Um dos principais apoiantes do decreto, o deputado Martin Ssempa, apresentou a lei como uma vitória contra os Estados Unidos e a Europa, sugerindo que o Uganda tem de lutar contra as organizações que implementam, no país, programas de rastreio e combate ao VIH
O presidente do Uganda, Yoweri Museveni, promulgou na segunda-feira uma das mais duras leis anti-homossexualidade do mundo, que prevê pena de morte para alguns atos homossexuais.
Segundo o The Guardian, Museveni promulgou a lei depois de a ter devolvido ao parlamento em março. De acordo com o decreto agora promulgado, a pena de morte está prevista nos casos de "homossexualidade agravada", ou seja, atos homossexuais com menores ou em que alguém esteja infetado com uma doença crónica transmissível, nomeadamente o VIH. Algumas práticas sexuais entre pessoas do mesmo género passam também a ser punidas com prisão perpétua e estão previstos 20 anos de cadeia por "recrutamento, promoção e financiamento" de atividades homossexuais. A chamada "tentativa de homossexualidade agravada" é punida com pena de 14 anos de prisão.
O presidente Museveni tinha devolvido a lei ao parlamento - onde fora aprovada há dois meses com a oposição de apenas dois deputados - pedindo duas emendas, nomeadamente para aligeirar a medida que exigia que fosse reportada às autoridades qualquer atividade homossexual, e solicitando ainda que fosse introduzida uma forma de facilitar a "reabilitação" de homossexuais.
Os deputados não contemplaram a reabilitação mas alteraram a necessidade de reportar atividades homossexuais, passando a ser obrigatório comunicar apenas aquelas que envolvam menores. Mesmo que Museveni tivesse voltado a devolver a lei ao parlamento, sem a promulgar, não teria agora como impedir que esta passasse a vigorar.
Em março, quando devolveu a lei aos deputados, o presidente defendeu que o seu governo estava apenas a tentar resistir aos esforços do Ocidente para normalizar aquilo que considerava "desvios" da norma.
ONU "chocada" com lei discriminatória, Biden diz que decreto é "vergonhoso"
O Alto Comissário para os Direitos Humanos da ONU, Volker Turk, descreveu o decreto como "chocante e discriminatório" e o presidente dos EUA considerou-o "vergonhoso" e uma "trágica violação dos direitos humanos universais". A Casa Branca admite mesmo sancionar e restringir a entrada nos EUA a quem esteja envolvido em graves abusos dos direitos humanos, sugerindo que haverá repercussões para os governantes do Uganda.
A presidente do parlamento do Uganda, Anita Annet Among, divulgou um comunicado nas redes sociais confirmando que o presidente tinha promulgado o decreto e defendendo que os deputados tinham "ouvido os clamores" do povo. "Legislámos para proteger a santidade da família", escreveu. "Permanecemos firmes para defender a nossa cultura e as aspirações do nosso povo", acrescentou Among, agradecendo ao presidente pela sua ação "no interesse do Uganda" e pedindo aos tribunais que comecem a aplicar a nova legislação sem demora.
— Anita Annet Among (@AnitahAmong) May 29, 2023
Um dos principais apoiantes do decreto anti-homossexualidade, o deputado Martin Ssempa, apresentou a lei como uma vitória contra os Estados Unidos e a Europa, sugerindo que o Uganda tem de lutar contra as organizações que implementam, no país, programas de rastreio e combate ao VIH. "O presidente mostrou grande coragem para desafiar o bullying dos americanos e europeus. Esse bullying não irá dar-vos dinheiro. Eles intimidam e ameaçam-vos", disse, citado pelo The Guardian.
Perante esta posição, os líderes de três organismos de luta contra o VIH (O Fundo Global de Luta Contra a SIDA, Tuberculose e Malária, o UNAIDS - programa da ONU para o combate ao VIH e o PEPFAR - Plano de Emergência do Presidente dos Estados Unidos para o combate ao VIH) assinaram uma declaração conjunta manifestando profunda preocupação, admitindo que correm grandes riscos os progressos alcançados na luta contra a sida, perante o estigma e a discriminação criados pela nova lei em vigor no Uganda. "Confiança, confidencialidade e ausência de estigmatização são essenciais para qualquer pessoa que procure cuidados de saúde", reforça o comunicado, assinado por Peter Sands, Winnie Byanyima e John Nkengasong.
A própria ONU não poupou o presidente do Uganda, um feroz defensor das leis homofóbicas. "Estamos chocados que o decreto draconiano e anti-gay seja agora lei. É uma receita para violações sistemáticas dos direitos das pessoas LGBT e da maioria da população. Entra em conflito com a constituição e tratados internacionais e requer revisão judicial urgente", lê-se na declaração das Nações Unidas.
Ativistas ugandeses prometem agir, precisamente em tribunal, contra o novo decreto-lei. Em 2014, o tribunal constitucional do Uganda anulou um decreto anti-homossexualidade que já na altura colheu críticas da comunidade internacional e a expectativa é de que o possa voltar a fazer agora. "A decisão do presidente Museveni de assinar uma lei anti-homossexualidade em 2023 é profundamente preocupante", disse ao Guardian Steven Kabuye, ativista em Kampala, capital do Uganda. "Como vimos no passado, este tipo de leis podem levar ao aumento da violência, assédio e marginalização de grupos já vulneráveis. É importante que sejamos solidários com a comunidade LGBTQ+ no Uganda e em todo o mundo, e que lutemos contra a intolerância e o ódio", sublinhou o ativista.
"Claro que vamos correr para o tribunal e contestar esta lei draconiana de todas as formas possíveis", garantiu.
Sarah Kasande, advogada e ativista pelos direitos humanos no Uganda, lamentou que o parlamento assuma que uma lei fará desaparecer a existência de pessoas LGBTQI+ no Uganda. "Os queers também são ugandeses, pertencem ao Uganda. Nenhuma lei estúpida mudará isso", criticou no Twitter.
It is wishful thinking to assume a piece of bogus legislation will erase the existence of LGBTQI+ persons in Uganda! Queers are Ugandans, they belong to Uganda! No stupid law will ever change that!
— Sarah Kasande (@skasande2) May 29, 2023
Também a União Europeia reagiu à promulgação da legislação: Josep Borrell, chefe da diplomacia da UE, escreveu no Twitter que a promulgação da lei é "deplorável" e contrária aos direitos humanos, divulgando um comunicado em que sublinha que o governo ugandês tem a "obrigação" de proteger todos os seus cidadãos e que, ao deixar de o fazer, estará a minar as relações com os seus parceiros internacionais.
The signing into law of the Anti-Homosexuality Act by the Ugandan President Yoweri Museveni is deplorable.
This law is contrary to international human rights law and to Uganda’s obligations under the African Charter on Human and People’s Rights.#AUEU #Uganda https://t.co/4wVxQ8wSSR
— Josep Borrell Fontelles (@JosepBorrellF) May 29, 2023