Estarão os patrões a aumentar a vigia aos colaboradores? A resposta é um estrondoso sim. Afinal, um Big Brother em qualquer formato é sempre garante de espectadores.
Não é novidade nenhuma que a pandemia SARS-COV2 levou as empresas, em especial as grandes e que empregam centenas e milhares de colaboradores, a fazerem mudanças que à entrada foram forçadas e mal recebidas pela maioria. Claro que em 2019, estava eu no 9º piso das Lake Towers no Porto, vivia-se um momento em que as grandes empresas da tecnologia faziam papel de figurão com modernos espaços de trabalho em coworking ou mesa fria, e que tentavam justificar as infindáveis filas no trânsito, o almoçar do tupperware aquecido no refeitório, as idas às prestações ao WC e tudo mais, com café ilimitado, acesso a chaleira de água quente e aquela maravilhosa cultura de trabalho que reunia várias vezes ao dia em salas de reunião com a maioria dos interlocutores nestas via “teams”.
Passados os tempos críticos que mostraram que o nosso país é resiliente e acima de tudo que trabalhar remotamente também funciona na maioria dos serviços de secretária, grandes gurus aparecem com os seus faustosos títulos no Linkedin a vaticinar que os tempos do totalmente remoto ou mesmo dos três dias em casa e dois no escritório estavam condenados, e que as massas em breve estariam de volta à VCI, 2ª Circular e ao IC19. Pregavam que apesar das poupanças mentais dos colaboradores, da saúde monetária que a ausência de deslocações trouxe à carteira de todos, que, apesar de ser bastante fácil trabalhar em regime remoto e que tal permitia uma relação de menor desgaste com a entidade patronal, voltar ao escritório era inevitável pois o empregador não conseguia controlar totalmente o trabalho efetuado. Outrossim era o espírito de equipa, sim, o espírito, esse animal especial que representa o pináculo do trabalho por conta de outrem, se perderia ao manter as equipas em casa. Ora, não era difícil perceber que esta malta que profetizava o regresso, ou trabalhava em empresas imobiliárias que vivem do aluguer de espaços, ou trabalhavam em empresas que possuem uma fama de dureza com os colaboradores. E o que aconteceu, entretanto?
Para nossa sorte, o turismo cresceu e os arautos do regresso acabaram por perceber que rende mais fazer hotéis, ginásios, cafés-concerto e outros que tal com os mega espaços de 20 pisos, do que nos fazer sair da cama às 6:30 da manhã para enfrentar um dia já em stress pré-pequeno almoço. Mas e o que aconteceu aos anseios dos empregadores? Pergunta muito astuta que me faz. Eu clarifico.
Os pequenos empresários perceberam que de facto há uma poupança em manter em casa parte da força de trabalho; afinal, assim não é necessário estar a aumentar ou a remodelar os espaços e acaba por haver um ambiente melhor, tornando este modelo uma espécie de prémio de fidelização. Mas e os grandes empregadores? Também.
Os grandes empregadores perceberam que se insistirem muito com as gerações millennials em diante, estes dão o salto para novas oportunidades, em particular para aquelas empresas que usam este sistema do remoto como incentivo à contratação, diminuição da rotatividade e por conseguinte, traduzem todos a poupança em aumentos de vencimento. Não é segredo algum que quem salta de emprego a cada três anos melhora em maioria a sua condição financeira, deixando para trás um custo acrescido para contratar e formar a quem não queria aumentar um vencimento em 7,5%-10%. Porém todas possuem algo em comum, a ver vamos.
Recentemente, estudos e análises dos operadores e empresas que vendem acesso remoto a ambientes de trabalho, vulgarmente conhecidas por VPN, mostraram que nos últimos 3 anos houve um aumento nas suas redes, de software que permite a captura de indicativos de uso; dito isto por outras palavras, notaram que os patrões implementaram novos serviços e sistemas que permitem vigiar os colaboradores. Neste momento a maioria dos leitores está confortável com este facto, mas e se eu disser que quase 80% dos empregadores está a implementar ativamente medidas de controlo de produtividade junto da sua força de trabalho? Perceba que não estou a dizer que o seu patrão o segue ou que segue a sua ligação, o que estou a dizer é que há evidências que seguem e rastreiam o colaborador para saber se faz reuniões e com quantas pessoas. Implementam medidas para saber se o rato se mexe, para onde e onde clica, para poder detetar se está a usar um software ou sistema que apenas faz mover o rato. Implementa medidas para saber quantos emails envia e quantos caracteres e intervenientes existem nesse email. Implementa sistemas que permitem ver e tratar em tabelas e gráficos as atividades eletrónicas dos colaboradores, e.g., quantas vezes usou o Word esta semana e quantos documentos criou e quantos partilhou etc. A lista é infindável e a esta juntou-se agora a Inteligência Artificial como o Recall no Copilot.
Assente em estudos que envolvem questionários a empregadores, em média 60% a 70% afirma não confiar nos colaboradores, que sentem que não controlam a empresa sem que a vigilância ou controlo digital esteja empregue. Ora, aqui as grandes entidades tecnológicas perceberam que há um novo negócio e que podem lucrar imenso com este, e já vendem serviços que até detetam e reportam se o colaborador se suporta de motores de IA para gerar ou criar conteúdo e que dados a empresa está a deixar sair para que a máquina pense pelo colaborador. Não é necessário elaborar muito para que se percebam duas coisas rapidamente: a primeira, que eticamente este tipo de controlo não é positivo, e que estas entidades estão todas a vender serviços de controlo que permitem estudar o desempenho das forças de trabalho remoto em comparação com IA generativa entre outras.
Ainda no estudo da ExpressVPN, entre os milhares de inquiridos, diretores e responsáveis, garante que a vigilância de funcionários tem aumentado rapidamente nos últimos meses e os números não são simpáticos. 60% e 90% relatam usar software de monitorização de funcionários para rastrear o desempenho e/ou a atividade online; que implementaram software de monitorização de funcionários nos últimos 6 meses; que rastreiam ativamente o tempo que os funcionários trabalham em comparação com outras atividades não relacionadas com trabalho; que já despediram com base em informações recolhidas e que usam as gravações armazenadas de chamadas, e-mails ou mensagens dos funcionários para as avaliações de desempenho.
Será ético? Será legal? Será correto? Bom, esse juízo deixo para que quem de direito opine, mas uma coisa eu posso opinar já: empresas que vendem software de produção deveriam evitar viver deste negócio que permite uma eterna desvantagem entre patrão e colaborador, pois mesmo que a maioria seja esmerada e cumpridora, nunca se sentirá à vontade para se expressar ou dizer o que lhe vai na alma sem medo de feedback negativo ou repercussões.
Mas a pergunta mais importante é: como detetar?
Primeiramente aconselho que questione diretamente e sem rodeios se este tipo de atividades é efetuada pelo empregador. É obrigado a responder? Sim, em particular quando a sua dúvida se relacionar com a proteção de dados. É legítimo que pergunte mesmo quando não sabe se eles são obrigados a responder? Eu diria que sim. É legítimo que um colaborador tente saber se está a ser alvo de “micro gestão” e não há nada de errado com essa pergunta. Agora se o seu empregador se recusa a responder, a resposta está dada.
Como posso eu limitar este tipo de ações?
Primeiramente, não use o seu telefone corporativo, mesmo que este seja para uso total e pessoal. Não use o PC de trabalho, ainda que este esteja entregue para uso particular, também para as suas tarefas diárias em tempo particular. Não vá ao banco, não pague contas, não faça pesquisas relacionadas com a sua futura vida profissional, em particular aquelas pesquisas que possam expor a sua saúde, potenciais hábitos lúdicos privados, ideais políticos ou questões mais pessoais. Recorde-se que está a usar equipamento de terceiros. Use um telefone e um computador à parte. Se quer partilhar ficheiros entre os dois ambientes, use uma drive na Cloud. A máquina de trabalho deverá estar equipada para se defender caso a segurança da Cloud falhe.
Não há muito mais que se possa dizer aqui a não ser que deve manter uma vida profissional saudável e manter sempre o seu estatuto de excelência, mas, entretanto, não misture a sua vida pessoal com a profissional. Não se esqueça de ir limpando a cache e demais elementos do seu browser regularmente; não ajuda muito, mas também não prejudica na totalidade, especialmente na eventualidade de ter de retornar a máquina um dia.