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Master em Relações Internacionais pelas Universidades de Groningen e Universidade de Estrasburgo

De Leste a Oeste: Como o Ressentimento Impulsiona a Radicalização Política

7 set, 21:24

Sim, a extrema-direita ganhou terreno na Alemanha nas eleições estaduais do último fim de semana, a 1 de setembro. O partido Alternative für Deutschland (AfD) avançou na Saxónia e foi o mais votado na Turíngia, tornando-se o primeiro partido de extrema-direita a vencer uma eleição estadual desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Desde então, surgiram várias análises a tentar explicar o que está a acontecer no leste da Alemanha, frequentemente apontando para a divisão histórica entre a Alemanha Oriental e Ocidental, além de um ressentimento profundamente enraizado nas consequências da reunificação.

A análise não está incorreta. De facto, muitos no leste sentiram-se marginalizados económica e socialmente, vendo a reunificação como uma "anexação" pela Alemanha Ocidental. Isto, apesar de um forte movimento na própria Alemanha Oriental a favor da reunificação, como ficou evidente pelos Protestos de Leipzig, a 9 de outubro de 1989, em que cerca de 70 mil pessoas marcharam pelas ruas a exigir reformas e liberdade. Este evento foi um ponto de viragem no movimento que levou à queda do Muro de Berlim e, finalmente, à reunificação das Alemanhas em 1990.

É inegável que a transição abrupta para o capitalismo resultou num verdadeiro desastre: despedimentos em massa e a venda de empresas locais a preços de liquidação, deixando um rasto de ressentimento. Para piorar, a herança de uma sociedade comunista homogénea e repressiva apenas reforçou esse sentimento, com muitos no leste ainda a nutrir um rancor alimentado pela perceção de que o Ocidente os tratou com desdém e superioridade.

As explicações específicas para o caso da Alemanha são, sem dúvida, importantes e ajudam a contextualizar a ascensão de partidos radicais no país. No entanto, reduzir o fenómeno apenas a esses fatores históricos é um erro simplista. O panorama global revela que partidos como o Alternative für Deutschland estão a ganhar terreno em diversas nações, e isso não pode ser explicado apenas por divisões históricas. Ao contrário da Alemanha, muitos desses países não passaram por uma separação como a da Guerra Fria, mas enfrentam outros tipos de insatisfação popular, que os oportunistas eleitorais sabem muito bem identificar e explorar. Focar exclusivamente nas peculiaridades da Alemanha faz-nos perder de vista a verdadeira complexidade deste fenómeno global.

Há inúmeros exemplos de partidos e movimentos radicais a ganhar espaço em todo o mundo, alimentados por frustrações locais. Na Argentina, o populista autoproclamado anarcocapitalista Javier Milei foi eleito em 2023, em meio a uma inflação anual superior a 200%, a maior desde 1990. Milei não perdeu tempo a explorar o caos económico e a oferecer soluções que os especialistas rotulam como radicais, como a completa dolarização da economia. A sua habilidade em explorar essas insatisfações foi fundamental para o seu sucesso eleitoral.

Em França, embora o partido de extrema-direita de Marine Le Pen, o Rassemblement National, tenha ficado em terceiro lugar nas eleições convocadas por Macron em 2024, o avanço da legenda com origens antissemitas é impossível de ignorar — e preocupante. Em 2017, o partido tinha apenas 8 assentos na Assembleia Nacional; em 2022, esse número disparou para 89, e em 2024 já são 126. O que isso indica? Uma ascensão implacável de uma força política que muitos subestimaram, mas que se está a consolidar com cada vez mais impacto no cenário francês.

No atual Parlamento holandês, por exemplo, o partido com o maior número de assentos é o PVV (Partij voor de Vrijheid), liderado pelo populista Geert Wilders. Wilders é conhecido pelo seu discurso inflamado contra o Islão, chegando a declarar que queria "menos marroquinos" na Holanda, uma fala que escancarou o seu radicalismo e alimentou o apoio ao partido. Em Portugal, o Chega, de André Ventura, também segue uma curva ascendente: conquistou apenas um assento em 2019, saltou para 12 em 2022 e, em 2024, alcançou 50. Estes números deixam claro que o crescimento desses partidos populistas não é um fenómeno isolado, mas parte de uma tendência mais ampla em diversos países.

Nem os Estados Unidos, a maior superpotência global, conseguiram escapar da armadilha da radicalização política. A prova mais clara disso é o sequestro do Partido Republicano por Donald Trump, que, apesar de ter incitado uma tentativa de golpe de Estado e enfrentar até ao momento 34 acusações criminais no tribunal de Nova Iorque, ainda tem hipóteses reais de voltar ao poder em janeiro de 2025.

O crescimento de políticos e partidos radicais pode ter as suas particularidades locais, mas há quatro fatores centrais, apontados por Roger Eatwell e Matthew Goodwin no livro Nacional-populismo: A Revolta contra a Democracia, que explicam de forma clara um fenómeno global — do leste da Alemanha à Patagónia argentina e ao Algarve, em Portugal. Esses fatores são: desconfiança, destruição, privação e desalinhamento. A desconfiança nas democracias liberais, vistas como clubes de elites, reforça a perceção de que os políticos estão completamente desligados do povo. A destruição reflete o medo de que a imigração em massa e as mudanças étnicas diluam a identidade nacional. A privação refere-se ao aumento da desigualdade, onde muitos se sentem abandonados. E o desalinhamento entre os eleitores e os partidos tradicionais cria uma brecha para novas forças políticas. Somados à revolta contra o establishment e os valores liberais, esses fatores criam o terreno fértil para o populismo se espalhar, enquanto líderes extremistas prometem soluções drásticas para problemas que as instituições tradicionais falharam em resolver.

O avanço do populismo e da extrema-direita pelo mundo não é um fenómeno isolado ou fruto de peculiaridades locais — faz parte de uma onda global alimentada pelas falhas das democracias liberais. Claro, fatores históricos como o ressentimento no leste da Alemanha têm a sua relevância, mas focar apenas neles é desviar o olhar da verdadeira questão. A desconfiança generalizada na política elitista, o medo da destruição das identidades nacionais, a sensação de privação económica e o desalinhamento entre os eleitores e os partidos tradicionais abriram as portas para que estes movimentos radicais floresçam. Enquanto os políticos tradicionais permanecem inertes, líderes extremistas capitalizam essa frustração com promessas simplistas e soluções radicais.

Os partidos tradicionais precisam de acordar com urgência. O objetivo não deve ser combater o populismo em si, mas sim a demanda que o alimenta. É fundamental que apresentem soluções reais e eficazes para as crises económicas, sociais e identitárias que os populistas exploram tão bem. Ignorar estas exigências populares e continuar a subestimar a insatisfação apenas permitirá que o populismo continue a crescer, ocupando o espaço que os políticos convencionais deixaram vago.

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