Presidente do Sindicato Nacional da Guarda Prisional critica a ausência de um plano de atuação e de uma equipa de reação
Dois dias depois da fuga, o teste improvisado. Na segunda-feira, no Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, vários guardas prisionais foram vistos a correr nas imediações da prisão, naquilo que se pensou que fosse um simulacro. Mas, afinal, não foi disso que se tratou.
"Aquilo não foi simulacro, aquilo foi o chefe da cadeia que se lembrou de chamar os guardas que estavam - até há um guarda que vem a entrar à civil que ia ser ouvido pela PJ e lembrou-se de ir a correr para lá. E até foi o próprio dirigente da direção-geral que lhe disse 'vocês, se isto fosse real, estavam todos mortos'. Aquilo não foi simulacro, foi o chefe da cadeia que teve uma infeliz ideia", diz Frederico Morais, presidente do Sindicato Nacional da Guarda Prisional.
Para o dirigente sindical, não são necessários simulacros, mas sim equipas de reação e um plano eficaz para estas situações de fugas dos Estabelecimentos Prisionais, mas "não há planos para nada".
"Se houvesse uma equipa de reação, não precisávamos de simulacro para nada. Havia um plano para estas situações de fugas. Isso é que não existe nos serviços prisionais e isso é que nos preocupa, isso é que nós temos falado. Devia haver um plano de atuação em caso de fugas, de catástrofe, de qualquer coisa, não há planos para nada", lamenta.
Frederico Morais vai ainda mais longe e, para além de criticar a ausência de um plano de atuação e de uma equipa de reação, lembra que os reclusos "estudam" o trabalho dos guardas prisionais.
"Eles têm muito tempo livre. Quem faz a limpeza nas zonas de guardas e das chefias, onde estão escalas, são reclusos. Em todas as cadeias do país. Isto é que se calhar era importante começar a mudar. Porque com a reinserção social os reclusos vão fazer limpeza às zonas sensíveis. Ou seja, eles fazem limpeza junto à porta onde é a central de câmaras, sabem as rotinas de tudo. Nós permitimos, o sistema prisional permite e os reclusos saibam as rotinas do Corpo da Guarda Prisional. E é óbvio que eles sabiam perfeitamente que teriam muito tempo para fugir. Eles não contavam com isto da rede de comunicação, mas sabiam que iriam ser detetados muito tarde na fuga. Isso sabiam", explica.
Segundo o dirigente sindical, os reclusos sabiam que naquela janela temporal, os guardas prisionais estariam concentrados "no controlo das visitas".
"Está muita gente dentro da cadeia e não são todos reclusos. É uma altura muito sensível para nós. É óbvio que se concentra mais esforços para ali. Mas posso lhe dizer, por exemplo, e garantidamente e a 100%, para não dizer a mil, que o guarda da central de segurança estava na central de segurança a olhar para as câmaras. Estava era concentrado nas visitas. O meu colega já falou com a Polícia Judiciária. Ele estava concentrado era nas visitas, que nos roubam a atenção toda - por parte da segurança - para garantir o mínimo de segurança a quem está ali dentro", refere.
Com o caminho praticamente livre de guardas prisionais, os cinco reclusos conseguiram ganhar vantagem na fuga, até porque o alerta demorou a ser dado a todas as forças de segurança.
"Nós detetámos, supostamente, segundo o diretor-geral disse na conferência de imprensa, através da fita de tempo que tem nas câmaras, detetámos 40 minutos depois [da fuga]. Se nós detetamos 40 minutos depois, começar a dar o alerta pelo guarda que deteta e informa a chefia, o graduado de serviço, o graduado informa o chefe da cadeia, o chefe da cadeia informa o diretor, ou o que substitui, o diretor informa o diretor-geral, o senhor diretor-geral informa os serviços de informações, os serviços de informações espalham a notícia. Ou seja, estamos a falar aqui à vontade duas horas, duas horas a passar. Eu posso-lhe dizer que tenho confirmação de colegas de que a PSP só recebeu o alerta, eram 12:40", afirma.
Frederico Morais diz que este lapso temporal podia ser resolvido através da rede SIRESP, onde estão todas as forças de segurança, mas que é preciso formar os guardas.
"A direção-geral que aprenda primeiro, para depois ensinar aos guardas como é que se comunica diretamente com as outras forças de segurança. E depois comunica-se que há uma fuga e depois trata-se da papelada. Nós fazemos primeiro a papelada e depois é que comunicamos", explica.
Perante a demora em comunicar a fuga, "os reclusos partiram com duas horas de avanço", coisa para a qual tinham noção, ou seja, "sabiam que o que poderia acontecer era ser detetada muito tarde a fuga deles, devido à falta de guardas".
O presidente do Sindicato Nacional da Guarda Prisional diz ainda que os dois problemas mais visíveis são a falta de efetivos e a falta de um plano e que isso mesmo será transmitido à ministra da Justiça na reunião desta quarta-feira.
"Iremos pedir à ministra que se façam planos a nível nacional, que se comece a trabalhar. Porque neste momento já não adianta estarmos a falar sobre a fuga, adianta ver o que está mal e trabalhar para o futuro. E é isso que o sindicato quer, quer trabalhar para o futuro e quer ser parte integrante do futuro deste novo projeto, porque isto tem que ser algum novo projeto é que lá vai", refere Frederico Morais, acrescentando que a fuga "tem mesmo de ser exemplo e tem mesmo de partir daqui uma reestruturação total dos serviços prisionais".
Uma reestruturação que envolva "mais efetivos, um plano a sério, olhar outra vez para as torres das cadeias, que é o garante da segurança, e se calhar ter de as ativar outra vez a nível nacional".
"Temos que nos sentar à mesa todos e trabalhar todos em conjunto, o Corpo da Guarda Prisional que nós representamos e toda a gente trabalhar em conjunto, para criar um sistema prisional melhor, seguro para a população e seguro para quem trabalha lá dentro e para quem está lá em reclusão".
Cinco reclusos fugiram no sábado do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, em Alcoentre, no concelho de Azambuja, distrito de Lisboa. A fuga foi registada pelos sistemas de videovigilância pelas 09:56, mas só foi detetada 40 minutos depois, quando os reclusos regressavam às suas celas.
Os evadidos são dois cidadãos portugueses, Fernando Ribeiro Ferreira e Fábio Fernandes Santos Loureiro, um cidadão da Geórgia, Shergili Farjiani, um da Argentina, Rodolf José Lohrmann, e um do Reino Unido, Mark Cameron Roscaleer, com idades entre os 33 e os 61 anos.
Foram condenados a penas entre os sete e os 25 anos de prisão, por vários crimes, entre os quais tráfico de droga, associação criminosa, roubo, sequestro e branqueamento de capitais.
Os guardas prisionais que estavam responsáveis pelas câmaras de videovigilância do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, em Alcoentre, vão ser interrogados, depois de cinco perigosos reclusos terem fugido do local no sábado. A CNN Portugal confirmou, junto de fonte do sindicato, que os profissionais vão responder a questões do serviço de auditoria e inspeção. O interrogatório interno será acompanhado pelo advogado do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, Pedro Proença.