"Vai cair. Este governo vai cair": venezuelanos rejeitam nas ruas os resultados eleitorais

Agência Lusa , MJC
29 jul 2024, 22:15

Várias pessoas saíram à rua batendo em tachos ou tocando vuvzelas para protestar contra a anunciada reeleição de Nicolás Maduro. Oposição diz que houve fraude e reclama a vitória. União Europeia junta-se a outros países que pedem a verificação dos resultados

Com gritos de “Até ao fim” milhares de venezuelanos foram esta segunda-feira para as ruas rejeitar os resultados divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), que deram a vitória de Nicolás Maduro nas presidenciais de domingo.

Os protestos começaram em várias regiões do interior do país, entre elas o estado de Falcón, onde na Plaza Chávez de Las Eugénias, dezenas de manifestantes estavam a tentar derrubar uma estátua do falecido líder socialista, Hugo Chávez, que presidiu o país entre 1999 e 2013. Em La Isabelica, Valência, Estado de Carabobo (centro-norte do país) centenas de pessoas, entre as quais dezenas de motociclistas saíram às ruas para protestar contra os resultados. Na autoestrada que liga Caracas ao vizinho estado de La Guaira (norte) populares colocaram pneus em chamas impedindo a circulação.

Por outro lado, na zona leste da cidade de Caracas, no bairro pobre de Petare, tido como o maior da América Latina, várias pessoas, algumas delas encapuzadas, saíram às ruas gritando palavras de ordem contra Nicolás Maduro, tendo destruído alguns dos seus cartazes da campanha. Centenas de manifestantes, a pé e em motocicleta, foram desde o centro de Petare até aos galpões dos armazéns do CNE em Mariche, gritando e cantarolando “vai cair. Este Governo vai cair” e “vamos até ao fim”, diziam os manifestantes a gritos.

Ainda em Caracas, no bairro pobre de El Cementério, os manifestantes expulsaram do sítio vários funcionários da Guarda Nacional Bolivariana (PNB, polícia militar), enquanto gritavam “covardes (…) não saíram a defender o país”. Apesar da chuva, em Los Teques (30 quilómetros a sul de Caracas), centenas de pessoas marcharam em protesto desde a Avenida Independência até La Matica, em rechaço aos resultados eleitorais.

Venezuelanos batem em tachos em protesto após as eleições (AP)

Por outro lado, em Maracaibo, no estado de Zúlia, oeste do país, as forças de segurança dispersaram vários manifestantes com gás lacrimogénio, segundo vídeos divulgados pelas redes sociais. Em Arágua, a 100 quilómetros de Caracas, centenas de populares concentraram-se junto da base Aérea Libertador

À medida que as manifestações decorrem e os manifestantes percorrem as ruas, ao aproximar-se as peças tocam, em apoio, tachos e vuvuzelas desde as janelas.

Os protestos têm lugar depois de o Procurador-geral da Venezuela, Tareck William Saab advertir que “poderiam ser penalizados com cárcere” os cidadãos que venham a ser acusados de violência ou que recusem os resultados anunciados pelo CNE que deram a vitória de Nicolás Maduro. "Alertamos para o facto de os atos de violência e os apelos poderem ser enquadrados como crimes de incitamento público. Com uma pena de três a seis anos de prisão", afirmou num discurso transmitido pelas televisões locais.

Tareck William Saab explicou ainda que o Ministério Público da Venezuela iniciou uma investigação contra os opositores María Corina Machado, Leopoldo López e Lester Toledo, por alegado envolvimento num ataque contra o sistema de transmissão de dados do CNE que teria como propósito alterar os resultados das eleições presidenciais.

O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela anunciou que o Presidente cessante Nicolás Maduro foi reeleito para um terceiro mandato consecutivo com 51,20% dos votos. Maduro obteve 5,15 milhões de votos, à frente do candidato da oposição Edmundo Gonzalez Urrutia, que obteve pouco menos de 4,5 milhões (44,2%), de acordo com os números oficiais anunciados pelo presidente do CNE, Elvis Amoroso.

A oposição venezuelana reivindica a vitória nas eleições presidenciais de domingo, com 70% dos votos para o candidato da oposição. Edmundo González Urrutia obteve 70% dos votos, afirmou a líder opositora María Corina Machado, recusando-se a reconhecer os resultados proclamados pelo CNE. 

Vários países já felicitaram Maduro pela vitória, como Rússia, Nicarágua, Cuba, China e Irão, mas outros demonstraram grande preocupação com a transparência das eleições na Venezuela como Portugal, Espanha e Estados Unidos.

UE insta autoridades a divulgar registos oficiais da votação

O chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell, sublinhou hoje que os resultados eleitorais da Venezuela não podem ser considerados até que todos os registos oficiais sejam “publicados e verificados”, após a anunciada reeleição de Nicolás Maduro.

“Os resultados eleitorais não foram verificados e não podem ser considerados representativos da vontade do povo venezuelano até que todos os registos oficiais das assembleias de voto sejam publicados e verificados”, frisou Borrell, num comunicado.

O alto representante para a Política Externa e de Segurança da UE apelou ao CNE a atuar “com a máxima transparência no processo de apuramento dos resultados, incluindo o acesso imediato aos registos de votação de todas as assembleias de voto e a publicação dos resultados eleitorais desagregados”.

“A UE apela também às autoridades para que garantam a investigação completa e atempada de quaisquer queixas ou reclamações pós-eleitorais”, pode ler-se. Borrell salientou que “relatórios fiáveis de observadores nacionais e internacionais indicam que as eleições foram marcadas por inúmeras falhas e irregularidades”.

“Os obstáculos à participação dos candidatos da oposição, as deficiências no recenseamento eleitoral e o acesso desequilibrado aos meios de comunicação social contribuíram para criar condições eleitorais desiguais”, apontou. A UE manifestou ainda a preocupação com “as detenções arbitrárias e a intimidação dos membros da oposição e da sociedade civil ao longo do processo eleitoral e apela à libertação imediata de todos os presos políticos”.

Além de apelar à calma, a UE instou também “as forças de segurança a garantirem o pleno respeito pelos direitos humanos, incluindo o direito a uma reunião pacífica”, felicitando o povo venezuelano “pela sua determinação em exercer o direito de voto de forma pacífica e massiva”.

Centro Carter pede divulgação das atas das assembleias de voto das presidenciais na Venezuela

O Centro Carter (CC), organização norte-americana que esteve na Venezuela como observadora das eleições de domingo, instou hoje as autoridades locais a divulgarem de imediato as atas das assembleias de voto das últimas presidenciais venezuelanas.

“O CC apela ao Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela (CNE) para que publique imediatamente todas as atas das mesas de voto instaladas durante a jornada eleitoral celebrada em 28 de julho”, lê-se num comunicado.

No documento, divulgado na sua página web nos idiomas castelhano e inglês, o CC explica que “informação das atas transmitidas ao CNE é indispensável” para a sua “avaliação e fundamentalmente para o povo venezuelano”. “A nossa missão técnica, enviada à Venezuela a convite da CNE, tem por objetivo avaliar as eleições presidenciais em conformidade com o quadro jurídico venezuelano, assim como com as normas regionais e internacionais em matéria de eleições democráticas”, sublinha.

O Centro Carter é uma organização sem fins lucrativos fundada em 1982 pelo antigo Presidente dos EUA Jimmy Carter e pela sua mulher Rosalynn, e é atualmente dirigida por John Moores. Com sede em Atlanta, Geórgia, e trabalha em parceria com a Emory University.

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