A soma de todos os votos dá “mais de 100%” na Venezuela, “há fraude”. E a “votação final saiu sem existirem resultados parciais de 300 mil mesas”

29 jul 2024, 12:26

Oficialmente é assim: Maduro venceu com 51,2%. A oposição não acredita, diz que Maduro teve 30% e que por isso perdeu. Portanto: os resultados da eleição presidencial na Venezuela revelam um mundo partido em “três blocos” - os cautelosos, os que já felicitaram Maduro e aqueles que se recusam a aceitar o resultado. Os especialistas dizem que há a perceção de que se estão a “cozinhar resultados nos bastidores para agradar à comunidade internacional”

Foi com 80% dos votos contados que Nicolas Maduro, o presidente cessante da Venezuela, anunciou um resultado “irreversível”: iria ser reeleito para um terceiro mandato consecutivo. A pretensão foi confirmada alguns minutos depois com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) a anunciar que Maduro conquistou 51,20% dos votos, o equivalente a 5,15 milhões de votos. 

“Não puderam, nem com as ameaças, nem com as sanções, nem com as agressões. Não puderam acabar com a dignidade do povo da Venezuela”, afirmou Maduro no seu discurso de vitória, que foi pautado por elogios ao legado de Hugo Chaves. 

Mas, instantes a seguir, seria a vez de a oposição dizer que venceu. Afinal, Edmundo Gonzalez Urrutia, o antigo embaixador da Venezuela na Argentina e a principal aposta da Plataforma Unitária Democrática (PUD) para destronar Maduro, não só não ficou em segundo lugar como venceu as eleições com 70% dos votos. “A Venezuela tem um novo presidente eleito”, anunciou a líder da PUD, Maria Corina Machado. "Esta é a verdade e é, meus queridos venezuelanos, a eleição presidencial com a maior margem de vitória da história."

A sucessão de acontecimentos, a que os EUA já vieram reagir com “séria preocupação”, “só pode ser interpretado com a existência de uma fraude”, aponta Andrés Malamud, especialista em política sul-americana, em declarações na CNN Portugal. E o maior sinal disso, diz Malamud, é o resultado final da eleição ter um resultado superior a 100%: “A informação oficial do governo faz mais de 100%, há 51% para Maduro, depois eles concedem 44% para o principal líder opositor e depois há vários líderes menores com 4,6% - a soma total do Conselho Nacional Eleitoral é superior a 100%”.

Andrés Malamud destaca que este fenómeno não deve ser objeto de qualquer esclarecimento por parte do governo. Primeiro porque o Governo “não consegue” fazê-lo e depois porque nem o pretende fazer. “Desde 2013, há fraude sistemática na Venezuela. Só não acontece fraude quando a oposição não se apresenta a eleições, como vimos em 2018.” 

Também Tiago André Lopes, especialista em relações internacionais, refere na CNN Portugal que neste domingo existiram três momentos que perfizeram uma “espécie de crónica de uma morte anunciada à credibilidade das eleições”. Primeiro, foi o facto de durante a tarde o CNE venezuelano ter relembrado a oposição de que as sondagens à boca das urnas são ilegais de acordo com a lei eleitoral. Depois, sublinha o especialista, “vimos os canais do regime a dar uma sondagem à boca da urna que refletia uma vitória de Maduro a rondar os 55% - o que vinha à revelia da lei, foi contestado pela oposição, mas a CNE não viu problemas com isso”. E, finalmente, o “próprio resultado final saiu sem haver até agora resultados parciais das cerca das 300 mil mesas de voto”. “É no mínimo estranho e a perceção é que se estão a cozinhar nos bastidores resultados com o objetivo de se convencer a comunidade internacional”.

Uma nota: o site oficial da CNE esteve em baixo durante a manhã desta segunda-feira (e assim continuava à hora de publicação deste artigo).

Um mundo partido e em alta tensão

O secretário de Estado Antony Blinken afirmou que os Estados Unidos estão "seriamente preocupados" com o resultado anunciado das presidenciais da Venezuela, cuja vitória oficial foi atribuída ao atual Presidente Nicolás Maduro. "Vimos o anúncio feito há pouco pelo Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela", disse Antony Blinken, em Tóquio, reforçando as suas “sérias preocupações de que o resultado anunciado não reflita a vontade ou os votos do povo venezuelano".

Ao lado dos homólogos da aliança Quad, que inclui também Japão, Austrália e Índia, o responsável norte-americano pediu às autoridades eleitorais venezuelanas que publiquem os resultados completos de forma transparente e imediata, indicando que os EUA e a comunidade internacional vão responder em conformidade.

Também o Presidente do Chile, Gabriel Boric, considerou ser "difícil acreditar" nos resultados anunciados na Venezuela, que deram a vitória a Maduro, e advertiu que o Governo chileno não reconhecerá "qualquer resultado que não seja verificável".

Outros países da região criticaram também o processo eleitoral, como o Peru, a Costa Rica, a República Dominicana e a Guatemala.

De resto, o ministro dos Negócios Estrangeiros português considerou também ser necessária a verificação imparcial dos resultados eleitorais na Venezuela. “Só a transparência garantirá a legitimidade; apelamos à lisura democrática e ao espírito de diálogo”. 

O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, apelou à "total transparência do processo eleitoral" na Venezuela, após a declaração de vitória de Nicolás Maduro, que está a ser contestada pela oposição.

"Os venezuelanos votaram sobre o futuro do país de forma pacífica e em grande número. A vontade deve ser respeitada. É essencial garantir a total transparência do processo eleitoral, incluindo a contagem pormenorizada dos votos e o acesso [aos documentos] das assembleias de voto", afirmou Borrell numa mensagem publicada nas redes sociais.

Por outro lado, a China, um dos principais credores da Venezuela, foi das únicas nações a felicitar diretamente Nicolás Maduro pela sua reeleição como chefe de Estado. "A China felicita a Venezuela pelo sucesso das suas eleições presidenciais e felicita o Presidente Maduro pela sua reeleição", declarou o porta-voz da diplomacia chinesa, Lin Jian, em conferência de imprensa.

"A China está disposta a enriquecer a parceria estratégica [com a Venezuela] e a fazer com que os povos dos dois países beneficiem desta", acrescentou.

Aliada à China está a Rússia, que viu nas últimas horas o seu Presidente, Vladimir Putin, a felicitar Nicolás Maduro pela vitória. O Kremlin garantiu também que está a desenvolver relações com a Venezuela "em todas as áreas, incluindo áreas sensíveis".

Tiago André Lopes vê estas reações como a prova de que há “um mundo partido e em alta tensão - dentro e fora da Venezuela”. “Neste momento estão a formar-se dois blocos - por um lado, temos Costa Rica, Argentina, Uruguai e Perú, que recusam reconhecer os resultados de qualquer eleição. Temos um bloco mais cauteloso, com Chile, Colômbia, EUA e União Europeia, que pedem para que haja transparência no processo de contagem. Também temos um bloco com Cuba, Bolívia, Nicarágua, Honduras e outros países como a Síria que já felicitaram Maduro pela sua vitória.”

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