Miocardite e síndrome inflamatória multissistémica: o que são e porque é pedida prudência na hora de vacinar crianças que tiveram estas doenças

10 dez 2021, 20:35
Covid-19: EUA já começaram a vacinar crianças entre os cinco e os 11 anos

“Crianças saudáveis e de grupo de risco devem tomar a vacina. Se tiverem tido miocardite ou síndrome inflamatória multissistémica não devem tomar a vacina sem procurar o médico, pediatra ou cardiologista”

A Comissão Técnica da Vacinação contra a Covid-19 (CTVC) revelou esta sexta-feira a sua posição relativamente à vacinação pediátrica e pede prudência se em causa estiverem crianças que têm ou tiveram miocardite e síndrome inflamatória multissistémica (MIS-C). Em causa, explica à CNN Portugal Maria João Baptista, cardiologista pediátrica do Centro Hospitalar Universitário São João (Porto), está o “risco de voltar a acontecer” qualquer uma destas doenças cardíacas após a toma da vacina pediátrica contra a covid-19.

Maria João Baptista revela que, depois da inoculação, “pode ocorrer uma inflamação do músculo cardíaco, que é uma miocardite”, tendo a criança já tido ou não esta doença. No entanto, a médica ressalva que o impacto tende a ser mais suave do que aquele que acontece quando a criança contrai o vírus. “O que está descrito é que é de uma forma leve, que passa rapidamente e com evolução favorável”, diz.

O risco, porém, é maior se a inoculação acontecer quando a miocardite ou a síndrome inflamatória multissistémica não estão devidamente tratadas. Por ser uma vacina que imita a ação do vírus, e uma vez que o Sars-CoV-2 ataca também músculos, incluindo o coração, tomar a vacina sem que estas duas doenças cardíacas estejam devidamente tratadas aumenta o risco de lesão cardíaca, podendo o "tempo de recuperação ser mais prolongado e a agressão cardíaca maior". 

Uma criança com miocardite que contraia outro vírus que possa causar outra miocardite, como pode acontecer com a vacinação ou com a infeção por Sars-CoV-2 através do contacto com uma pessoa infetada, terá uma "lesão do músculo cardíaco que é maior e a probabilidade de correr mal é também maior", explica a médica. "Mas o bom senso diz que não se faça isso" e que se respeite as orientações médicas dadas, continua.

Quando questionada sobre previsões da CTVC que dão conta da possibilidade de ocorrência de 12 miocardites no cenário mais pessimista e de sete tanto no cenário mais otimista  como no mediano, Maria João Batista diz que, mesmo com esta “perspetiva” e “modelo matemático” da comissão técnica, é difícil medir concretamente o impacto da vacina, até porque “não temos ainda crianças vacinadas e é difícil ter ideia das consequências”.

Embora a miocardite seja já um efeito documentado da vacinação, a especialista volta a destacar a maior suavidade da doença após a inoculação e diz que “o que está a ser reportado pelo mundo todo é que não se têm registado miocardites neste grupo etário”. No entanto, defende que as crianças que tiveram esta doença devem ser avaliadas antes de tomarem a vacina. 

“A miocardite [pós-vacinação] tem sido mais associada a rapazes dos 16 aos 18 anos, é muito rara nas raparigas e nas crianças não estão ainda descritos casos na faixa dos cinco aos 11 anos”.

O que é a miocardite?

A miocardite não é uma doença nova mas ganhou algum destaque e captou atenções um pouco por todo o mundo por ter sido descrita como efeito colateral da covid-19. Mas a verdade é que o Sars-Cov-2 não é a única causa deste “processo em que há inflamação do músculo cardíaco”, diz Maria João Baptista.

Esta inflamação cardíaca “pode acontecer por várias causas e ser de gravidades diferentes”, mas está “maioritariamente associada a infecções víricas de vários tipos” e, sendo o Sars-Cov-2 um vírus, entra por isso para a lista de potenciadores da doença.

Em casos graves, “o músculo inflamado deixa de ter capacidade de contrair de forma adequada”, dando-se por isso uma “insuficiência cardíaca aguda”, em que o “sangue acumula nos pulmões” e a pessoa fica com dificuldade em respirar.

Nos casos muito graves é necessário internamento em cuidados intensivos, alerta Maria João Baptista. Nos casos menos severos desta inflamação cardíaca, o coração fica igualmente debilitado mas a pessoa “não chega a ter insuficiência cardíaca”.

“No contexto da covid 19, a miocardite é mais comum nos adultos”, salienta a médica.

O que é a síndrome inflamatória multissistémica (MIS-C)?

Esta patologia cardíaca é “mais comum do que a miocardite”, é “muito frequente neste grupo etário [dos cinco aos 11 anos]” e “ocorre por infecção pelo Sars-CoV-2”, afirma Maria João Baptista. Trata-se de uma síndrome inflamatória rara, “cuja fisiopatologia e fatores de risco não estão ainda completamente estabelecidos”, escrevem os peritos responsáveis pelo parecer técnico, que colocam também esta doença na curta lista daquelas que podem impedir a vacinação imediata das crianças.

A (MIS-C) acontece quando a inflamação causada pelo vírus atinge vários órgãos, sendo “o coração e os pulmões os mais afetados” e, por isso, a entrada em cuidados intensivos pode ser uma necessidade.

Nos casos mais graves, “a criança fica em estado de choque, com as tensões muito baixas, ligada a um ventilador para se manter viva”, explica a cardiologista pediátrica, que revela que a o tratamento “com medicação anti-inflamatória e com uma entrada em cuidados intensivos muito precoce” permite “recuperar as crianças”.

Hoje em dia há já evidência científica sobre esta patologia associada à covid-19, mas “os primeiros casos que surgiram no mundo não correram muito bem”, lamenta. 

A prudência é para todas as crianças que tiveram estas patologias?

Sim, mas tal não quer dizer que todas estejam impedidas de ser vacinadas, tal como deixa claro o parecer técnico. O "risco" de uma destas patologias voltar a acontecer é real e deve ser tido em conta, frisa Maria João Baptista, mas garante que, se acontecer, será de uma forma mais ligeira do que aquela que seria provocada pela infeção do novo coronavírus.

“Temos de ter bem presente que a miocardite associada à vacina é uma forma leve de doença, muito rara de acontecer. Não houve situação grave em adolescentes vacinados”, assegura a médica.

Um estudo publicado na semana passada na revista Circulation vem dizer que os adolescentes e jovens com miocardite pós-vacinação recuperam rapidamente.

“Os episódios de miocardite são 37 vezes mais frequentes em crianças (< 16 anos) não vacinadas com covid-19 do que em crianças sem este diagnóstico”, esclarece o documento emitido pela CTVC, que indica ainda que “nenhuma das crianças da faixa etária dos 5 aos 11 anos que participaram no ensaio clínico desenvolvido pela Pfizer/BioNtech para esta faixa etária desenvolveram miocardite/pericardite”.

Ainda segundo o parecer agora divulgado, embora os riscos e efeitos sejam menores, o “benefício da vacinação contra a covid-19 deve ser avaliado, caso a caso, pelo médico assistente” e, por isso, a vacinação “deve ser adiada pelo menos até à resolução completa do quadro clínico”, daí o apelo a alguma prudência perante histórico desta inflamação cardíaca.

Também em caso MIS-C (por infeção vírica ou por reação à vacina), qualquer pessoa - adulto ou criança - deve igualmente consultar um profissional de saúde, aconselha Maria João Baptista, defendendo que “esperar três meses” é a forma mais segura de evitar complicações ou efeitos indesejados. Este período de 90 dias é também defendido pela CTVC para os casos de MIS-C.

Depois de consultar um médico ou especialista em cardiologia, e antes de decidir o momento ideal para a vacinação, pode ser necessário fazer “uma série de exames, como ecocardiograma , eletrocardiograma e análise sangue, em que são avaliadas as enzimas cardíacas que mostram se há agressão do músculo cardíaco”, esclarece Maria João Baptista.

Em alguns casos pode ser ainda necessário fazer uma “prova de esforço e ressonância magnética cardíaca”, mas, frisa Maria João Baptista, tudo depende de cada paciente e todos os casos devem ser avaliados individualmente.

“A minha recomendação é que as crianças saudáveis e do grupo de risco devem tomar a vacina. Se tiverem tido uma miocardite ou a síndrome inflamatória multissistémica não devem tomar a vacina sem procurar o médico, pediatra ou cardiologista”, conclui.

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