Ellen Pompeo sem meias palavras à CNN Portugal: "O streaming tem sido financeiramente devastador para muitos atores"

2 mai, 15:02

A atriz que se tornou uma estrela da televisão com "Anatomia de Grey" aponta o dedo às plataformas de streaming. Garante que os atores não estão a ser pagos pelas repetições e o resultado, diz, está à vista em Los Angeles: "A indústria do cinema e da televisão está a ser dizimada" para prejuízo direto de quem nela trabalha, e a culpa também é dos políticos.

Depois de quase 20 anos em "Anatomia de Grey", decidiu encarnar uma personagem nova e muito diferente. Porquê a protagonista de "Good American Family"?

Ellen Pompeo: Penso que interpretar o mesmo papel durante tanto tempo implicou que toda a gente me conheça dessa forma. Mudar, por isso, teria de ser para algo completamente diferente, em que parecesse, soasse e me movesse de forma completamente diferente. Esta personagem foi uma oportunidade para fazer isso, para desaparecer completamente numa fisicalidade diferente. 

Esta nova série é baseada num caso de crime real. O que mais a impressionou na adaptação para uma minissérie?

Aquilo que é realmente interessante na nossa produção é que nós jogamos realmente com a perspetiva. Usamos o caso real como uma moldura. O que mostramos são perspetivas e como vemos as coisas, como julgamos as coisas, como percecionamos as coisas em função de quem está a contar a história.

Há múltiplas perspetivas da mesma história que são, por vezes, contraditórias. Nesse sentido, qual é o sentido da minissérie? É sobre parentalidade, empatia, acreditar em coisas diferentes daquelas que vemos?

Penso que é uma série que nos questiona porque acreditamos nas coisas em que acreditamos. Sustentamos as nossas crenças no aspeto das pessoas, nas pessoas que elas amam, na forma como se comportam? Ou se dizem se são cristãos ou não, se são religiosos ou não? As pessoas são mais credíveis quando são religiosas? São menos credíveis se dizem que tem dificuldades de saúde mental? São as perceções que temos uns dos outros e porque nos agarramos a elas.

Por causa da sua longa carreira na televisão, as pessoas reconhecem-na em todo o mundo, Portugal incluído. Essa é a maior recompensa de todas?

Não diria que isso é uma recompensa, de todo…. Ser reconhecida em todo o mundo é um dos desafios, seguramente.

Qual é a melhor coisa, então, dessa longa carreira?

Diria que é a calorosa receção que tenho de toda a gente. Isso é a coisa mais satisfatória. Aquela personagem que interpretei durante duas décadas parece fazer toda a gente tão feliz e parece trazer a toda a gente tanta alegria. Recebo tanto carinho e amor de tantas pessoas e a série significa tanto para tantas pessoas porque lhes dá conforto. Isso é o mais gratificante.

E qual foi a maior lição que aprendeu até agora, a interpretar uma personagem tão carismática na televisão?

A vida é sobre escolhas, mas também acredito que o nosso destino está pré-determinado. Obviamente, as nossas escolhas importam e afetam o que acontece nas nossas vidas, mas acredito que muito do que acontece nelas já está predestinado, pré-determinado. 

Quando começou a trabalhar em "Anatomia de Grey", a televisão era um meio muito diferente do que é agora. Como olha para a indústria, hoje em dia? É mais satisfatória, competitiva?

A forma como modelo de negócio da televisão mudou tem aspetos positivos e negativos. Entre os positivos, está o facto de haver minisséries como esta e personagens atraentes para interpretar. É quase como se o cinema independente já não existisse. O cinema independente são as minisséries com histórias interessantes para contar e personagens femininas como protagonistas. Também podemos fazer essas séries em menos tempo, porque têm apenas 8 ou 12 episódios com uma carga de trabalho muito mais amigável. Podemos ter uma boa qualidade de vida, a fazer séries para o streaming porque elas já não são tão exigentes. O aspeto negativo está no modelo financeiro e naquilo que o streaming fez à estrutura dos residuais e como paga aos atores, realizadores e argumentistas. Houve uma grande greve há um ano. Dizem que ganhámos coisas com ela, mas não ganhámos, realmente. Já não há nenhuma estrutura de residuais, na verdade, e isso era a forma como a maioria dos atores ganhava a vida. Tenho sorte porque “Anatomia de Grey” está no ar há tanto tempo, mas para muitos atores que participaram numa série durante 7 ou 8 temporadas e depois não trabalham tanto, os residuais dessa série mantinham-nos à tona, permitindo que tivesse comida na mesa e seguro de saúde. Isso já não acontece. Todas as plataformas de streaming eliminaram basicamente a estrutura de residuais. Por isso, os atores já não são pagos pelas repetições. “Anatomia de Grey” passou mais de mil milhões de vezes em 2024. Mais de mil milhões e nenhum daqueles atores de qualquer daqueles episódios estão a ganhar qualquer dinheiro com as repetições. Isso não me parece inteiramente justo, até porque nem sempre foi assim. Essa é a desvantagem do streaming, porque tem sido financeiramente devastador para muitos atores e também para as equipas técnicas. Essencialmente, já não restam muitas estações de televisão no mercado. Por isso, já não há tantas séries que duram 20 a 22 episódios. Em Los Angeles, as equipas técnicas (cabelo, caracterização, câmaras) dependem do trabalho durante 10 meses por ano, mas isso já não é possível. A indústria do cinema e da televisão em L.A. está a ser dizimada, não só por culpa dos gigantes do streaming. Também é culpa dos políticos que não têm dado incentivos fiscais. Há muitas filmagens que já não acontecem em Los Angeles. É muito triste. 

"Good American Family" está em exibição na plataforma Disney+

Artes

Mais Artes

Mais Vistos