VEXAS: 13 perguntas e respostas sobre uma síndrome pouco conhecida e com casos confirmados em Portugal

13 mar 2023, 13:15

Foi descrita pela primeira vez em 2020 e o seu estudo e compreensão não é totalmente claro, não só em Portugal, onde há, pelo menos, dez casos, como no resto do mundo

1 - O que é a síndrome VEXAS?

A síndrome VEXAS é uma doença genética, mas não hereditária, “com características reumatológicas e hematológicas causada por variantes somáticas no [gene] UBA1”, lê-se no estudo Prevalência estimada e manifestações clínicas de variantes de UBA1 associadas à síndrome VEXAS numa população clínica, publicado em janeiro de 2023 na JAMA. 

Romana Vieira, reumatologista no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho e uma das especialistas que acompanhou o primeiro paciente português com esta nova doença, explica que “ainda não temos uma resposta” para a definição taxativa da doença, pois “ainda não existe uma definição da síndrome, é um trabalho que está a ser realizado, estão a ser descritas as primeiras guidelines de diagnóstico e terapêutica”.

 

2 - De onde vem o nome VEXAS?

O nome VEXAS é um acrónimo para cinco características clínicas da doença: vacuoles, E1 enzyme, X-linked, autoinflammatory, somatic, ou seja, doença autoinflamatória monogénica somática de início tardio. Trocando por miúdos, as pessoas com esta doença apresentam vacúolos em células (V), níveis baixos da enzima ativadora de ubiquitina (E, da enzima E1), que resultam de mutações no gene UBA1 presente no cromossoma X (X), o que causa autoinflamação (A) - estas mutações genéticas são somáticas (S), isto é, não herdadas e adquiridas durante a vida.

 

3 - Qual a causa desta doença?

A VEXAS “é uma síndrome genética, de mutação somática a nível de uma proteína inflamatória”, sendo que “essa mutação tende a correr mais tardia na vida, a partir dos 50 anos”, explica a médica. A mutação em causa dá-se no gene UBA1 e ocorre em certas células imunitárias e em células que formam sangue na medula óssea, como as células mielóides.

 

4 - O que está na origem dessa mutação genética?

Esta é mais uma pergunta que ainda está por responder. “Em termos práticos”, diz-nos Romana Vieira, “temos a nível celular um conjunto de proteínas e citocinas, uma ‘maquinaria’ que ajuda a produzir inflamações, é uma resposta ordenada que produz inflamação em função de estímulo” e quando “ocorre uma mutação nessa maquinaria há um botão que fica ligado mesmo que não haja um estímulo” e é isso o que ocorre nos pacientes com VEXAS.

 

5 - Quando foi descrita pela primeira vez?

Apesar de haver pacientes que já lutavam há anos contra sintomas e diagnósticos errados, foi apenas a 4 de novembro de 2020 que cientistas dos Institutos Nacionais de Saúde (National Institutes of Health/NIH, na designação original) nomearam uma doença genética rara: síndrome VEXAS, que causa danos no organismo através de inflamações e problemas sanguíneos.

 

6 - Quais os sintomas?

São vários e esse é um dos principais entraves à compreensão célere da patologia. A médica Romana Vieira dá como exemplo de complexidade o primeiro paciente em Portugal a ser diagnosticado com a doença: “Em Reumatologia estamos muito habituados a seguir patologia autoimune e inflamatória, às vezes demoramos tempo a encaixar um doente numa determinada doença, mas acabamos por conseguir chegar a um diagnóstico. Neste caso, quando passei a seguir esse paciente na consulta, ele já tinha manifestações com dois anos e meio de evolução e foi um doente no qual nunca consegui colocar um rótulo, nunca consegui até a doença ser descrita”, no final de 2020.

Segundo o NIH, as pessoas afetadas apresentam “sintomas variados” que podem incluir “anemia, febres recorrentes, erupções cutâneas dolorosas, coágulos sanguíneos e falta de ar”. 

No estudo Mutações somáticas na UBA1 e doença autoinflamatória grave com início na idade adulta, publicado em 2020 no The New England Journal of Medicine, no qual os cientistas analisaram pessoas com VEXAS, “as características clínicas comuns” incluíam também alveolite, condrite (inflamação na cartilagem) de ouvido e nariz, lesões de pele e doença tromboembólica. 

O Instituto Nacional de Artrite e Doenças Musculoesqueléticas e Cutâneas diz que entre os sintomas estão também descritos inchaço e dor nas articulações, fadiga extrema, plaquetas baixas e coágulos sanguíneos. “Em muitas ocasiões, os pacientes com VEXAS têm diagnósticos clínicos associados, incluindo policondrite recidivante, poliarterite nodosa, síndrome de Sweet e síndrome mielodisplásica”, diz o organismo.

 

7 - Como se diagnostica? 

Agora que já vai havendo literatura que descreve a doença, o diagnóstico pode ser menos moroso, mas ainda longe de ser imediato. “O primeiro passo é suspeitarmos, se os médicos não conhecerem esta doença não vão suspeitar dela, temos de nos ir atualizando”, observa a médica do Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho, que admite que conseguiu chegar ao diagnóstico do primeiro paciente após pesquisa na literatura médica.

Depois, há que avaliar os sintomas, se são mais reumatológicos ou hematológicos, sendo que a realização de uma biópsia molecular é útil nestes casos para saber “se há alterações nas células mieloides”. Por fim, esclarece, “há um teste genético que é feito no sangue periférico” e que permite detetar a mutação que está na origem da doença.

 

8 - Quem são os mais vulneráveis?

Apesar de não olhar a géneros, a maioria dos casos relatados é em homens. O gene UBA1 está no cromossoma X, logo, esta síndrome afeta predominantemente os homens, que têm apenas um cromossoma X. As mulheres têm dois cromossomas X, por isso se tiverem uma mutação no gene de um cromossoma X mas não no outro, geralmente não são afetadas, como já explicámos neste artigo sobre a VEXAS nos Estados Unidos.

 

9 - Qual o tratamento?

Não há um tratamento padronizado, tal como outras doenças que afetam vários órgãos do corpo e que apresentam vários sintomas, a terapêutica é avaliada caso a caso. Em alguns casos, como explica Romana Vieira, o tratamento pode ser “orientado para tratar inflamações articulares, como artrites”, mas se há situações em que “as manifestações mais graves são hematológicas”, o que pode implicar a necessidade de transfusões de sangue, indica, dando, novamente, como exemplo o primeiro paciente que acompanhou com a doença e que acabou por falecer dois anos após o diagnóstico, cerca de quatro anos depois dos primeiros sintomas. “O tratamento pode modificar consoante a especialidade que trata o doente, importa que haja interdisciplinaridade, diferentes especialidades envolvidas”, sublinha.

 

10 - Pode ser uma doença mais comum do que o esperado?

Romana Vieira diz que sim, explicando que “existe um artigo nos Estados Unidos, no início deste ano, em que fizeram uma estimativa da prevalência” e concluíram que a síndrome de VEXAS tem uma prevalência global de um para cerca de 14 mil, uma prevalência idêntica a outras doenças há muito identificadas. O estudo em causa foi levado a cabo por David B. Beck, médico e investigador que descobriu a doença, e revela que 11 indivíduos (1 em 13.591, numa estimativa global) apresentavam a variante causadora da doença, a mutação no gene UBA1, “e todos os participantes apresentavam características hematológicas juntamente com um amplo espectro de manifestações clínicas autoimunes, pulmonares e dermatológicas”.

 

11 - Quantos casos há em Portugal?

De acordo com o jornal Público, há, pelo menos, dez casos diagnosticados em Portugal: sete no Hospital de Santo António, um no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho, um no Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro e um no Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (Amadora-Sintra). 

 

12 - Pode ser fatal?

Sim, e em Portugal já tirou a vida a duas pessoas diagnosticadas, como relata o jornal.

 

13 - Que desafios traz esta nova doença?

O estudo Síndrome VEXAS e a Relação de Distúrbios Autoinflamatórios com Doenças Hematológicas, publicado em 2022 na revista Hematology, Transfusion and Cell Therapy, alerta para o facto de ser uma doença que “ainda é subdiagnosticada e pouco conhecida”. Além disso, o facto de os sintomas serem variados e comuns a outras patologias pode dificultar não apenas o diagnóstico como atrasar a procura de ajuda médica.

A médica Romana Vieira acrescenta ainda que, “neste momento, o que falta mesmo é difundir o conhecimento da doença”, de modo a que o diagnóstico seja o mais precoce possível. “Os doentes têm de ser referenciados para as unidades hospitalares que seguem estas patologias”, recomenda.

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