Von der Leyen, que vai a votos, foi aplaudida parcialmente quando censurou as viagens de Orbán, nomeadamente à Rússia. E avisa: "A Rússia está a contar que alguns na Europa e nos Estados Unidos amoleçam" - e há quem esteja "a alinhar" nisso
O Parlamento Europeu (PE) vota esta quinta-feira a proposta de reconduzir Ursula von der Leyen no cargo de presidente da Comissão Europeia. E num discurso aos eurodeputados em Estrasburgo, a alemã disse estar "profundamente preocupada" com as tendências populistas e nacionalistas na Europa e no mundo mas disse estar "convencida de que uma Europa forte pode estar à altura do desafio".
"É por isso que peço a vossa confiança hoje porque, como vós, vim para o Parlamento Europeu para fazer do mundo um sítio melhor."
Von der Leyen, que ocupou o cargo nos últimos cinco anos, considera que "a versão da Europa desde o fim da II Guerra Mundial, com todas as suas imperfeições e desigualdades, ainda é a melhor da História" e promete que nunca ficará "sentada a vê-la ser despedeçada a partir de dentro ou de fora" e nunca aceitar "que os demagogos e extremistas destruam a Europa".
Num recado direto a Viktor Orbán, o primeiro-ministro da Hungria, sem contudo o nomear, Von der Leyen disse que "a Rússia está investida numa guerra de atrito e a contar que alguns na Europa e nos Estados Unidos amoleçam", quando "alguns na Europa estão a alinhar" com essa visão.
"A dita missão de paz de um líder europeu [a Moscovo e Pequim] foi nada mais nada menos do que uma missão de apaziaguamento, uma mera missão de apaziguamento", destacou, sob fortes aplausos de várias bancadas e apupos da ala conservadora.
"Dois dias depois dessa missão, os aviões de Putin apontaram os seus mísseis a um hospital pediátrico de Kiev", um ataque que "não foi um erro, foi uma mensagem arrepiante do Kremlin para todos nós". E a Europa tem de responder, sublinhou. "Temos de ser igualmente claros: ninguém quer mais a paz do que o povo da Ucrânia, uma paz justa e duradoura, e a Europa ficará ao lado da Ucrâna o tempo que tiver de ficar -- é esta a nossa mensagem."
Prosperidade e competitividade
Delieando as suas propostas para a nova legislatura, Ursula Von der Leyen destacou uma "visão de prosperidade, que protege as pessoas, cumpre a democracia e uma Europa mais forte que implementa os seus acordos de forma justa, que cumpre o Pacto Ambiental, com inovação e avanços tecnológicos".
A candidata disse estar "convencida" de que o seu programa "mostra o que temos em comum, apesar das diferenças que existem sempre em todas as democracias saudáveis", e repetiu que o seu foco estará na "prosperidade e competitividade".
"Nos últimos cinco anos enfrentámos a pior tempestade da história económica da nossa união, com uma pandemia e uma crise energética sem precedentes, e podemos estar orgulhosos de como lidámos com ela."
Contudo, adiantou, "também sabemos que a nossa competitividade precisa de um grande impulso". "Aqueles que não fazem nada ficarão para trás, os que não forem competitivos serão dependentes" -- mais tarde daria como exemplo a "chantagem de Putin" com o fornecimento de energia na sequência da invasão em larga escala da Ucrânia, no final de fevereiro de 2022.
Face a essa chantagem de Moscovo, "permanecemos juntos e investimentos muito em energa, para ficarmos livres dos combustíves fósseis sujos da Rússia" e "a dependência acabou, de uma vez por todas". Novo coro de aplausos.
Para garantir a "expansão económica" da UE, Von der Leyen referiu algus passos concretos que pretende dar, incluindo "aprofundar o nosso mercado único" e "encarregar cada comissão a aprofundar o seu portefólio". Também pretende nomear um vice-presidente para coordenar estes trabalhos que apresente um relatório anual ao PE.
"Garantirei que somos responsabilizados, porque apenas o que é medido é concretizado", e o foco estará, entre outros, nas Pequenas e Médias Empresas (PMEs), sem as quais "não há Europa", destacou. "São o coração da nossa economia, vamos dar-lhes mais confiança e melhores incentivos."
Ainda no capítulo do crescimento económico, Von der Leyen diz que a UE tem de deixar de depender dos EUA e de outros para financiar a sua expansão, motivo pelo qual "precisa de uma união dos mercados de capitais e apoios às empresas", para que "a Europa volte a ser a casa da oportunidade e da inovação".
Para isso, a candidata do Partido Popular Europeu (PPE) propõe ainda a criação de um novo Fundo Europeu de Competitividade, para financiar "projetos que alimentem a competitividade e a inovação", sobretudo orientados para a transição energética. "O futuro da nossa prosperidade tem de ser Made in Europe."
Pacto ecológico e transição energética
Von der Leyen avançou alguns números para sustentar as suas propostas, nomeadamente o facto de 50% da eletricidade produzida no bloco na primeira metade deste ano ter vindo de energias renováveis, "limpas e de produção doméstica". Outro número: o investimento neste tipo de energias mais do que triplcou ao longo do seu mandato que agora termina, com a UE a atrair "mais investimento em hidrogénio limpo do que os EUA e a China juntos".
Tudo isto e os 35 novos acordos para produção de energia limpa que foram assinados nos últimos tempos traduzem "o Pacto Ecológico em ação", garante.
"Quero ser clara: vamos manter o nosso caminho de crescimento, agora focados em implementação e no investimento, para que se concretize no terreno". E para isso, promete apresentar, "nos primeiros 100 dias" da nova Comissão, "um novo Acordo de Indústria Limpa, para canalizar os investimentos sobretudo para o setor da energia, do metal verde à tecnologia verde, e para acelerar o planeamento".
"Temos de ser mais rápidos e temos de simplificar. A UE vai descarbonizar e industrializar-se ao mesmo tempo", promete Von der Leyen, assegurando que continua investida em cumprir o objetivo de cortar as emissões poluentes em 90% até 2040, como previsto no Pacto Ecológico.
"Para os jovens, as crianças, os adolescentes de hoje, 2030, 2040, 2050 estão ao virar da esquina. Eles sabem que temos de reconciliar a proteção climática com uma economia próspera e nunca irão perdoar-nos se não o cumprirmos. Esta é também uma questão intergeracional e os mais jovens merecem a nossa ação."
Para ser reeleita, Von der Leyen precisa de um mínimo de 361 votos do total de 720 eurodeputados. A alemã conta com o apoio das lideranças dos dois maiores grupos do Parlamento Europeu, o PPE e o Socialistas e Democratas (S&D), bem como dos liberais do Renew.
Contudo, como não há disciplina de voto, que é secreto, os analistas colocam a hipótese de Von der Leyen não passar à primeira, sobretudo depois de o Renew ter admitido a hipótese de votar contra a alemã pelo que diz ser uma aproximação aos Reformistas de Giorgia Meloni. Em 2019, no arranque da anterior legislatura, Von der Leyen foi eleita com uma margem de apenas nove votos.