opinião
Investigador universitário doutorado. Estuda a crise da democracia liberal, com foco nas guerras culturais, polarização e impactos nos direitos fundamentais

Orbán, a semente do diabo no projeto europeu

8 out, 23:30

“A Europa não se construirá de uma só vez, nem de acordo com um plano único. Construir-se-á através de realizações concretas que criarão, antes de mais, uma solidariedade de facto.”

As palavras são de um dos fundadores do projeto europeu, Robert Schuman, e espelham bem a consciência do engenho necessário para criar solidariedades num continente marcado pelas ideologias e nacionalismos conflituantes, ou, como afirmou Denis de Rougemont, a Europa não é uma soma de Estados, é uma ideia; ou melhor, uma vontade de viver em conjunto.

E, embora tenha sido o mais próximo do fim da história de Fukuyama, depois dos anos de ouro da afirmação da democracia liberal, com o seu Estado de direito (rule of law), separação de poderes, expansão de direitos fundamentais e afirmação de uma intenção de fazer do Direito Internacional a pomba da paz, é o palco onde se continua a debater as grandes narrativas do mundo.

Contudo, a era do ressentimento que nos habita mostra-nos que a ideia de Europa é um fino gelo sobre o qual correm cavalos à desfilada, com o iliberalismo de direita nativista a ganhar a dianteira e a ameaçar desmantelar a promessa kantiana de uma paz sob o reconhecimento do imperativo moral do consenso.

Um desses cavalos que corre sobre o gelo é Viktor Orbán, o epicentro europeu do iliberalismo de direita do século XXI, tubo de ensaio do nacionalismo assente nas premissas mais elementares da ordem fascista: o direito de sangue e linhagem na pertença ao Estado, a defesa de uma ordem moral única e coletiva e a submissão do aparelho político-jurídico à vontade da maioria manifesta no grande líder.

É, pois, irónico que Orbán afirme que a União Europeia se está a desintegrar. É essa, diz ele, a razão pela qual não pretende aderir à moeda única. Orbán e o Fidesz valorizam o controlo sobre o forint (HUF) como instrumento de política económica e eleitoral, o que permite desvalorizações e políticas populistas, num quadro de nacionalismo económico e combate à União Europeia. Tais estratégias permitem camuflar a inflação, o déficit orçamental e a dívida pública, fatores que, na verdade, incidem sobre os bloqueios na adesão monetária, nos termos do Tratado de Maastricht.

Mas a ironia maior não é económica, é política. Viktor Orbán tem sido um dos grandes promotores dessa desintegração, ao promover a desconfiança face às instituições europeias e aos valores liberais que o projeto europeu representa, como a independência dos tribunais, a sacralidade da Constituição, a garantia de pluralidade política e de eleições livres, a liberdade de imprensa e a salvaguarda de direitos para minorias sexuais e das mulheres.

O projeto europeu não se desintegra de fora; desintegra-se por dentro, como uma maçã que parece bonita, mas que vai apodrecendo paulatinamente até só sobrar a casca.

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