Consumidores processaram a Ryanair, a Easyjet, a Wizz Air e a Vueling por os obrigarem a pagar mais para poderem viajar com uma mala de cabine. Há já oito processos a correr em tribunais portugueses, mas o número pode vir a subir
Várias companhias aéreas lowcost, incluindo a Ryanair, a Easyjet, a Wizz Air e a Vueling, estão a enfrentar processos em tribunais portugueses por cobrarem taxas adicionais aos passageiros que transportam malas de cabine. Neste momento, há quatro ações populares a decorrer no país e o valor que estas empresas podem vir a pagar de indemnizações aos consumidores residentes em Portugal pode atingir os “10 mil milhões de euros”, estima a associação Citizen’s Voice, responsável por estes processos.
Os quatro processos foram instaurados pela associação ao longo dos últimos dois anos e estão a correr termos em tribunais do Porto e de Lisboa. À parte isso, há outras quatro ações colocadas por passageiros a título individual. Contudo, as empresas arriscam-se a ter de lidar com um número ainda maior de conflitos judiciais uma vez que também a Deco Proteste assume que, se as práticas comerciais destas low cost continuarem (e se indemnizações não forem pagas), pode vir a recorrer aos tribunais.
Em causa, está o facto de estas empresas de transporte aéreo exigirem aos seus passageiros que paguem um valor que varia entre os seis e os 66 euros para que possam carregar consigo uma bagagem de mão que seja superior ao definido pelo operador, mesmo que a mala caiba na cabine do avião. Recentemente, em maio deste ano, o Ministério do Consumo espanhol multou a Ryanair, a Vueling e a easyJet em 150 milhões de euros devido a esta prática, considerada pelo regulador de “abusiva”. Ao mesmo tempo várias associações de defesa de consumidores na União Europeia e no Reino Unido já avançaram com pedidos de indemnização.
De acordo com os vários processos que estão a decorrer em Portugal - três estão no Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia e o outro no Juízo Central Cível de Lisboa - é pedido que as operadoras sejam condenadas a indemnizar os clientes que tenham pagado este tipo de acrescento de viagem por se tratar de “uma prática restritiva da concorrência e proibida por lei”.
Segundo a associação, as operadoras violaram a lei por dois motivos. Primeiro, porque o Tribunal Judicial da União Europeia já tinha definido, num acórdão de 18 de setembro de 2014, que a bagagem de mão deve ser considerada “um aspeto necessário do transporte de passageiros”, e que “não devem, por isso, ser cobradas taxas adicionais se esta cumprir requisitos razoáveis de peso e dimensões”.
Segundo, porque as empresas tendem a cobrar este acrescento da bagagem de mão aliado a outros serviços - uma espécie de pacote que costuma incluir a possibilidade de escolher o lugar no avião ou a prioridade no embarque. “É proibido fazem depender o transporte da mala de viagem da aquisição de outros serviços que os passageiros não desejam”, aponta Octávio Viana, presidente da Citezens’s Voice, acrescentando que se trata de uma “violação da lei nacional que proíbe a dependência da venda de um serviço de outro serviço, quando não são funcionalmente dependentes”.
A CNN Portugal contactou as várias companhias aéreas que estão a ser processadas pela associação, mas até ao momento apenas a easyJet respondeu individualmente. Um representante da companhia sublinhou que “não há fundamento legal para solicitar compensação nesta fase, e a política atual continua em vigor”.
“Estamos cientes da cobertura mediática enganosa e pedimos desculpa se tal causou confusão adicional. Tal como muitas outras companhias aéreas europeias, a easyJet oferece a opção de levar uma mala de cabine grande mediante pagamento de uma taxa”, continua a mesma fonte, acrescentando que “uma mala de cabine gratuita para colocar debaixo do assento está incluída para todos os clientes, e consideramos que a nossa política de bagagem está em conformidade com todas as leis aplicáveis à bagagem de cabine”.
Também à CNN Portugal, um representante da ALA, a Associação de Linhas Aéreas que representa estas quatro lowcost em Espanha e que foi uma das maiores críticas da decisão do Ministério do Consumo contra as operadoras, disse que a decisão em causa não é “firme” e o caso “não está encerrado”. “Queremos sublinhar que o procedimento administrativo continua aberto e que as companhias aéreas não são obrigadas a alterar nenhuma das práticas adotadas até agora”. “Todas as companhias aéreas permitem que os passageiros transportem gratuitamente uma mala de mão, desde que esta caiba no lugar da frente e cumpra os requisitos razoáveis relativos ao peso e às dimensões”, acrescenta.
Indemnizações podem chegar aos milhares de milhões de euros
Em todos os processos que estão neste momento em tribunal, já foi dirigido um pedido para que as contas das operadoras sejam auditadas por um perito externo no sentido de se calcular qual o valor total que possa vir a ser alvo de indemnizações aos clientes afetados por esta prática.
Ao mesmo tempo, uma estimativa da Citizen’s Voice coloca o valor “na ordem dos 10 mil milhões de euros tendo em conta os clientes que são residentes em Portugal”, afirma Octávio Viana. Esse cálculo, acrescenta, “tem em conta o número de passageiros transportados por cada operadora e o valor que terá sido cobrado indevidamente ao passageiro entre 2018 e 2023”.
Contudo, apenas nos processos movido contra a Vueling e contra a Wizz Air é que é feita uma estimativa direta sobre os danos causados a residentes portugueses. No caso da primeira, afigura-se que o valor “ascenda aos 155,86 milhões de euros”; já à operadora húngara é sublinhado que “tal valor seja na ordem de 634,63 milhões de euros”.
Ao mesmo tempo, em julho deste ano, a Deco Proteste juntou-se à associação internacional Euroconsumers para exigir que estas quatro operadoras devolvam aos seus clientes a cobrança pelas bagagens de mão. À CNN Portugal, a porta-voz Soraia Leite explica que foi feita uma “interpelação às companhias aéreas para que deixem de ter estas práticas comerciais e que procedam ao reembolso dos passageiros”. “Estamos a falar de taxas que variam entre os seis e os 65 euros que, ao serem aplicadas à posteriori, fazem de facto diferença”, refere.
Essa diferença, continua Soraia Leite, é prejudicial para quem compara o preço dos bilhetes de avião e acaba a esperar um preço final que, depois, não é aquele que lhe é oferecido. “A bagagem de mão não é um artigo de luxo é uma necessidade dos passageiros, é desconforme porque está a ser tratado como se fosse um artigo de luxo”. Das queixas que têm seguido para a Deco Proteste, a cobrança adicional por estas malas de cabine é a “segunda maior ao nível das questões relativas às companhias aéreas”.
“Se não obtivemos resposta à interpelação, não teremos outra alternativa senão intentar uma ação judicial”, conclui a porta-voz.