O casal que se apaixonou na Antártida

CNN , Francesca Street
27 fev 2022, 08:30
Os americanos, Nicole McGrath e Cole Heinz, conheceram-se em 2013, enquanto trabalhavam na estação McMurdo, uma base de investigação norte-americana construída em rochas vulcânicas, na ilha de Ross. Cá estão eles numa visita em 2016, fotografados na pista de aterragem de Pegasus. Foto:  Cortesia de Rebekah Osgood

Conheceram-se quando faziam trabalhos de limpeza e cozinha numa base norte-americana construída em rochas vulcânicas, na ilha de Ross, na Antártida

“Vim à Antártida para encontrar um marido”, disse Nicole McGrath a Cole Heinz, em tom de brincadeira.
Heinz riu-se. Estavam os dois a almoçar na estação McMurdo, uma base de investigação norte-americana construída em rochas vulcânicas, na ilha de Ross, rodeada de montanhas, neve e gelo.

Foi em 2013. McGrath, na altura com 25 anos, que se tinha licenciado no meio da recessão, não sabia o que queria fazer e as prospeções de trabalho não eram boas.

Quando ouviu dizer que o governo norte-americano oferecia trabalho para funções de cozinha e limpeza em McMurdo, McGrath ficou intrigada e candidatou-se de imediato.

Passaram-se alguns anos até ela ser aceite, mas quando deu por isso, McGrath estava a embarcar num avião militar da Nova Zelândia para o continente mais a sul do planeta.

“Quem pode dizer que vai para a Antártida?”, diz McGrath à CNN Travel, hoje. “Era algo de que nunca tinha ouvido falar. Eu sou da Flórida, por isso, nunca tinha vivido em nenhum sítio frio”.

À chegada, informaram-na de que as suas tarefas seriam no refeitório: trabalharia na cozinha, lavaria a loiça e serviria comida para a equipa de McMurdo.

Heinz, um veterano de McMurdo que tinha acabado de fazer 29 anos, foi escolhido para dar formação a McGrath, juntamente com vários outros novos recrutas. Ele lembra-se do momento em que a viu pela primeira vez.

“Entrei e fiquei impressionado”, diz ele.

McGrath ficou igualmente impressionada com Heinz.

“Lembro-me de ver um texano ruivo com um chapéu de basebol e de pensar que era giro”, diz McGrath.
Ainda assim, ela estava a brincar quando disse que tinha ido para a Antártida à procura de marido. A piada referia-se ao facto de aproximadamente 75% das pessoas em McMurdo serem homens.

Os dois estranhos rapidamente se aperceberam de que partilhavam o mesmo sentido de humor.

“Creio que o que nos atraiu naquele primeiro dia foram as piadas todas, fizemo-nos rir um ao outro”, diz McGrath.

Também entraram outros novos recrutas naquele dia e McMurdo tinha sempre muita atividade. Era difícil ter privacidade. Mas, no primeiro dia, por acaso, McGrath e Heinz almoçaram sozinhos.

“Tivemos o nosso pequeno... Não foi bem um encontro, mas tivemos um pequeno almoço privado naquele primeiro dia”, diz Heinz.

A vida em McMurdo

Estação McMurdo: Muitas das pessoas que trabalham em McMurdo são cientistas, mas o governo norte-americano também emprega funcionários para o refeitório e limpezas. Era isso que McGrath e Heinz estavam a fazer quando os seus caminhos se cruzaram. Foto: Nicole McGrath and Cole Heinz

Enquanto McGrath se habituava ao trabalho, acabou por comparar a atmosfera de McMurdo à de uma faculdade. Todos viviam em dormitórios. Organizavam noites de cinema e eventos. Havia um ambiente amigável e acolhedor.

Também havia Wi-Fi irregular, computadores comunitários e não haiva rede nos telemóveis, portanto, criavam ligações rápidas e fortes.

“Eles têm uma grande comunidade porque estão todos na mesma posição. Estão a 16 mil quilómetros de casa e da família”, diz Heinz.

A única desvantagem do ambiente atarefado era a dificuldade em estarem sozinhos com alguém em quem estivem interessados. Mas, no meio dos seus dias ocupados, Heinz e McGrath arranjaram tempo para conversas a sós. Heinz ia muitas vezes ao refeitório, o local de trabalho de McGrath.

Discovery Hut: No seu primeiro encontro, McGrath sugeriu que fizessem a caminhada até Hut Point para ver a Discovery Hut abandonada, na fotografia, outrora utilizada pelo explorador britânico Robert F. Scott, durante uma expedição à Antártida entre 1901 e 1904 e, mais tarde, por Ernest Shackleton. Foto: Nicole McGrath and Cole Heinz

No terceiro dia da sua aventura na Antártida, McGrath convidou Heinz para o seu primeiro encontro oficial. Ela sugeriu que fossem até Hut Point, para verem a cabana abandonada, a Discovery Hut, outrora utilizada pelo explorador britânico Robert F. Scott durante uma expedição antártica entre 1901 e 1904 e, mais tarde, por Ernest Shackleton.

“Está exatamente como estava há mais de 100 anos, porque o frio e a falta de humidade preservam tudo na perfeição”, explica McGrath.

Conversaram o percurso todo, maravilhados com a paisagem espetacular e etérea, enquanto abriam caminho pela neve.

“Parece um sítio muito bonito, frio e desolado”, diz McGrath, recordando o terreno gelado.

De volta a McMurdo, dirigiram-se à cabana do café e passaram o resto do dia a conversar e a fazer jogos de tabuleiro juntos. Deram o seu primeiro beijo e tornaram-se inseparáveis desde esse dia.

“Foi isso”, diz McGrath.

Romance antártico

Avistamento de pinguins: Noutras excursões, foram à procura de pinguins, na expansão de neve. “Parece um sítio muito bonito, frio e desolado”, diz McGrath da Antártida. Foto: Nicole McGrath and Cole Heinz

Depressa se aperceberam de que namorar na estação McMurdo era ligeiramente diferente de namorar na Flórida ou no Texas. Para começar, havia a questão da privacidade.

“Temos de ser criativos nos encontros”, diz Heinz.

Faziam caminhadas juntos, apenas com os pinguins da Antártida como companhia, enquanto procuravam focas ou baleias pelo caminho. De volta à estação, viam filmes na sala comum.

As noites eram passadas a beber copos com os amigos ou a fazer jogos na cabana do café. Os trabalhadores de McMurdo criavam eventos, como aulas de banjo ou de línguas, uns para os outros. Muitas vezes, os cientistas na estação davam palestras fascinantes sobre a sua pesquisa na Antártida.

Na véspera de 2014, a estação organizou o seu festival anual de Passagem de Ano, chamado Icestock. Heinz e McGarth assistiram ao concerto ao vivo, juntamente com todos os seus amigos de McMurdo.

“É o hemisfério sul, portanto, temos sol durante 24 horas, a neve à volta da estação está toda derretida. Por isso, construíram uma plataforma grande e as pessoas podiam inscrever-se para tocar”, explica Heinz.

Uma cabana em McMurdo está reservada para visitas VIP, mas quando não estão ocupadas por deputados e senadores, os residentes podem alugá-la por períodos de 24 horas. Num dos seus dias de folga, Heinz reservou a cabana e aproveitou a oportunidade para fazer um jantar especial para McGrath.

Pensar fora do normal: Namorar em McMurdo, onde havia pouca privacidade, significava que tinham de ser “criativos” nos encontros, diz Heinz. Foto: Nicole McGrath and Cole Heinz

McGrath ligava aos pais do telefone fixo de McMurdo, todos os dias. Ela não mencionou Heinz até estar na estação há uns meses, mas a mãe já tinha desconfiado que a filha tinha conhecido alguém. Sempre que McGrath conseguia usar o computador comum, enviava fotos das suas aventuras à família e a mãe reparou que um homem ruivo aparecia em quase todas.

Em janeiro de 2014, disseram um ao outro que se amavam pela primeira vez. Estavam juntos, num raro momento que tiveram a sós.

“Ouvi-a sussurrar alguma coisa”, relembra Heinz.

“O que disseste?”, lembra-se de perguntar.

McGrath repetiu a palavra, baixinho.

“Quando ela finalmente falou um bocadinho mais alto, disse-lhe que já há algumas semanas que lho queria dizer a ela. Mas nunca o tinha dito a uma rapariga”, relembra Heinz, hoje.

“Eu disse-o primeiro. E sabia que o amava”, diz McGrath. “Mas, às vezes, parecia que McMurdo era um mundo de fantasia, como um ‘reality show’”.

Ela não sabia como é que a relação seria no mundo “real”.

“Talvez seja fácil apaixonarmo-nos, porque estamos um espaço lindo e protegido”, lembra-se de pensar.

Futuro incerto

A temporada de verão em McMurdo chegou ao fim em fevereiro e McGrath tinha planeado viajar pela Nova Zelândia nos seis meses seguintes, enquanto Heinz queria permanecer lá durante o inverno. Ainda não tinham conversado sobre o que isso significava para a sua relação.

“Eu sabia que ainda queria estar com ela”, disse Heinz. Fevereiro aproximou-se e ele decidiu que tinha de ser sincero.

“E se fosse para a Nova Zelândia contigo?”, sugeriu a McGrath, um dia.

McGrath hesitou. Ela não queria que Heinz desistisse da oportunidade de trabalhar na temporada de inverno. As funções de inverno são cobiçadas, pois há menos vagas do que no verão. Além disso, ela continuava com receio de que a relação só funcionasse na bolha antártica.

McGrath disse que achava melhor Heinz não a acompanhar.

“Eu disse ‘Está bem, eu amo-te, quero que sejas feliz e faças o que quiseres e, se nos voltarmos a encontrar, ótimo’”, relembra Heinz.

“Depois disso, as coisas tornaram-se tristes e tensas entre nós. Era difícil saber como nos comportar um com o outro, sabendo que a relação iria chegar ao fim em breve”, diz McGrath.

Mas, uns dias mais tarde, ela deu por si sozinha no quarto, a pensar em Heinz.

“Apercebi-me de que, assim que me fosse embora, não o poderia ver todos os dias e isso deixou-me triste”, diz McGrath.

Decidida, foi procurá-lo e voltou a mencionar o assunto.

“Disse-lhe que se ele não se importasse de desistir do contrato de inverno, então queria que ele viesse para a Nova Zelândia comigo”, relembra McGrath.

Aventura na Nova Zelândia

Aventura na Nova Zelândia: Quando o seu tempo na Antártida chegou ao fim, pediram vistos de férias e trabalho para a Nova Zelândia, compraram uma autocaravana convertida e passearam juntos pelo país. Cá estão eles a fazer caminhadas no Parque Nacional de Fiordland, em 2014. Foto: Nicole McGrath and Cole Heinz

Começou a formar-se um plano e ambos pediram um visto de férias e trabalho na Nova Zelândia. Quando lá chegaram, compraram uma autocaravana convertida e passearam juntos pelo país.

“Foi um bocado stressante, no início”, diz McGrath. “Mas divertimo-nos muito. Já nos tínhamos apaixonado na Antártida. Mas essa viagem foi o que me fez perceber que amava mesmo aquele homem”.

Numa videoconferência pelo Skype, da autocaravana na Nova Zelândia, McGrath conheceu os pais de Heinz, do Texas, pela primeira vez. Entretanto, os pais dela juntaram-se ao casal nas últimas duas semanas da sua viagem.

“Foi uma maneira estranha de conhecer os meus pais”, ri-se McGrath. “Estes são os meus pais e vão passar as próximas duas semanas na estrada connosco!”.

O casal aproximou-se ainda mais, enquanto navegavam pelos altos e baixos da odisseia na autocaravana. Quando os seis meses chegaram ao fim, McGrath regressou à Antártida.

“Originalmente, ia fazer uma apenas temporada na Antártida, mas gostei tanto de lá estar, que me inscrevi para outra”, diz ela.

Heinz não se pôde juntar a ela, por isso, o casal ia ter de namorar à distância durante cinco meses. Nenhum deles sabia como isso iria correr.

“Tínhamos acabado de passar quase um ano sempre juntos, a viver na autocaravana, a ver-nos 24 horas por dia, todos os dias. E depois fui para a Antártida e namorámos à distância durante cinco meses. Nem sequer podíamos falar por FaceTime, Skype, nada, eram apenas chamadas telefónicas”, diz McGrath.

“Mas superámos isso e percebi que se conseguia viver numa caravana com aquele homem, deveríamos conseguir namorar à distância, porque passámos pelos dois extremos”.

Quando McGrath voltou aos EUA, depois da sua segunda temporada na Antártida, também tinha escolhido uma carreira. Queria trabalhar em planeamento urbano e candidatou-se a um estágio na Flórida.

Entretanto, Heinz trabalhava no Serviço Nacional de Parques e estava prestes a mudar-se para o Colorado. O casal continuou a namorar à distância, mas era muito mais fácil, agora que estavam no mesmo país e organizaram viagens regulares para se verem.

Numa das visitas de McGrath, foram juntos aos desfiladeiros do Monumento Nacional do Colorado, onde Heinz a pediu em casamento.

“Fiquei um bocadinho em pânico quando ele fez o pedido, porque eu sabia que o amava e que queria casar com ele, mas, ao mesmo tempo, não sabia como iria resultar, com as nossas vidas em separado”, recorda McGrath.

“E foi ele, mais uma vez, a dizer que ia resultar. Nós amávamo-nos. Por isso, depois de algum pânico, disse que sim”.

Decidiram fazer mais uma viagem à Antártida para celebrar este novo capítulo. Desta vez, trabalhariam em McMurdo durante a temporada de verão e inverno, onde aproveitaram a oportunidade para ver o último pôr-do-sol, antes da escuridão do inverno de 2016 se impor e de visitarem o Polo Sul.

Casamento com tema antártico

O amor: “Já nos tínhamos apaixonado na Antártida. Mas essa viagem foi o que me fez perceber que amava mesmo aquele homem”, diz McGrath sobre o tempo que passaram na Nova Zelândia.

De volta aos EUA, casaram na terra natal de McGrath, Miami, em janeiro de 2017. A Flórida parecia ser num mundo completamente diferente da Antártida, mas o casal conseguiu incorporar o continente nas celebrações.

O esquema de cores foi azul e prateado, evocando o gelo polar. Heinz fez uma réplica em miniatura da Discovery Hut de Scott, na qual os convidados deixavam as suas cartas. Em vez de um livro de convidados, os entes queridos assinavam um mapa da Antártida. No cimo do bolo, estavam dois pinguins em miniatura. E os botões de punho de Heinz tinham gravadas as coordenadas da estação de McMurdo.

McGrath usou um vestido de noiva que tinha sido usado pela sua falecida avó e que, mais tarde, foi passado à sua mãe.

“Também temos fotografias da minha avó e da minha mãe com o vestido, no nosso copo de água, para os convidados saberem a sua história”, diz ele.

Tema antártico: A decoração do casamento fazia referência ao continente onde se conheceram. Heinz fez uma réplica em miniatura da Discovery Hut de Scott, na fotografia, na qual os convidados deixavam as suas cartas. Em vez de um livro de convidados, os entes queridos assinavam um mapa da Antártida.

Depois do casamento, o casal mudou-se para o Texas, onde McGrath tinha sido aceite para uma pós-graduação de planeamento urbano.

Ela acabou o curso enquanto estava grávida de sete meses da primeira filha do casal, Samantha. McGrath e Heinz dizem que a Antártida já arranjou maneira de entrar na vida de Samantha.

“Ela recebe muitas coisas com pinguins, vestiu-se de pinguim no seu primeiro Dia das Bruxas e tem decorações de pinguins no quarto”, diz Heinz.

Atualmente, a família vive no norte de Nova Iorque. McGrath e Heinz dizem que se mudaram para norte, por causa do trabalho de McGrath e por sentirem falta do frio.

Quanto a Heinz, agora trabalha na indústria aeroespacial. Desenvolveu um fascínio por transporte e logística aéreos, na sua última temporada em McMurdo.

O casal ainda é próximo de várias pessoas que conheceram na sua estadia na Antártida e estão sempre a encorajar outros a aproveitarem a oportunidade de lá trabalhar.

“Estou sempre a dizer às pessoas para irem para lá durante uma temporada, porque, como é óbvio, as nossas vidas mudaram por nos termos conhecido lá. Mas a própria experiência de lá estar muda vidas”, diz McGrath.

O casal festeja sempre o solstício de inverno da Antártida, que acontece em junho, reunindo-se com os amigos de McMurdo. A celebração foi virtual em 2021, mas, em anos anteriores, os amigos da Antártida voavam de todos os pontos dos EUA para festejar.

“É um dia que consideramos muito especial e também nos mantém ligados ao sítio onde nos apaixonámos”, diz McGrath.

Novas aventuras

Novo capítulo: Hoje, Heinz e McGrath vivem juntos no estado de Nova Iorque, com a sua filha. “Todos os dias são como aquele primeiro dia na Antártida, todos os dias são emocionantes, diferentes e divertidos”, diz Heinz. Foto: Nicole McGrath and Cole Heinz

McGrath e Heinz, que celebraram recentemente cinco anos de casados, dizem ter gostado de embarcar em novos desafios e numa nova fase da sua vida juntos, na última meia década.

“Ao longo dos anos de casados, aprendemos muito mais só por estarmos juntos”, diz Heinz, que diz ser inspirador observar McGrath, “a motivação, inteligência e paixão que ela tem por tudo”.

“Desde o início, sempre soube que ele era uma pessoa amável e carinhosa. Por isso, soube que ele ia estar sempre presente”, diz McGrath de Heinz. “Agora, temos uma filha e a parentalidade trouxe todo um novo conjunto de desafios e ele continuou a impressionar-me com o pai que é e o quanto se dedica em ser um ótimo pai e um ótimo parceiro”.

O casal diz que adoraria voltar a McMurdo quando se reformarem e ponderam se uma Samantha mais crescida, e quaisquer futuros filhos que possam ter, estariam interessados em acompanhá-los.

Quando a pandemia o permitir, também esperam levar Samantha à América do Sul, onde nasceu a mãe de McGrath, e à Suíça, onde ela também tem família.

Seja o que for que o futuro lhes reserva, McGrath e Heinz estão entusiasmados por o viver juntos.
“Todos os dias são como aquele primeiro dia na Antártida, todos os dias são emocionantes, diferentes e divertidos”, diz Heinz.

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