Descoberta população de ursos polares a viver num lugar surpreendente

CNN , Ashley Strickland
25 jun 2022, 16:00
Uma ursa polar fêmea adulta (à esquerda) e duas crias de um ano caminham sobre gelo glaciar de água doce coberto de neve em março de 2015

Foi documentada uma população geneticamente distinta e isolada de ursos polares a viver no sudeste da Gronelândia.

Os cientistas que estudaram e monitorizaram os ursos determinaram que estes sobrevivem apesar de terem um acesso limitado ao gelo marinho - algo fundamental para os ursos polares - e que, em vez disso, usam o gelo de água doce fornecido pelo manto de gelo da Gronelândia.

Foi publicado na revista Science um estudo descritivo deste conjunto de ursos.

“Queríamos inspecionar esta região porque não sabíamos muito sobre os ursos polares no sudeste da Gronelândia, mas nunca esperámos encontrar uma nova subpopulação a viver lá”, disse a principal autora do estudo, Kristin Laidre, cientista de investigação polar do Laboratório de Física Aplicada da Universidade de Washington.

“Sabíamos que havia alguns ursos naquela zona, a partir de registos históricos e do conhecimento dos povos indígenas. Só não sabíamos o quão especiais eles eram.”

Uma gelada necessidade

Durante as longas deslocações, as 19 populações conhecidas de ursos polares dependem do gelo marinho para caçar as suas presas, como as focas-aneladas, e sentam-se perto de buracos de respiração para capturá-las. As calorias fornecidas pelas focas podem ajudá-los a armazenar energia durante meses, numa altura em que a comida e o gelo marinho são mais escassos.

O aquecimento global está a fazer com que o gelo marinho derreta rapidamente e desapareça, com o Ártico a aumentar a sua temperatura duas vezes mais rápido que o resto do planeta. Quando o gelo marinho desaparece, os ursos polares têm de avançar para terra, conseguindo menos oportunidades de alimento.

Mas os ursos polares do sudeste da Gronelândia tendem a ficar perto de casa, tendo-se conseguido adaptar de uma forma única ao seu ambiente. Embora estejam isolados devido ao manto de gelo da Gronelândia, as montanhas, as águas abertas e as correntes rápidas na costa, os ursos polares têm acesso a gelo de água doce e um acesso limitado a gelo marinho, o que os ajuda a apanhar focas.

Os ursos podem usar o gelo marinho entre fevereiro e o final de maio. Durante o resto do ano, caçam focas usando o gelo de água doce à medida que este se vai separando do manto de gelo.

“Os ursos polares estão a ser ameaçados pela perda de gelo marinho decorrente das alterações climáticas. Esta nova população dá-nos uma perceção sobre a forma como a espécie pode perseverar no futuro”, disse Laidre, também professora adjunta de ciências aquáticas e pesqueiras na Universidade de Washington.

“Mas precisamos de ter cuidado para não extrapolar as nossas descobertas, porque o gelo glacial que possibilita a sobrevivência dos ursos do sudeste da Gronelândia não está disponível na maior parte do Ártico.”

Uma ursa polar fêmea adulta (à esquerda) e duas crias de um ano caminham sobre gelo glaciar de água doce coberto de neve em março de 2015

O ambiente do sudeste da Gronelândia é um refúgio climático único de pequena escala onde os ursos podem sobreviver, podendo encontrar-se habitats semelhantes ao longo da costa da Gronelândia e da ilha norueguesa de Svalbard.

“Estes tipos de glaciares existem noutros lugares do Ártico, mas a combinação das formas dos fiordes, a alta produção de gelo glaciar e o grande reservatório de gelo disponível no Manto de Gelo da Gronelândia é aquilo que neste momento oferece um fornecimento constante de gelo glaciar”, disse a coautora do estudo Twila Moon, cientista principal adjunta do Centro Nacional de Dados sobre Neve e Gelo dos EUA, em Boulder, no Colorado.

“Num certo sentido, estes ursos proporcionam um vislumbre de como os ursos da Gronelândia poderão vir a sobreviver em cenários climáticos futuros”, disse Laidre. “As condições atuais do gelo marinho no sudeste da Gronelândia assemelham-se às condições previstas para o nordeste da Gronelândia no final deste século.”

Investigação aérea

O novo estudo inclui 30 anos de dados históricos obtidos na costa leste da Gronelândia e sete anos de novos dados obtidos na costa sudeste. Esta última é uma região remota com montanhas acentuadas, fortes nevões e um clima imprevisível, condições que dificultam o seu estudo.

A equipa de investigação passou dois anos a aconselhar-se com caçadores de subsistência de ursos polares, que caçam por sobrevivência e não por desporto, na região leste da Gronelândia. Os caçadores partilharam os seus conhecimentos e contribuíram com amostras para análise genética.

Os investigadores, em colaboração com o Instituto de Recursos Naturais da Gronelândia, em Nuuk, conseguiram estudar e monitorizar os ursos através de helicópteros, sobrevoando o gelo marinho e fazendo uma estimativa de que existem algumas centenas de ursos a viver naquela área remota. Esta é semelhante a outras pequenas populações de ursos polares noutros lugares.

As ursas polares do sudeste da Gronelândia são mais pequenas do que as ursas polares noutras regiões. As ursas mais pequenas também têm menos crias, um fator que pode estar ligado à tentativa de encontrar companheiros durante as suas deslocações pelos fiordes e montanhas em redor. Mas os investigadores não poderão confirmá-lo enquanto não obtiverem mais dados da monitorização de longo prazo dos ursos.

Os ursos viajam sobre o gelo dentro dos fiordes ou sobem as montanhas para alcançar fiordes próximos. Dos 27 ursos monitorizados durante o estudo, metade deles flutuou acidentalmente durante cerca de 190 quilómetros para Sul, em média, depois de ficarem presos em pequenos bancos de gelo apanhados pela forte corrente costeira da Gronelândia Oriental.

Um fiorde com águas abertas no sudeste da Gronelândia em abril de 2016

Assim que os ursos tiveram oportunidade, saíram do banco de gelo e caminharam de volta ao fiorde a que chamam casa. Criados por glaciares, os fiordes são enseadas longas, estreitas e profundas que surgem entre altas falésias.

“Mesmo com as mudanças rápidas que estão a afetar o manto de gelo, esta área na Gronelândia tem potencial para continuar a produzir gelo glacial, com uma costa que pode permanecer semelhante ao que é hoje durante muito tempo”, disse Moon.

Os investigadores alertam, no entanto, que este habitat pode não ser suficiente para outros ursos polares que venham a sofrer com a crise climática.

“Se a preocupação for preservar a espécie, então sim, as nossas descobertas são promissoras — creio que elas nos mostram como alguns ursos polares poderão sobreviver em condições climáticas diferentes”, disse Laidre.

“Mas não creio que o habitat dos glaciares consiga suportar um grande número de ursos polares. Não têm tamanho suficiente. Continuamos a contar com um forte declínio na população de ursos polares em todo o Ártico no seguimento das alterações climáticas.”

Futuro incerto

Os investigadores acreditam que os ursos polares do sudeste da Gronelândia evoluíram de forma isolada ao longo de várias centenas de anos. A primeira referência conhecida a ursos neste local data de 1300, e o primeiro registo escrito dos animais entre os fiordes da região remonta à década de 1830, de acordo com os autores do estudo.

A situação dos ursos polares continua a ser uma incógnita. Os investigadores desconhecem se a população está estável, ou se está a aumentar ou a diminuir, mas uma maior monitorização poderá revelar o que o futuro reserva para esta população única, disse Laidre.

Devido ao seu isolamento, os ursos polares são tão distintos a nível genético que os investigadores propõem que os ursos polares do sudeste da Gronelândia sejam considerados a 20.ª subpopulação da espécie.

Em última análise, esta determinação cabe à União Internacional para a Conservação da Natureza, que ajuda a supervisionar as espécies protegidas. E o governo da Gronelândia irá tomar todas as decisões relativas à proteção dos ursos.

Três ursos polares adultos a usar o gelo marinho durante o tempo limitado em que está disponível em abril de 2015

“A preservação da diversidade genética dos ursos polares é crucial perante o futuro das alterações climáticas”, disse Laidre. “Reconhecer oficialmente que estes ursos são uma população separada será importante para a sua conservação e gestão.”

Enquanto isso, o gelo marinho continua a diminuir no Ártico, o que irá reduzir bastante no futuro as taxas de sobrevivência para a maioria das populações de ursos polares.

“A ação climática é a coisa mais importante para o futuro dos ursos polares”, disse Laidre.

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