No centro do caso está uma publicação nas redes sociais pelo presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, na qual acusa a dirigente de uma outra ONG de ter ligações ao Kremlin. Mensagem foi alvo de um processo-crime por difamação, mas Tribunal da Relação do Porto considerou que a mesma não contém “qualquer juízo ofensivo da honra”
É uma reviravolta no processo de difamação movido pela associação de imigrantes “Amizade” contra a Associação de Ucranianos em Portugal, depois de o presidente desta última, Pavlo Sadhoka, ter acusado a dirigente da “Amizade”, Natalia Khmil, de ser uma “agente de Moscovo” e de colaborar no acolhimento de refugiados ucranianos.
De acordo com o acórdão do Tribunal da Relação conhecido esta semana, os juízes desembargadores consideraram que “as expressões em causa não contêm qualquer juízo ofensivo da honra” e que “não existem indícios suficientes de que a intenção do arguido tenha sido a de ultrajar a assistente ou de ferir o bom nome e reputação desta”.
Segundo o acórdão, redigido pela magistrada Maria Dolores Silva e Sousa, a publicação feita por Pavlo Sadhoka na sua página de Facebook, na qual pedia que os cidadãos ucranianos a viver em Portugal não colaborassem com a associação “Amizade” por terem ligações a fundações e institutos sob a alçada do Kremlin, teria apenas o intuito de informar os mesmos residentes “da colaboração da assistente com a embaixada Russa, seja ou não tal asserção verdadeira”.
Segundo o acórdão, a que a CNN Portugal teve acesso, os magistrados entendem que as “expressões usadas podem ter sido do desagrado” da presidente da associação “Amizade”, mas” integram-se num contexto de desconfiança política resultante da guerra entre os dois países”, tendo a denúncia um “objetivo claro de avisar os demais concidadãos do arguido dessa desconfiança política reinante entre os cidadãos dos dois países neste período”.
Lê-se ainda no documento que a presidente da associação Amizade, “exercendo um cargo político associativo, de cariz público” tem “uma maior exposição” e “de se sujeitar à crítica, comunitariamente aceite, ainda que se recorra a expressões desagradáveis, como é o caso de “são agentes de Moscovo””.
Assim, aponta o acórdão, as expressões proferidas por Pavlo Sadhoka, “embora desagradáveis”, foram “proferidas após a veiculação - desde 2022 - da informação de queixas de infiltração de russos Pró-Kremlin em associações da Comunidade ucraniana em Portugal”, sendo que estão “cobertas pela liberdade de expressão constitucionalmente garantida e pelo direito a informar e ser informado”.
O caso remonta a abril de 2022 quando a CNN Portugal noticiou que a associação de ucranianos tinha enviado às secretas portuguesas uma carta onde denunciava uma série de “organizações diretamente ligadas à embaixada da Russa” que estavam a participar no acolhimento de refugiados vindos do país invadido.
Essas denúncias viriam a ser reiteradas pela antiga embaixadora da Ucrânia em Portugal, Inna Ohnivets, que, em entrevista, garantiu que essas associações, nomeadamente a “Amizade”, “têm ligação muito estreita com a Embaixada russa” e “podem receber informações sobre os dados pessoais destes refugiados, mas não só sobre eles, também sobre os familiares que agora estão na Ucrânia e participam no exército ucraniano”.
Foi nessa sequência de acontecimentos que, já em 2023, Pavlo Sadhoka publicou a mensagem em questão que foi alvo de queixa-crime por parte da dirigente da associação “Amizade”, tendo sido pronunciado mais tarde, após a instrução do processo, por um crime de difamação.
Depois, Pavlo Sadhoka viria a recorrer desse despacho de pronúncia para o Tribunal da Relação do Porto, garantindo que a mensagem que publicou é “relativa a factos relacionados com a atividade política, num âmbito de enorme tensão bélica” (...) “nada tendo a ver com factos pessoais, concretamente, honra, dignidade, bom nome e consideração da mesma”.
Em declarações à CNN, Nataliya Khmil, a dirigente da Associação “Amizade”, diz que "as publicações de Pavlo Sadokha são profundamente ofensivas" - "para a minha honra pessoal e para a reputação da Associação 'Amizade', que tenho a honra de presidir". "Essas declarações colocam injustamente em causa o meu trabalho e a confiança depositada na nossa associação por todos aqueles que, ao longo dos anos, têm acompanhado o nosso empenho e dedicação", acrescenta.
Nataliya Khmil diz que quer "esclarecer, de forma categórica, que nunca houve qualquer tipo de colaboração entre a Associação 'Amizade' e a Rossotrudnichestvo". "E também nunca visitei cidade Moscovo", refere.
"Considero difamatórias as declarações do Pavlo Sadokha, tal como também o entendeu o juiz de instrução no âmbito do processo em causa. É verdade que o Tribunal da Relação do Porto veio posteriormente considerar que tais afirmações se enquadram na liberdade de expressão; no entanto, isso não as torna verdadeiras. Reitero, de forma inequívoca, que nunca colaborei com o regime russo e condeno veementemente a invasão e ocupação da Ucrânia." E conclui: "Reitero, de forma inequívoca, que nunca colaborei com o regime russo e condeno veementemente a invasão e ocupação da Ucrânia. Sou ucraniana. Estou e estive sempre ao lado do meu povo e dos valores da liberdade, da justiça e da solidariedade".