Pena de morte para alguns atos homossexuais: lei entrou em vigor no Uganda e a ONU está "chocada"

30 mai 2023, 11:14
Manifestantes contra a lei anti-homossexualidade promulgada no Uganda (Foto: Phill Magakoe/AFP via Getty Images)

Um dos principais apoiantes do decreto, o deputado Martin Ssempa, apresentou a lei como uma vitória contra os Estados Unidos e a Europa, sugerindo que o Uganda tem de lutar contra as organizações que implementam, no país, programas de rastreio e combate ao VIH

O presidente do Uganda, Yoweri Museveni, promulgou na segunda-feira uma das mais duras leis anti-homossexualidade do mundo, que prevê pena de morte para alguns atos homossexuais. 

Segundo o The Guardian, Museveni promulgou a lei depois de a ter devolvido ao parlamento em março. De acordo com o decreto agora promulgado, a pena de morte está prevista nos casos de "homossexualidade agravada", ou seja, atos homossexuais com menores ou em que alguém esteja infetado com uma doença crónica transmissível, nomeadamente o VIH. Algumas práticas sexuais entre pessoas do mesmo género passam também a ser punidas com prisão perpétua e estão previstos 20 anos de cadeia por "recrutamento, promoção e financiamento" de atividades homossexuais. A chamada "tentativa de homossexualidade agravada" é punida com pena de 14 anos de prisão. 

O presidente Museveni tinha devolvido a lei ao parlamento - onde fora aprovada há dois meses com a oposição de apenas dois deputados - pedindo duas emendas, nomeadamente para aligeirar a medida que exigia que fosse reportada às autoridades qualquer atividade homossexual, e solicitando ainda que fosse introduzida uma forma de facilitar a "reabilitação" de homossexuais. 

Os deputados não contemplaram a reabilitação mas alteraram a necessidade de reportar atividades homossexuais, passando a ser obrigatório comunicar apenas aquelas que envolvam menores. Mesmo que Museveni tivesse voltado a devolver a lei ao parlamento, sem a promulgar, não teria agora como impedir que esta passasse a vigorar.

Em março, quando devolveu a lei aos deputados, o presidente defendeu que o seu governo estava apenas a tentar resistir aos esforços do Ocidente para normalizar aquilo que considerava "desvios" da norma. 

ONU "chocada" com lei discriminatória, Biden diz que decreto é "vergonhoso"

O Alto Comissário para os Direitos Humanos da ONU, Volker Turk, descreveu o decreto como "chocante e discriminatório" e o presidente dos EUA considerou-o "vergonhoso" e uma "trágica violação dos direitos humanos universais". A Casa Branca admite mesmo sancionar e restringir a entrada nos EUA a quem esteja envolvido em graves abusos dos direitos humanos, sugerindo que haverá repercussões para os governantes do Uganda.

A presidente do parlamento do Uganda, Anita Annet Among, divulgou um comunicado nas redes sociais confirmando que o presidente tinha promulgado o decreto e defendendo que os deputados tinham "ouvido os clamores" do povo. "Legislámos para proteger a santidade da família", escreveu. "Permanecemos firmes para defender a nossa cultura e as aspirações do nosso povo", acrescentou Among, agradecendo ao presidente pela sua ação "no interesse do Uganda" e pedindo aos tribunais que comecem a aplicar a nova legislação sem demora. 

 

Um dos principais apoiantes do decreto anti-homossexualidade, o deputado Martin Ssempa, apresentou a lei como uma vitória contra os Estados Unidos e a Europa, sugerindo que o Uganda tem de lutar contra as organizações que implementam, no país, programas de rastreio e combate ao VIH. "O presidente mostrou grande coragem para desafiar o bullying dos americanos e europeus. Esse bullying não irá dar-vos dinheiro. Eles intimidam e ameaçam-vos", disse, citado pelo The Guardian.

Perante esta posição, os líderes de três organismos de luta contra o VIH (O Fundo Global de Luta Contra a SIDA, Tuberculose e Malária, o UNAIDS - programa da ONU para o combate ao VIH e o PEPFAR - Plano de Emergência do Presidente dos Estados Unidos para o combate ao VIH) assinaram uma declaração conjunta manifestando profunda preocupação, admitindo que correm grandes riscos os progressos alcançados na luta contra a sida, perante o estigma e a discriminação criados pela nova lei em vigor no Uganda. "Confiança, confidencialidade e ausência de estigmatização são essenciais para qualquer pessoa que procure cuidados de saúde", reforça o comunicado, assinado por Peter Sands, Winnie Byanyima e John Nkengasong.

A própria ONU não poupou o presidente do Uganda, um feroz defensor das leis homofóbicas. "Estamos chocados que o decreto draconiano e anti-gay seja agora lei. É uma receita para violações sistemáticas dos direitos das pessoas LGBT e da maioria da população. Entra em conflito com a constituição e tratados internacionais e requer revisão judicial urgente", lê-se na declaração das Nações Unidas.

Ativistas ugandeses prometem agir, precisamente em tribunal, contra o novo decreto-lei. Em 2014, o tribunal constitucional do Uganda anulou um decreto anti-homossexualidade que já na altura colheu críticas da comunidade internacional e a expectativa é de que o possa voltar a fazer agora. "A decisão do presidente Museveni de assinar uma lei anti-homossexualidade em 2023 é profundamente preocupante", disse ao Guardian Steven Kabuye, ativista em Kampala, capital do Uganda. "Como vimos no passado, este tipo de leis podem levar ao aumento da violência, assédio e marginalização de grupos já vulneráveis. É importante que sejamos solidários com a comunidade LGBTQ+ no Uganda e em todo o mundo, e que lutemos contra a intolerância e o ódio", sublinhou o ativista.

"Claro que vamos correr para o tribunal e contestar esta lei draconiana de todas as formas possíveis", garantiu. 

Sarah Kasande, advogada e ativista pelos direitos humanos no Uganda, lamentou que o parlamento assuma que uma lei fará desaparecer a existência de pessoas LGBTQI+ no Uganda. "Os queers também são ugandeses, pertencem ao Uganda. Nenhuma lei estúpida mudará isso", criticou no Twitter.

 

 

Também a União Europeia reagiu à promulgação da legislação: Josep Borrell, chefe da diplomacia da UE, escreveu no Twitter que a promulgação da lei é "deplorável" e contrária aos direitos humanos, divulgando um comunicado em que sublinha que o governo ugandês tem a "obrigação" de proteger todos os seus cidadãos e que, ao deixar de o fazer, estará a minar as relações com os seus parceiros internacionais. 

 

 

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