Há um grupo "misterioso" que paga hotéis de luxo a eurodeputados para influenciar a política da UE

3 set, 21:47
Parlamento Europeu

Foi criado em 2000 e no ano passado apresentou um orçamento de quase seis milhões de euros, financiado por alguns dos maiores bancos e gigantes tecnológicas. Insiste que não representa interesses comerciais, mas sim numa perspetiva de "interesse geral para a melhoria do mercado financeiro geral"

Um think tank europeu “secreto” arrecadou no ano passado quase seis milhões de euros em taxas que cobra aos seus associados do setor financeiro. E isto com apenas três funcionários a trabalhar em regime integral e a pagar estadias em hotéis de luxo a eurodeputados, segundo o POLITICO.

A Eurofi, que se apresenta como um “think tank europeu dedicado aos serviços financeiros”, foi criada no ano 2000, pelo ex-governador do Banco Central Francês  Jacques de Larosière, com o objetivo de “contribuir para o reforço e integração dos mercados europeus e políticas relacionadas”, e tornou-se agora num dos maiores grupos de lóbi da União Europeia (UE), logo abaixo de gigantes tecnológicas como a Google e a Apple, que investiram enormes recursos para influenciar as tomadas de decisão em Bruxelas.

O orçamento de 2023 aumentou quase 50% desde o último orçamento disponibilizado ao público, de 3,9 milhões de euros em 2020, ficando apenas atrás da Insurance entre os grupos de lóbi para o setor financeiro. Isto significa que a Eurofi, com apenas três funcionários, tem mais recursos do que os principais lobbies bancários, o "poderoso" lóbi da indústria farmacêutica (a Federação Europeia das Indústrias e Associações Farmacêuticas) e o conhecido grupo empresarial BusinessEurope.

“É um dos grupos mais misteriosos em que consigo pensar”, afirmou Kenneth Haar, investigador do Corporate Europe Observatory, uma organização sem fins lucrativos, citado pelo jornal online. “É realmente estranho ter um orçamento tão grande com apenas alguns funcionários”, admitiu.

Mas o mistério adensa-se ainda mais. É que, apesar de ser financiada por mais de 100 associados, entre os quais alguns dos maiores bancos e gigantes da tecnologia, como a Goldman Sachs, American Express, BNP Paribas e CaixaBank - a Eurofi insiste que não representa interesses comerciais, mas sim numa perspetiva de “interesse geral para a melhoria do mercado financeiro geral”.

Foi isso mesmo que um dos funcionários seniores do think thank respondeu ao POLITICO, depois de vários contactos para os seus escritórios, sediados em Paris, sem sucesso. Segundo o jornal, Jean-Marie Andres atendeu uma chamada e respondeu a algumas questões, explicando que o think tank não deveria ser visto como um grupo de lóbi, mas sim como uma organização de promoção de discussões. Depois, enviou um e-mail à publicação a informar que não estava autorizado a falar com jornalistas.

Vários eurodeputados revelaram ao POLITICO que a Eurofi lhes pagou estadias em hotéis de luxo e algumas das suas viagens para participar em eventos entre 2021 e 2023. O jornal cita pelo menos quatro - o eurodeputado alemão Markus Ferber , a eurodeputada francesa Stéphanie Yon-Courtin, o eurodeputado neerlandês Paul Tang e o eurodeputado espanhol Jonás Fernández.

O think tank organiza anualmente “dois grandes eventos internacionais”, geralmente um seminário de alto nível em abril e um fórum financeiro em setembro, programados nas vésperas das reuniões informais dos ministros das Finanças da UE (Ecofin) no país que assume a presidência rotativa do Conselho da UE. Lisboa foi anfitriã de um desses eventos, em abril de 2021, por ocasião da quarta presidência rotativa do Conselho da UE. Estes eventos reúnem “mais de 900 participantes”, entre altos funcionários europeus, banqueiros centrais e especialistas em finanças, pode ler-se no site oficial da Eurofi.

Para este mês, está programado um evento de três dias em Bucareste, que, segundo o POLITICO, que diz ter tido acesso à programação, “parece um ‘quem é quem’ no topo da regulamentação financeira”, incluindo nomes como o governador do Banco Central Francês, François de Galhau, a presidente do Banco Europeu de Investimento, Nadia Calviño, e o vice-presidente da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis. São esperados ainda “centenas” de representantes da indústria.

De acordo com o jornal, que cita fontes financeiras, o think tank cobra 50 mil euros em taxas a cada um dos seus membros 

No seu site oficial, a Eurofi adianta que estes eventos servem para “discussões abertas e aprofundadas sobre os últimos desenvolvimentos de políticas que impactam o setor financeiro e as possíveis implicações das tendências macroeconómicas e industriais em curso”.

Toda esta situação suscita preocupações relacionadas com a natureza do lóbi em Bruxelas, com especialistas em transparência a questionarem que tipo de influência é que o dinheiro está a comprar na UE. Segundo o POLITICO, a influência do setor financeiro em Bruxelas tem sido cada vez mais evidente nos últimos anos, destacando a implementação de regras cada vez mais leves para bancos e seguradoras.

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