"É indispensável" para prevenir o VIH: três meses depois do prazo, Governo desbloqueia acesso à PrEP

15 jul 2024, 07:00
Profilaxia Pré-Exposição (Getty Images)

Governo de António Costa definiu que o acesso à PreP através de mais especialidades, tanto no SNS como no privado, devia acontecer em abril. A transição de pastas com o novo Executivo atrasou o processo quase três meses. O ministério de Ana Paula Martins deu, entretanto, o primeiro passo, mas ainda falta uma parte: a disponibilização desta terapêutica preventiva do VIH nas organizações comunitárias

O Governo desbloqueou, meses depois do prazo previsto, o acesso alargado à profilaxia pré-exposição, conhecida como PrEP, que permite evitar a propagação do vírus da imunodeficiência humana (VIH). É possível agora o acesso em centros de saúde ou mesmo no privado.

Mas ainda vai ser preciso esperar para obter esta profilaxia através de organizações como o GAT - Grupo de Ativistas em Tratamentos, que também presta apoio médico no combate às infeções sexualmente transmissíveis. Compreendendo a existência de atrasos, o GAT dá até setembro para que todos os procedimentos estejam a andar sem obstáculos. Caso contrário, promete acentuar a luta e os protestos.

Uma portaria do anterior executivo, publicada em dezembro, previa que o acesso alargado a este medicamento estivesse no terreno no início de abril. Na prática, passaria a ser possível o acesso à PrEP em unidades de cuidados primários (como centros de saúde), organizações comunitárias e mesmo no privado. Após a prescrição médica, o utente passaria a conseguir levantar o medicamento em qualquer farmácia.

Contudo, só agora, três meses depois do previsto, e com várias pressões por parte das associações a trabalhar nesta área, foi possível dar um passo em frente nesta matéria. Várias fontes ouvidas pela CNN Portugal admitem que a transição de pastas com a mudança de Governo terá sido a grande responsável por este atraso, dado que o executivo socialista, asseguram, “deixou o trabalho pronto”. Também a Direção-Geral da Saúde já tinha confirmado à CNN Portugal que a respetiva norma estava atualizada desde 22 de março.

Já é possível receita com comparticipação

Foi o GAT - Grupo de Ativistas em Tratamentos, uma das organizações com mais experiência no combate ao VIH/SIDA em Portugal quem confirmou à CNN Portugal que já é possível a prescrição no SNS, com comparticipação. Até agora, o acesso era possível através de consultas específicas para acesso à PrEP, medicamento que só estava disponível nas farmácias hospitalares.

Ao longo das últimas semanas, e apesar da insistência, o Ministério da Saúde não foi capaz de responder às questões da CNN Portugal sobre esta matéria. A portaria definia que novas especialidades passariam a poder prescrever este medicamento. São elas: dermatovenereologia, doenças infecciosas, medicina geral e familiar, medicina interna, pediatria e saúde pública.

Fizemos o teste. Uma médica de medicina geral e familiar, a trabalhar numa clínica privada, conseguiu fazer a prescrição da PrEP com a devida comparticipação. Uma embalagem com 30 comprimidos de “emtricitabina/tenofovir” terá um custo de 12,40 euros para o utente. O Estado suporta os restantes 27,60 euros.

Ou seja, confirma-se a comparticipação de 69% prevista na portaria. Contudo, para ela ser aplicada, foi necessário colocar em sistema a informação sobre a portaria em causa. O mesmo confirmou à CNN Portugal o médico Gonçalo Figueiredo Augusto, especialista em saúde pública, que está também a procurar criar uma consulta de acesso à PrEP na Unidade de Cuidados de Saúde Primários de Sete Rios, em Lisboa.

Uma das preocupações de quem tem defendido o alargamento no acesso à PrEP está, depois de ultrapassado este bloqueio, na capacidade de as farmácias conseguirem dar resposta, disponibilizando o medicamento.

À CNN Portugal, o bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Helder Mota Filipe, assegura que esse trabalho de preparação já foi acautelado. “Neste momento, as farmácias estão preparadas. Todo o sistema de dispensa está preparado desde 1 de julho”, diz. Por isso, se um utente não conseguir no imediato aviar a prescrição, o problema deverá ser resolvido rapidamente.

(AP Photo)

Números muito longe do desejado

A profilaxia pré-exposição ao VIH existe desde 2012. Em Portugal está disponível nos hospitais, e através de um programa de acesso precoce, desde 2018, com consultas específicas para o acesso a esta terapêutica preventiva.

O relatório “Infeção por VIH em Portugal 2023” mostra que, no ano de 2022, foram 4.499 as pessoas que receberam PrEP “pelo menos uma vez no ano”. Destas, 2.161 receberam-na “pela primeira vez na vida”. Os dados mostram que os homens que têm sexo com homens são a quase totalidade dos beneficiários.

Apesar da evolução positiva ao longo dos anos, Luís Mendão, diretor de advocacia, políticas de saúde e relações externas do GAT, insiste que a escala ainda não é suficiente para tornar efetivo o esforço de prevenção.

“Julga-se que, para termos, de facto, um impacto na diminuição de novas infeções, devíamos ter entre 7.500 a 15 mil pessoas em PrEP”, aponta. E, para vincar as limitações do anterior sistema, apresenta números: o GAT pediu o acesso a consulta para oito mil consultas, só duas mil conseguiram efetivamente.

“Em Lisboa, as consultas estão praticamente fechadas até ao final deste ano para pessoas que requerem PrEP pela primeira vez”, exemplifica.

O passo que (ainda) falta

Uma das soluções para generalizar este acesso passa pelas organizações comunitárias, como o GAT - Grupo de Ativistas em Tratamentos, que contam com profissionais médicos a trabalhar diretamente com aqueles que podem beneficiar desta terapêutica. Esta organização, que é muitas vezes o primeiro recurso para quem procura informação sobre a PrEP, diz ter capacidade para vir a apoiar cerca de duas mil pessoas.

Contudo, e apesar de estar previsto na portaria do anterior Governo, as organizações comunitárias ainda não podem fazê-lo. Luís Mendão explica à CNN Portugal que é necessário avançar com a burocracia que permite a contratualização desses serviços, através da ACSS – Administração Central do Sistema de Saúde.

E daí que fixe até setembro o prazo máximo para que tudo esteja a decorrer sem obstáculos, tanto nas associações como no próprio SNS, com os médicos ao corrente dos procedimentos e sensibilizados para a sua importância. Caso contrário, promete, haverá novas formas de protesto e luta.

“Porque a PrEP é uma ferramenta de prevenção para o VIH indispensável. Não é uma varinha mágica, mas é indispensável para ajudar-nos a eliminar a infeção”, argumenta.

Além dos ganhos na saúde, com a contenção do vírus, poderá também haver ganhos nas contas do SNS com a generalização desta terapêutica, uma vez que o VIH é a área terapêutica com a segunda maior despesa para o SNS, cerca de 80,8 milhões de euros nos quatro meses deste ano, uma subida homóloga de 13%, segundo dados do Infarmed.

Neste processo de alargamento do acesso à PrEP, uma das valências que não pode ser ignorada é a formação e sensibilização dos próprios profissionais de saúde sobre esta matéria, avisa Maria José Campos, médica que dedicou vários anos da sua carreira ao apoio às pessoas infetadas com o VIH.

“O princípio destas novas regras seria retirar estas pessoas saudáveis dos hospitais, que não se destinam a tratar pessoas saudáveis”, refere à CNN Portugal. Contudo, tem receio de que a falta de médicos de família, sobretudo nas grandes cidades, onde a PrEP tem maior procura, possa não permitir uma resposta plena a este nível também nas unidades de cuidados primários.

“É fundamental na prevenção da transmissão, se quisermos atingir as metas a que nos propusemos enquanto país. Não havendo vacina, tem de se investir na prevenção. Uma das frentes é a PrEP”, reforça.

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