O casal que se conheceu num comboio no dia de Natal

CNN , Francesca Street - artigo originalmente publicado em janeiro de 2022
25 dez 2022, 16:00
Eis McTwigan e Wenger no comboio Metro-North no dia de Natal de 2012, no primeiro aniversário do encontro deles. Foto: Linda Wenger

"Conheci um homem muito interessante", disse Linda Wenger à mãe depois de sair do comboio. "Sim, algo se passava entre vocês", respondeu a mãe. Os dois partilharam vários emails durante a altura do Natal e, uma década depois, ainda estão juntos

Na manhã de Natal de 2011, Linda Wenger entrou num comboio proveniente da estação Grand Central de Nova Iorque para rumar a norte, para Katonah.

Tinha 50 e tal anos e estava divorciada há dez anos. As filhas passavam sempre as festas com o ex-marido. Wenger é judia e, por isso, não tinha grande afinidade com o Natal, enquanto o ex-marido celebrava a festividade.

A família da irmã de Wenger também celebra o Natal, por isso ela viajava sempre até casa da irmã no Connecticut a 25 de dezembro. E viajava sempre sozinha.

"Sempre achei o Dia de Natal um dia algo solitário, porque nunca estava com as minhas filhas," declarou Wenger ao CNN Travel.

Wenger tinha uma carreira muito bem-sucedida em marketing e trabalhava numa organização sem fins lucrativos. Estava satisfeita com a carreira e com a vida em Nova Iorque.

Mas quando comboio saiu do terminal de Manhattan, deu com ela a refletir.

"Talvez estivesse algo melancólica", recorda Wenger.

Estavam poucas pessoas na carruagem de Wenger, incluindo um homem de idade semelhante, sentado à sua frente.

Ela observou-o a retirar amostras de papel de parede e de tintas de um saco, e a espalhá-las na mesa que tinha à sua frente.

"Senti uma boa vibração vida dele", recorda Wenger. "Pensei: «Ele é engraçado. E está sozinho do dia de Natal»."

Ela achou que ele se sentou diante dela para iniciar uma conversa amistosa e, no entanto, ele parecia absorto na sua tarefa.

À medida que a cidade se afastava, Wenger pensou em iniciar uma conversa.

A dada altura, o estranho tirou do saco um papel de parede floral.

"É de William Morris, não é?" Disse ela, reconhecendo os padrões intrincados que caracterizam a obra do artista vitoriano.
O homem olhou para ela e sorriu.

Era Michael McTwigan, um nova-iorquino com 60 e poucos anos que se tinha separado da esposa há um ano e tal.

Ia a caminho de uma ação de voluntariado numa instituição de distribuição de alimentos no Natal em Katonah. O chefe dele vivia naquela zona e tinha-lhe falado no evento, que pretendia alimentar cerca de 300 pessoas na quadra natalícia.

"Era dia de Natal e eu pensei: “Bom, seria agradável fazer alguma coisa e estou sozinho, por isso, «que posso fazer que seja útil?»" Conta McTwigan ao CNN Travel.

Estava a passar o tempo no comboio a ver amostras de papel de parede para fazer um favor a uma amiga que queria um padrão que combinasse com a cor da pintura que tinha no seu apartamento. McTwigan, antigo crítico de arte com olho estético, tinha-se oferecido para ajudar.

Quando Wenger mencionou William Morris, McTwigan ficou surpreendido. Sugeriu que ela devia ter alguma formação artística para reconhecer o padrão.

Wenger explicou que se tinha formado em história de arte na faculdade. McTwigan falou-lhe dos seus antecedentes artísticos, e acrescentou que estava no mundo do marketing.

Wenger disse que também trabalhava em marketing, numa grande instituição de caridade para a investigação do cancro do pulmão. Começaram a conversar sobre as alegrias e tristezas da profissão que partilhavam.

À medida que iam falando da vida deles e dos respetivos planos para o dia de Natal, os dois perceberam que partilhavam o amor pela arte, tinham carreiras semelhantes e um pendor para ajudar os outros, Wenger através do seu emprego e McTwigan através do voluntariado.

"Quando ele me disse que estava a fazer, eu disse: «Meu Deus, deve ser a melhor referência de caráter que já tive. Certo? Uma pessoa que vai fazer uma coisa tão altruísta no dia de Natal»", diz Wenger.

McTwigan estava igualmente encantado com Wenger, tinha reparado que ela não salientava a sua carreira, que falava mais das ligações às pessoas do que dos seus feitos.

Sentiu que ela era "muito sensível e intuitiva."

"Sensível no sentido de ter consciência dos sentimentos dos outros, ou dos estados de alma, ou assim, e aberta a compreender o que sentem os outros", diz ele agora. "Ela põe as pessoas primeiro, de algum modo isso era mais importante do que tudo o resto."

Quando começaram a falar, a conversa não mais parou e, à medida que o comboio passava pelas paisagens rurais de Nova Iorque, perceberam que estavam a gostar imensamente da companhia um do outro.

"Ele emanava uma vibração muito amistosa e simpática", diz Wenger. "E eu pensei: «Pronto, isto é qualquer coisa.» Senti que havia algo entre nós."

A viagem da estação Grand Central para Katonah demora pouco mais de uma hora. Em pouco tempo estavam a sair na plataforma da minúscula estação de Katonah, rodeada de árvores.

Quando comboio parou, Wenger retirou da sua mala um cartão de visita para dar a McTwigan.

Depois, saíram os dois do comboio juntos e dirigiram-se às escadas da estação para o nível térreo, onde a mãe de Wenger a tinha ido esperar.

Wenger e McTwigan deram um aperto de mão e despediram-se. Quando as mãos se tocaram, McTwigan agarrou-as pelo braço e manteve-se assim por um instante.

"Muito gosto em conhecê-la", disse ele a sorrir.

Wenger achou o gesto “muitíssimo amoroso".

"Fiquei mesmo a tremer com aquilo", diz agora.

Quando Wenger entrou para o carro da mãe, e mais tarde, quando conversava com a irmã e com o resto da família, partilhou o que se tinha passado no comboio.

"Conheci um homem muito interessante", explicou.

"Sim, algo se passava entre vocês", disse a mãe de Wenger a rir-se, ela tinha visto do carro o aperto de mão demorado.
"Estava realmente encantada com aquilo" diz Wenger.

McTwigan também não deixava de pensar no encontro no comboio.

"Queria mesmo ver a Linda outra vez”, diz ele. "Não tinha qualquer dúvida disso."

Um primeiro encontro em Nova Iorque

No período do natal e do Ano Novo, os dois partilharam vários emails.

Depois, McTwigan perguntou a Wenger se gostaria que se encontrassem quando voltassem a Nova Iorque. Sugeriu um evento ao vivo em Nova Iorque, dirigido pelo grupo de contadores de histórias The Moth.

Enquanto pessoas reais estavam em palco a contar as suas histórias, Wenger e McTwigan retomaram a sua conversa onde tinha ficado na estação de Katonah.

Tiveram uma série de encontros posteriores na cidade de Nova Iorque. Alguns, dizem, foram mais bem-sucedidos que outros, um concerto pop-up de guitarra sugerido por McTwigan tornou-se algo constrangedor quando perceberam que a música era muito experimental.

"Não nos conhecíamos o suficiente para dizer: «Isto é mesmo horrível» logo", diz Wenger a rir.

Mas depois os dois foram ao Joe's Pub na East Village, onde uma cantora de jazz fazia uma serenata ao público.

"Ríamos e dançávamos, e isso quebrou o gelo completamente", diz Wenger.

Dizem que viveram o namoro dia a dia, e tentaram não ter quaisquer expectativas.

Ambos tinham sido casados e estavam a abordar uma nova paixão com encantamento e receio.

"Vamos devagar para ver como corre, porque afinal, conhecemos os perigos de escolher mal',” era o mantra deles, diz McTwigan.

"Mas especialmente depois de muitas experiências juntos, descobrimos ainda mais semelhanças, sentimentos e valores semelhantes, tornou-se claro para cada um de nós, acho eu. Aproximámo-nos," acrescenta ele.

"Estávamos ambos felizes juntos, coisa que não tínhamos há muito tempo, os dois", diz Wenger. "Muita felicidade, é muito viciante."

A relação parecia fácil, dizem eles, e aí estava também parte da atração, gostavam de passar tempo juntos e adoravam a família e os amigos um do outro.

Uma viagem de regresso

Eis McTwigan e Wenger no dia de Natal de 2015, uma vez mais no comboio para Katonah. Foto: Linda Wenger

No dia de Natal de 2012, os dois entraram a bordo do comboio na estação Grand Station com destino a Katonah, tal como tinham feito no ano anterior. Mas enquanto que nos 12 meses anteriores tinham sido estranhos, agora eram um casal a viajar juntos para visitar a família de Wenger.

Em vez de se sentarem em frente um do outro, sentaram-se lado a lado, ombro a ombro.

Pediram a outro passageiro que tirasse a fotografia, que iniciou uma tradição.

"Todos os anos, ao entrar naquele comboio tirávamos uma fotografia ou pedíamos a alguém para nos tirar", diz Wenger.

"Todos os anos eram uma espécie de aniversário, era maravilhoso", diz McTwigan.

Pouco tempo depois foram viver juntos, Wenger atravessou o East River de Manhattan, onde vivia, para viver com McTwigan em Brooklyn.

Ficaram em Brooklyn seis anos, viajando todos os natais para Katonah, antes de se mudarem para o Connecticut em 2018.

Adoram a comunidade no novo bairro, e desfrutam das tardes a fazer jardinagem juntos. A única desvantagem é quando o Natal surge, os dois não precisarem de viajar de comboio para a casa da irmã de Wenger, que mora a curta distância.

"Um milagre de Natal"

Wenger e McTwigan casaram-se em julho de 2018, na sua casa de Connecticut.

"Lançámo-nos juntos”, diz Wenger, explicando que aproveitaram uma altura em que a filha mais velha de Wenger, cuja família vive no estrangeiro, estava de volta aos EUA.

Foi uma ocasião descontraída e calorosa, dizem os dois. Amigos e família encheram os quartos da casa deles, a comer carne fumada. Um dos amigos de toda a vida de McTwigan oficiou a cerimónia.

"Acho que o que falámos depois foi que parecia um banho de amor para nós", diz Wenger. "As pessoas estavam tão felizes por nos termos encontrado. Foi um dia maravilhoso para nós."

Nos votos, os dois celebraram o “milagre de Natal” que os uniu, "um milagre de Natal para uma miúda judia", como diz Wenger.

"É uma loucura tão grande conhecer alguém de forma tão aleatória com quem somos tão felizes, sentimos paz, e temos tanto em comum", diz ela.

Toda a gente que conhecem adora a história, diz ela.

"Foi um encontro invulgar e fortuito", diz McTwigan.

"Mas, quer dizer, não nos conhecemos em Paris" acrescenta Wenger a rir. "Conhecemo-nos no comboio Metro-North, um comboio suburbano. Mas funcionou."

Os dois esperam que a sua história inspire as pessoas a estarem abertas a novas experiências, a aproveitarem os momentos que se apresentem, por mais inesperados que sejam.

"Estar sempre pronto para aproveitar uma oportunidade porque nunca se sabe aonde nos levará, algumas resultam, outras não, e está tudo bem", diz McTwigan. "Mas não devemos passar pela vida com demasiado centrados, devemos olhar em redor e absorver tudo à nossa volta, e desfrutar, é a minha conclusão."

"Sim, ter coração aberto", diz Wenger. "E também penso que as pessoas que estão sós e não querem estar sós podem sentir que nada vai mudar. E eu passei muito tempo a sentir-me sozinha."

Sempre tive uma atitude de que algo podia mudar, de que algo de bom podia acontecer e eu não ficaria sozinha. E talvez seja isso que fez com que eu fosse o tipo de pessoa que se dirige a um estranho e faz uma pergunta para que aconteça [...] Mantive o coração aberto."

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