A União Soviética perdeu uma nave no Espaço e assim ficou durante décadas. Acabou de cair do céu

CNN , Jackie Wattles
13 mai, 12:38
O hemisfério norte de Vénus é mostrado nesta vista do planeta criada com dados da nave espacial Magellan da NASA (PL-Caltech/NASA)

Uma nave espacial da era soviética que foi concebida para fazer uma aterragem suave em Vénus - mas que, em vez disso, permaneceu presa na órbita da Terra durante décadas - terá caído do céu no sábado de manhã, de acordo com a Agência Espacial Europeia (ESA).

O objeto, referido como Cosmos 482 ou Kosmos 482, é uma cápsula lançada pela União Soviética em março de 1972 que falhou a caminho de uma órbita de transferência que a teria levado a Vénus para estudar o seu ambiente. A sonda entrou nas camadas densas da atmosfera por volta das 09:24 de sábado, hora de Moscovo (menos duas horas em Portugal Continental), caindo no Oceano Índico a oeste de Jacarta, na Indonésia, de acordo com a agência espacial russa, Roscosmos.

A ESA, que foi uma das várias organizações que utilizou sensores terrestres para acompanhar a queda do lixo espacial, também disse no seu website que o veículo não foi detetado pelos radares na Alemanha, indicando que “é muito provável que a reentrada já tenha ocorrido”.

Nas décadas que se seguiram ao seu lançamento, o Cosmos 482 circulou a Terra sem rumo, enquanto era lentamente arrastado de volta para casa.

Os astrónomos e os especialistas em tráfego espacial têm estado de olho no objeto desde há anos, à medida que a sua trajetória orbital foi atingindo altitudes cada vez mais baixas, resultado da subtil resistência atmosférica que existe mesmo a centenas de quilómetros da Terra.

A nave em forma de cilindro tem cerca de um metro de diâmetro.

Uma vez que a nave espacial já não tinha capacidade de manobra, estava destinada a sofrer aquilo a que os especialistas em tráfego espacial se referem como uma reentrada descontrolada - mergulhando de volta à Terra de uma forma que pode ser extremamente difícil de prever com exatidão. A enorme complexidade dos voos espaciais e os fatores imprevisíveis, como o clima espacial, complicam os esforços para determinar exatamente quando ou onde um objeto cairá da órbita.

Segundo especialistas disseram à CNN, esse pedaço de lixo espacial em particular não representava um risco substancial para as pessoas em terra. Mas atraiu a atenção internacional devido à história única do Cosmos 482.

“Este objeto foi concebido para sobreviver à reentrada em Vénus, pelo que há boas probabilidades de sobreviver ao regresso [à Terra] inteiro”, disse Marlon Sorge, um especialista em lixo espacial da The Aerospace Corporation, esta segunda-feira. “Isso diminui o risco... porque ficaria intacto”.

Sobreviver à reentrada

Muitas vezes, quando o lixo espacial se precipita de volta para a Terra, objetos como peças de foguetões obsoletos são despedaçados pela física de choque, uma vez que podem embater na espessa atmosfera interior da Terra enquanto viajam a mais de 27 mil quilómetros por hora.

Cada um dos pedaços da peça do foguetão pode então constituir uma ameaça para a área onde aterra.

Mas a Cosmos 482 estava bem preparada para fazer a viagem de regresso a casa inteira. A nave espacial tinha um escudo térmico substancial que protegia o veículo das temperaturas e pressões intensas que se podem acumular durante a reentrada.

E como a Cosmos 482 foi concebida para atingir a superfície de Vénus - onde a atmosfera é 90 vezes mais densa do que a da Terra - a sonda provavelmente permaneceu intacta.

O programa soviético Venera

O Instituto de Investigação Espacial da União Soviética, ou IKI, dirigiu um programa inovador de exploração de Vénus durante a corrida espacial do século XX.

Venera, como era chamado o programa, enviou uma série de sondas para Vénus nos anos 70 e 80, tendo várias naves sobrevivido à viagem e enviado dados para a Terra antes de cessarem as operações.

Dos dois veículos Venera que foram lançados em 1972, no entanto, apenas um conseguiu chegar a Vénus.

O outro, uma nave espacial por vezes catalogada como V-71 No. 671, não chegou. E foi por isso que os investigadores acreditaram que o Cosmos 482 era o veículo Venera que falhou. (A partir da década de 1960, os veículos soviéticos deixados na órbita da Terra receberam o nome Cosmos e uma designação numérica para fins de rastreamento, de acordo com a NASA).

O que fazer se encontrar destroços

Embora uma aterragem em terra firme fosse improvável, não era impossível. A trajetória do objeto Cosmos 482 mostrou que poderia ter aterrado numa vasta faixa de terra que inclui “toda a África, América do Sul, Austrália, EUA, partes do Canadá, partes da Europa e partes da Ásia”, diz Marco Langbroek, professor e especialista em tráfego espacial na Universidade Técnica de Delft, na Holanda, por e-mail.

Sorge sublinha que se a Cosmos 482 tivesse aterrado em terra firme, os observadores teriam sido aconselhados a manter a distância. A nave envelhecida poderia derramar combustíveis perigosos ou apresentar outros riscos para pessoas e bens.

“Contactem as autoridades”, pede Sorge. "Por favor, não se metam com ela."

Em termos legais, o objeto também pertence à Rússia. De acordo com as regras estabelecidas no Tratado do Espaço Exterior de 1967 - que continua a ser o principal documento subjacente à legislação internacional sobre esta matéria - a nação que lançou um objeto para o espaço mantém a propriedade e a responsabilidade pelo mesmo, mesmo que este se despenhe na Terra décadas após o lançamento.

O panorama geral

Embora os objetos defuntos no Espaço caiam rotineiramente da órbita, a maioria dos destroços desintegra-se completamente durante o processo de reentrada.

Mas o mundo está no meio de uma nova corrida espacial, com empresas comerciais como a SpaceX a lançarem centenas de novos satélites em órbita todos os anos. Esta explosão de atividade fez soar o alarme em toda a comunidade do tráfego espacial, uma vez que os especialistas procuram garantir que os objetos não colidam no espaço ou representem um risco para os seres humanos se fizerem uma descida descontrolada de volta a casa.

As normas de segurança melhoraram drasticamente desde a corrida espacial do século XX, quando foi lançada a sonda soviética Venus, observa Parker Wishik, porta-voz da The Aerospace Corporation.

Ainda assim, incidentes como a reentrada do Cosmos 482 são um lembrete claro.

“O que sobe tem de descer”, conclui Wishik. “O que se coloca hoje no Espaço pode afetar-nos durante décadas.”

Ciência

Mais Ciência
IOL Footer MIN