Andam para a frente, para trás e até dão voltas de 360 graus. Agora prometem mudar os aeroportos
Se alguma vez estiver no Aeroporto Schiphol, em Amesterdão, no Aeroporto Changi, em Singapura, ou no Aeroporto Internacional de Cincinnati/Northern Kentucky, poderá ver alguns veículos invulgares e com um aspeto futurista - totalmente elétricos, autónomos e concebidos para ajudar a transportar bagagem e pessoas.
Esses três aeroportos estão entre aqueles onde a empresa britânica Aurrigo, pioneira em veículos autónomos para aeroportos, está a testar os seus produtos.
Depois de entregar um protótipo à British Airways em 2019, a Aurrigo implantou o primeiro dos seus veículos terrestres autónomos, o Auto-DollyTug, no Aeroporto Changi em 2022.
O Auto-DollyTug - que tem um motorista de segurança a bordo - pode pegar um contentor de forma autónoma e transportá-lo diretamente para a aeronave. Ele pode andar para trás, para a frente e para os lados, ou girar 360 graus no local, um recurso útil em aeroportos congestionados, onde outros veículos transportam combustível, água, catering e pessoas.
“Somos os primeiros no mundo a ter um veículo e tecnologia que podem operar desde o átrio de bagagens até ao lado da aeronave, para descarregar e carregar contentores automaticamente”, explica David Keene, CEO da Aurrigo, que também é professor visitante na Coventry University, especializado em veículos autónomos. Fundou a empresa há mais de 30 anos como fornecedor de peças automóveis, antes de se interessar pela automação.
O negócio automotivo continua - fornecendo sistemas eletrónicos e desenvolvimento de recursos para empresas como Jaguar Land Rover, Aston Martin, Bentley e Rolls Royce, disse Keene. Mas o foco da Aurrigo agora é a aviação, particularmente a área aeroportuária, ou a área de um aeroporto além dos pontos de verificação de segurança, onde os aviões são carregados e descarregados.
“Há uma grande lacuna no mercado”, diz Keene sobre a adoção relativamente lenta de tecnologias autónomas na aviação, “e haverá uma transformação global na forma como transportamos bagagem e carga em um aeroporto e, no futuro, na forma como poderemos mover pontes de embarque (pontes de passageiros), escadas, vagões de catering - tudo tem a oportunidade de ser automatizado”.
Integração nos aeroportos
A mudança para veículos terrestres elétricos autónomos seria uma mudança significativa para a maioria dos aeroportos, onde as frotas atuais funcionam principalmente com combustível diesel. “A eletrificação nos aeroportos não é tão fácil quanto parece à primeira vista”, refere Keene. “Não só é preciso trocar os veículos a diesel por veículos elétricos, como também é preciso poder carregá-los, e pode não haver capacidade suficiente na rede para suportar isso.”
Depois, há o problema das regulamentações, já que não existe um padrão para a introdução de veículos automatizados em aeroportos. “Temos que trabalhar com cada aeroporto e com as autoridades locais e, ao fazer isso, podemos chegar a um consenso sobre a maneira mais segura de implementar esses veículos”, aponta Keene.
Essa é uma das razões pelas quais a Aurrigo ainda inclui um banco do motorista e um volante.
No início deste ano, a Administração Federal de Aviação dos EUA (FAA) divulgou orientações sobre o que denomina “sistemas de veículos terrestres autónomos” (AGVS), afirmando que “acolhe com entusiasmo a implementação inovadora desta nova tecnologia, mas, acima de tudo, deve garantir que ela seja integrada com segurança em ambientes aeroportuários ativos”.
Parte das orientações determina que os veículos autónomos nos aeroportos dos EUA só podem ser utilizados para testes e em “áreas sem movimento”, o que significa longe de onde as aeronaves são carregadas e descarregadas.
Keene acredita que há um forte argumento comercial a favor da autonomia, que pode eventualmente ser o motor de uma inovação regulatória. “O volume de operações de passageiros e carga que os aeroportos e as companhias aéreas estão a registar neste momento ultrapassa os níveis pré-Covid”, afirmou. “Há crescimento no setor, mas não há pessoal suficiente para atendê-lo. A automação pode complementar e ajudar as pessoas que já estão lá. Não estamos a tornar ninguém redundante - estamos a complementar. Podemos transportar pessoas, bagagem ou carga sem usar tantas pessoas quanto seria necessário hoje, permitindo que essa equipe extra seja redistribuída em outros lugares.”
Vantagens autónomas
A mudança de uma frota tradicional a diesel para veículos elétricos autónomos poderia reduzir as emissões de carbono em até 60%, de acordo com Keene, mas também traria outra vantagem: menos acidentes. À medida que os aeroportos ficam mais movimentados, são necessários mais veículos para cuidar das aeronaves, e os danos em terra - casos em que os veículos colidem entre si ou com aeronaves - são um problema significativo. A Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) estimou que o custo global desses acidentes poderia chegar a 10 mil milhões de dólares por ano até 2035 (cerca de 8,5 mil milhões de euros).
Keene garante que, até agora, nenhum veículo Aurrigo se envolveu em acidentes e que, quando eles estão sendo testados em um aeroporto, qualquer intervenção do motorista humano deve ser relatada. Acrescenta ainda que o número de intervenções relatadas tem sido “muito, muito baixo”.
A Aurrigo, que atualmente tem cerca de 120 funcionários, tem dois outros tipos de veículos em fase de testes: o Auto-Cargo - uma versão superdimensionada do Auto-DollyTug, para operações de carga, que segundo a empresa atraiu o interesse da UPS - e o Auto-Shuttle, um veículo de 10 lugares para transportar tripulação para aeronaves ou passageiros entre terminais.
“Acreditamos que, com parceiros como a Aurrigo, estamos a caminhar para um aeroporto com veículos autónomos no centro das suas operações”, afirma Jan Zekveld, diretor de inovação do Royal Schiphol Group, que gere o Aeroporto de Schiphol, à CNN. “A tecnologia autónoma irá ajudar-nos a criar operações aeroportuárias mais seguras, limpas e resilientes, e estamos muito interessados em explorar como construir esse futuro idealizado.”
No início deste ano, a Aurrigo anunciou um acordo com a Swissport, que gere mais de 270 aeroportos em todo o mundo, para testar os seus veículos e sistemas. A empresa também está a implementar os seus sistemas Auto-Shuttle e Auto-DollyTug no Aeroporto de Teesside, um pequeno aeroporto internacional no norte de Inglaterra. Por enquanto, nenhum dos veículos da Aurrigo opera em voos comerciais. Keene acredita que a primeira implementação comercial poderá ocorrer já em 2026.
Os sistemas autónomos nos aeroportos estão em ascensão e programas de teste estão a surgir em todo o mundo. A partir de 2024, a KLM testou pequenos autocarros autónomos da empresa neozelandesa Ohmio no Aeroporto de Schiphol. No Aeroporto Internacional Hamad, em Doha, no Catar, veículos autónomos, incluindo um autocarro e um trator de bagagem do fabricante chinês UISEE, estão em testes desde fevereiro. Em julho, a empresa de autonomia EasyMile lançou uma frota de seis tratores elétricos de bagagem no Aeroporto Internacional Al Maktoum, em Dubai.
A luta contra os elementos
De acordo com Piotr Grobelny, analista de aviação da consultoria IBA, o aumento do tráfego de passageiros e a abertura da FAA à autonomia são sinais de que o setor tem potencial de crescimento. Grobelny defende que o ambiente aeroportuário é ideal para veículos autónomos. “A natureza regulamentada dos aeroportos, frequentemente citada como uma barreira, pode, paradoxalmente, oferecer uma vantagem comparativa”, afirma através de e-mail.
“Ao contrário das estradas urbanas, caracterizadas pelo comportamento humano imprevisível, os aeroportos apresentam ambientes altamente estruturados e monitorizados, com rotas fixas e operações conhecidas. Essa previsibilidade pode reduzir a variabilidade do cenário e permitir que os sistemas (autónomos), se calibrados com precisão, tenham um desempenho moderadamente confiável dentro de corredores rigidamente controlados.”
Grobelny indica que os resultados preliminares dos testes da Aurrigo em vários aeroportos são encorajadores, mas observou que ainda existem desafios técnicos, particularmente com condições meteorológicas adversas. A neve, o nevoeiro e a chuva são conhecidos por prejudicar os sistemas de perceção dos sistemas autónomos, e as tecnologias que podem contrariar isso ainda não foram comprovadas.
Depois, há a questão da regulamentação. “Os critérios de segurança da FAA indicam explicitamente que os veículos autónomos introduzem complexidades operacionais que não foram inicialmente consideradas nas normas existentes, sublinhando a necessidade contínua de protocolos rigorosos de avaliação e integração”, realça.
A Aurrigo diz que está a enfrentar os desafios relacionados com o clima com um software que consegue diferenciar entre gotas de chuva e objetos, bem como com sensores críticos alojados em caixas projetadas para protegê-los de chuva forte e neve.
“O manuseamento de bagagem e carga não avançou muito nos últimos 30 ou 40 anos, por isso somos um pouco disruptivos”, culmina Keene.