Trocou uma carreira no futebol pelo andebol, todos se riram e agora ri-se ele

28 fev 2023, 10:30
Viggo Kristjánsson

Era internacional, chegou a disputar a Liga Europa, mas aos 20 anos mudou de rumo, ainda a tempo de chegar ao topo

Há loucos e loucos.

No desporto, uma boa dose de loucura pode ser muito positiva. Mas o limite por vezes é demasiado ténue.

Viggo Kristjánsson é um louco do desporto.

Pelo menos, já foi considerado como tal.

Mas só porque veio ao mundo com um talento raro para o desporto.

O que significa isso do «talento raro»?

Explicamos.

Nascido no seio de uma família islandesa muito ligada ao desporto, Viggo demorou a escolher qual a modalidade que preferia.

Experimentou várias, mas desde os cinco anos que duas delas lhe enchiam mais as medidas.

E ele tinha talento de sobra para ambas. No futebol, tinha a vantagem de ser ambidestro. No andebol, tinha um braço esquerdo temível.

«Comecei a jogar andebol e futebol aos quatro ou cinco anos. E aos 16 estava na seleção nas duas modalidades. Foi aí que tive de decidir», introduz, em conversa com o Maisfutebol.

Na base da decisão do então jovem adolescente estava o sonho. Um sonho partilhado com tantas crianças por esse mundo fora.

«Toda a minha família praticava andebol. Os meus pais jogaram e o meu irmão também chegou a profissional. Mas quando era miúdo, o meu sonho era mesmo ser jogador de futebol», explica o islandês de 29 anos.

Seguiu-se o futebol, então. Entre os 16 e os 20 anos, o andebol ficou totalmente arrumado numa gaveta de memórias. E as coisas corriam-lhe bem.

«Aos 19 anos jogava na primeira divisão da Islândia e era internacional sub-19 de futebol. Jogava com muitos jogadores que estão agora na seleção principal e jogam na Bundesliga e até na Premier League. Muitas vezes é uma questão de sorte», define.

Viggo Kristjánsson ainda em «versão» futebolista

No Breidablik, um clube com tradição no futebol islandês, o então jovem médio, que podia também jogar nas alas, chegou mesmo a cumprir um sonho que só uma pequena percentagem consegue atingir: jogar as competições europeias.

«Cheguei a jogar pré-eliminatórias da Liga Europa. Foi experiência incrível. Jogámos contra boas equipas. Na Áustria, por exemplo, jogámos num estádio com 15 mil espectadores», recorda.

Viggo fala da época 2013-2014, quando, nas pré-eliminatórias, o Breidablik eliminou o Santa Coloma (Andorra) e o Sturm Graz (Áustria), antes de perder o acesso à fase de grupos nos penáltis com os cazaques do Aqtobe.

Reaproximação do andebol por sentir estar «longe do sonho de ser o melhor do mundo»

Na altura em que disputou essas eliminatórias da Liga Europa, porém, Viggo já se começava a sentir algo desanimado com o futebol. E um empréstimo na segunda metade dessa época para o clube da terra, o Grótta, sem querer, aproximou-o da velha paixão.

«Tenho quase a certeza de que se tivesse insistido no futebol podia ter conseguido uma carreira razoável.  Mas não estava feliz no futebol porque os meus sonhos eram ser o melhor do mundo e chegar à Premier League», confessa, sublinhando também o que é a realidade do desporto na Islândia.

«Sentia que estava muito longe dos objetivos que tinha. Jogar futebol na Islândia deixa-te a uma distância muito grande das grandes ligas. E eu queria voltar a encontrar a alegria no desporto, além de ter sentido saudades do andebol», acrescenta.

Um louco. Foi assim que quase todos o viram na altura.

«Eu tinha muito talento para o andebol quando parei de jogar e sentia muita confiança de que podia voltar ao andebol e tornar-me profissional. Na verdade, era o único que acreditava nisso, todos se riram de mim e achavam que eu era doido», diz sorridente, apontando para os colegas atuais da seleção, alguns dos quais já conhecia das camadas jovens.

Como qualquer bom louco, Viggo não quis saber do que os outros pensavam e foi atrás do seu sonho.

Para começar, trocou apenas a equipa de futebol do Grótta pela de andebol. Um ano depois, chegava à primeira divisão islandesa.

E foi sempre a subir. Ou quase.

Em 2016, o já lateral direito mudou-se para o Randers, da Dinamarca, e a equipa desceu à segunda divisão.

Então, Viggo mudou-se para a Áustria, onde jogou duas épocas. E o passo seguinte já começou a mostrar que talvez não fosse assim tão louco.

Em 2019, cinco anos depois de ter trocado o futebol pelo andebol, Viggo foi contratado pelo Leipzig, chegando àquele que é considerado o melhor campeonato do mundo.

Viggo Kristjánsson está a viver o seu sonho.

«Jogo há quatro anos na Bundesliga e estou muito contente. É um campeonato divertido, adaptei-me bem e é bom viver na Alemanha. Estou a viver o meu sonho. Queria ser jogador profissional e consegui», orgulha-se o atual quinto melhor marcador da Bundesliga.

Também em 2019, Viggo estreou-se pela seleção AA. O que também não é dizer pouco, ou não estivéssemos a falar de uma das melhores seleções do mundo.

«Tornei-me internacional em 2019 e em 2020 fui ao Europeu, que foi a minha primeira competição internacional. Não posso estar desiludido. Fico muito contente com o que tenho alcançado no andebol», orgulha-se.

E explica porquê.

«Acho o andebol mais divertido de jogar e estou muito contente por ter feito esta escolha. Adoro o meu trabalho», admite.

Reticente? Só em termos económicos

Durante toda a conversa que mantém com o nosso jornal, Viggo deixa transparecer que, apesar do sucesso que tem conseguido no andebol, o «bichinho» do futebol morde-lhe sempre um pouco.

Mas talvez seja o lado financeiro a pesar.

«Estou contente com o que consegui, mas ganharia muito mais dinheiro se jogasse futebol», aponta.

«Em termos económicos, teria sido muito melhor ter continuado no futebol. Sem dúvida. É verdade que ganho mais dinheiro a jogar andebol na Alemanha do que se jogasse futebol na Islândia. Mas joguei com colegas que tinham a mesma qualidade que eu aos 18/19 anos e que agora ganham talvez cinco milhões de euros por ano», contextualiza.

Contudo, um novo regresso ao futebol não está totalmente colocado de parte. Mas já não como jogador, claro. É no agenciamento de jogadores que vê um possível caminho de retorno.

«Quando acabar a carreira posso ficar ligado ao andebol ou ao futebol. Posso usar os meus conhecimentos nas duas modalidades e, talvez, ser agente, por exemplo. Ainda não decidi, mas tenho interesse nessa área. Talvez eu possa vender alguns jogadores para Portugal no futuro. Quem sabe?», questiona, sorridente.

Quem sabe, não é? A sabedoria popular diz que nunca se deve contrariar um louco.

 

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