Raiva, raiva, raiva, raiva e um treinador a esmurrar a mesa: "Não vou falar de basquetebol. Perguntas de basquetebol não interessam. Temos crianças a serem mortas na escola"

25 mai 2022, 15:56

A América está indignada. E está a manifestar-se. Motivo: o ataque no Texas em que um rapaz de 18 anos assassinou 19 crianças e dois adultos

Da política ao desporto passando pelas artes: Ninguém ficou indiferente à tragédia ocorrida esta terça-feira numa escola primária dos Estados Unidos, onde 19 crianças e dois professores morreram depois de um jovem de 18 anos ter entrado no recinto com uma espingarda na primária de Uvalde. É o 40.º episódio do género este ano, o segundo em 10 dias, depois de um ataque num supermercado em Buffalo, Nova Iorque, ter matado 10 pessoas. Olhando para o panorama geral, o ano ainda nem vai a meio e já morreram 70 pessoas nestas circunstâncias, que volta e meia se repetem.

As reações da sociedade são sempre de lamento e de pedidos para mais ação, mas este caso em concreto está a ter uma maior dimensão. Talvez por ser o segundo maior de sempre em escolas do ensino obrigatório, seguindo-se ao tiroteio de Sandy Hook, que roubou a vida a 26 pessoas em 2012. Tal como desta vez, a maioria das vítimas (20) eram crianças. Tal como desta vez, o atirador era um jovem (de 20 anos).

Nesse dezembro de 2012 era Barack Obama o presidente. Agora, voltou a ser uma das vozes do descontentamento. Depois de uma publicação desenfreada de tweets logo a seguir à notícia, fez uma partilha no Instagram em que recordou Sandy Hook e falou num país paralisado para depois atacar diretamente o lóbi das armas, criticando o Partido Republicano, e dizendo que “há muito que passou o tempo para agir”.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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Mais emocionado esteve Steve Kerr. Talvez por ter reagido em direto, e na antevisão de um jogo decisivo para o futuro dos Golden State Warriors nesta época da NBA, o treinador da equipa de São Francisco teve um duro e longo discurso sobre o caso, chegando mesmo a gritar na sala de imprensa.

"Não vou falar de basquetebol. Quaisquer perguntas de basquetebol não interessam. Temos crianças a serem mortas na escola. Quando vamos fazer algo? Estou cansado, cansado de chegar aqui e oferecer condolências às famílias", disse, numa altura em que o número de vítimas oficial ainda era de 14 crianças e um professor.

O treinador virou-se depois para os "50 senadores que recusam votar a HR8" (uma referência aos representantes republicanos), uma lei que pretende aumentar a investigação do passado dos compradores de armas antes de estes adquirirem as armas.

"Existe uma razão para não o fazerem: para se manterem no poder. Pergunto-vos: vão colocar o vosso desejo de poder à frente das vidas das nossas crianças, dos nossos idosos, de quem vai à igreja?", questionou, recordando o ataque em Buffalo.

Steve Kerr pede, então, que não fiquemos "adormecidos" com isto: "É patético! Já chega!".

 

 

E foi precisamente do Senado, o órgão visado por Steve Kerr, que veio uma das reações mais fortes. Chris Murphy, representante do estado do Connecticut, falou minutos após a notícia do tiroteio em Uvalde: "Há 14 crianças mortas numa escola do Texas agora. O que estamos a fazer?" questionou por várias vezes, lembrando também o ataque a um supermercado na Califórnia que terminou com um morto e cinco feridos.

"Temos outro Sandy Hook nas mãos. Há mais massacres que dias no ano. As nossas crianças vivem com medo. Quando se sentam na sala pensam se serão os próximos", afirmou, para depois se dirigir aos seus colegas de câmara: "Porque passam tanto tempo a concorrer para o Senado se, em resposta a isto, não fazem nada? Porque estão aqui?".

O senador democrata disse depois que o que aconteceu não é inevitável mas referiu que "isto só acontece neste país": "Não acontece em mais lado nenhum a não ser nos Estados Unidos da América. E é a nossa escolha, é a nossa escolha deixar que isto continue".

Juntando depois as mãos em sinal de reza, Chris Murphy "implorou" aos colegas que "encontrem uma forma" para resolver o problema, admitindo que podem haver discordâncias entre democratas e republicanos mas que tem de haver uma plataforma de entendimento, uma forma de "garantir que a América nunca mais vê um massacre".

O ator Matthew McConaughey publicou um comunicado de três parágrafos mas com muito sentimento. Natural precisamente de Uvalde, a estrela do cinema referiu que voltou a ficar provado que algo está a falhar na proteção dos direitos e liberdades do povo.

Matthew McConaughey pediu um olhar para dentro, uma avaliação interior para que se perceba que são necessários sacrifícios para conseguir controlar aquilo a que chama "epidemia". "O grande apelo à ação é pedir aos americanos que olhem para o espelho e se perguntem 'o que é que valorizamos verdadeiramente?'." 

De regresso ao basquetebol, um dos maiores jogadores da história, e que ainda está no ativo, confessou-se chocado por este tipo de episódios acontecerem "NA ESCOLA, onde é suposto ser o mais seguro". LeBron James afirmou que "já chega" e pediu ações aos políticos. 

A poetisa Amanda Gorman, que até esteve na tomada de posse de Joe Biden, foi mais parca em palavras mas usou duas claras: "Insanidade e desumano", referindo-se ao facto de "não fazermos nada" enquanto "vemos monstros matarem crianças uma e outra vez". 

Habituado a apresentar com humor, foi tudo menos isso que se viu no The Late Late Night Show de James Corden. O humorista britânico, que faz sucesso com aquele formato nos Estados Unidos, apareceu num cenário escuro em que mal se via o público para depois deixar palavras enquanto pai.

"Como pai não consigo imaginar o horror da chamada: o pensamento de uma chamada a dizer que a nossa criança é vítima de um massacre. É impensável", afirmou, recordando "o futuro que estas crianças nunca vão ver", criticando depois as alterações que não são feitas à legislação das armas: "Neste assunto, a América é um dos países mais atrasados do mundo. Este ano não houve tiroteios no Reino Unido, no Japão, na Austrália... Este ano houve 27 tiroteios em escolas na América e 212 tiroteios em massa - e só vamos em cinco meses".

"Nada vai mudar, o dinheiro das armas vai continuar no caminho da moralidade", concluiu, lembrando que tinha falado dos ataques em Buffalo ou Califórnia e admitindo que teme voltar a falar de algo parecido em breve.

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