecanizado. 

Para a artista, este vinho materializa “os verdadeiros princípios da Casa Ermelinda Freitas, que é o sentir e o fazer sentir”. O processo de produção da rotulagem, totalmente manual, explica também a exclusividade: “todas as garrafas são únicas e diferentes entre si, existem cerca de 600 garrafas executadas neste momento”, contou. A proprietária da casa, Leonor Freitas, afirmou não acreditar que alguém vá colocar esta garrafa no lixo.  

Mais do que um vinho, o “Destemido” foi apresentado esta terça-feira no MUDE (Museu do Desgin) como um manifesto de liberdade criativa e ousadia. “Eu queria que fosse um vinho diferente, que marcasse, um vinho de luxo da Casa Ermelinda Freitas”, sublinhou Leonor Freitas e acrescentou que “já não é preciso ir a França para comprar um vinho caro, o “Destemido” vem dignificar as vinhas da casa e da região de Setúbal”. 

A proprietária da casa quis resgatar a memória de Manuel João de Freitas júnior e destacar o seu papel enquanto cofundador por achar que “acabou por ficar um pouco esquecido no meio de mulheres muito fortes que houve na família, porque isto é uma casa de mulheres, fala-se sempre nas mulheres”.  

Para Leonor Freitas, o “Destemido” é mais do que uma homenagem familiar, é uma nota de legado: “este vinho prolonga o legado de Ermelinda Freitas, é preciso ver que Manuel João de Freitas Jr. era o marido da dona Ermelinda, era um compromisso que eu tinha comigo própria”. 

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