Um combate "firme e sangrento" e a "pressa" da Rússia em declarar vitória. O que esperar desta nova fase da guerra

24 abr 2022, 08:30

Os novos planos russos foram divulgados na sexta-feira e podem passar por um corredor da Moldova até aos territórios separatistas. Até 9 de maio, a data em que Putin desejará ter algo para apresentar aos russos, a Ucrânia espera receber muito armamento, para também começar a atacar. A análise feita à CNN Portugal por dois especialistas

Já lá vão dois meses de guerra e o regime de Vladimir Putin ainda não conseguiu apresentar uma vitória militar importante. O ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, tentou declarar o controlo de Mariupol, mas a Ucrânia continua a garantir que a resistência, embora pequena, ainda existe. Nesse mesmo dia, o presidente dos Estados Unidos disse: "É questionável. Ainda não há qualquer prova de que Putin controle Mariupol". 

Depois de não terem conseguido tomar Kiev, os russos mudaram de estratégia. Entrámos numa nova fase da guerra e o Kremlin parece estar numa luta contra o tempo para apresentar resultados palpáveis, que mostrem ao povo russo o porquê da chamada "operação militar especial", mas também para provar ao Ocidente que a Rússia continua a ser uma potência mundial, capaz de vencer uma guerra. 

O que está em cima da mesa? 

O foco de Putin passou a ser a região do Donbass e Mariupol. Para conseguir declarar vitória, ainda que parcial, os objetivos passam por conquistar todo o Donbass, criar um corredor terrestre até à Crimeia, tomar Odessa e bloquear os portos ucranianos no mar Negro. Segundo os últimos planos, revelados por um major-general russo, pode ainda estar em cima chegar ao pequeno território separatista da Moldova, a Transnístria, para criar um corredor.

"A Rússia está a bloquear o acesso ao mar Negro através de forças navais e não sabemos até que ponto isso não se vai transformar na tentativa de tomar Odessa. E há um segundo ponto que está relacionado com a Transnístria. Alguns comentadores já dizem que há a possibilidade de se criar não só um corredor terrestre de Mariupol à Crimeia, mas também um outro de Transnístria a Odessa", afirma à CNN Portugal Diana Soller, investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI).

Na ótica da investigadora, não é esperado um ataque com mais força por parte dos russos, mas sim um combate "firme e sangrento" na região do Donbass. "Para a Rússia, é imprescindível a conquista de Mariupol e do Donbass. A mim parece-me que a Rússia vai apostar tudo neste embate. Será um combate muito firme por parte da Rússia e a Ucrânia vai defender-se com o armamento todo que tem. Por isso é que temos assistido a pedidos insistentes de armamento cada vez mais ofensivo e cada vez mais pesado por parte da Ucrânia". 

Em declarações à CNN Portugal, o major-general Arnaut Moreira, especialista em geopolítica e geoestratégia, considera que existe uma "primeira fase dentro desta segunda fase". Ou seja, existem as movimentações para as próximas duas semanas e o que vem depois disso. Assim, nos próximos dias, acredita que vai assistir-se "a vários avanços, alguns deles muito significativos, na região do Donbass", principalmente porque "a concentração de forças russas nestas últimas semanas se traduziu num aumento do potencial de combate, que pode resultar no romper da linha defensiva ucraniana". Se assim for, "os resultados obtidos serão relativamente imediatos". 

Para o major-general, o "objetivo primário" das tropas russas vai ser bloquear a estrada que vai de Izium (cidade situada nas margens do rio Donets) a Sloviansk. "Porque esta estrada permite balancear forças de norte para sul". O passo seguinte será "a grande batalha de Kramatorsk", por se tratar de um ponto estratégico para o controlo da região do Donbass. Para o especialista militar, o corredor terrestre até à Crimeia "é uma fase posterior". 

No entanto, na perspetiva de Arnaut Moreira, a Rússia tem três problemas: "Como não resolveu a situação de Mariupol, tem um esforço significativo de militares 'presos' na cidade; por outro lado, existe Kharkiv, e é muito importante que Putin decida se abandona ou a conquista, porque também há muitas forças retidas lá; e, por fim, nem todas as forças empenhadas no Donbass estão efetivamente disponíveis para a conquista de novo território". 

Cidade de Mariupol durante a invasão russa (Foto: GettyImages)

É possível conquistar Donbass sem tomar Mariupol? 

Anunciar a conquista de Mariupol terá sido uma estratégia de Moscovo para compensar os fracassos noutras regiões, como Kiev? "Absolutamente", defendeu Diana Soller.

Para a comentadora da CNN Portugal, a Rússia encontra-se neste momento numa posição em que "não pode voltar à mesa de negociações de paz sem uma vitória considerável do ponto de vista militar", por duas razões: para poder justificar ao povo russo o porquê da invasão e ainda para mostrar ao Ocidente que continua a ser uma potência com capacidade de vencer uma guerra, ainda que parcialmente. 

Questionada sobre se a Rússia poderia avançar para o Donbass sem tomar Mariupol, Diana Soller explicou que a resposta não é fácil, porque não se sabe "se a Rússia tem capacidade para ter duas frentes de guerra abertas". Se tiver, "os dois alvos são possíveis". Para Arnaut Moreira, Mariupol "é uma frente que a Rússia vai deixar congelada", porque "do ponto de vista russo, a vitória já foi conseguida. Parecem estar satisfeitos com a solução encontrada". 

"O problema de Mariupol não está resolvido, mas, do ponto de vista tático, o leque de opções que a Ucrânia tem são muito poucas. Ainda assim, está a manter uma função: manter as tropas russas ocupadas ali e não as deixar ir para outras regiões. É uma missão tática". 

Poderá Putin anunciar uma nova vitória a 9 de maio? 

Há especialistas que têm falado na data de 9 de maio. É o Dia da Vitória, feriado nacional na Rússia porque se assinala a rendição da Alemanha Nazi, em 1945, no final da Segunda Guerra Mundial. Esta data simbólica poderá ser uma boa altura para Vladimir Putin gritar vitória. Os primeiros a avançarem com este dia foram os serviços secretos norte-americanos e, por isso mesmo, defende Diana Soller, pode ter sido uma forma de "pressão [por parte dos Estados Unidos] para que a Rússia responda de forma atabalhoada aos próximos passos da guerra", ou seja, que as tropas de Putin executem ações com o menor tempo de preparação possível. 

Ainda assim, e apesar da Rússia ser um país em que o simbolismo tem uma importância fundamental, a investigadora considera que "a pressa está muito mais relacionada com a pequena janela de oportunidade antes de o armamento pesado do Ocidente chegar à Ucrânia". "Quanto mais tempo a guerra durar, mais armamento ofensivo a Ucrânia vai receber. Por isso, Putin quer acabar o quanto antes com as hostilidades".

E se, chegado o dia, Putin não tiver uma única conquista palpável, como vai ser feito o desfile das tropas pelas ruas? O major-general Arnaut Moreira defende que "tem de haver um resultado militar para se apresentar nesta data".

"O 9 de maio, para além do seu simbolismo, é uma oportunidade que Putin utiliza sempre para falar das forças armadas. Não é uma data genérica, é uma data simbólica de natureza militar. Ora, só faz sentido um desfile dessa natureza apresentando resultados de natureza militar, portanto, tem de haver um resultado para se apresentar nesta data e, como tal, vão ser feitos todos os esforços nesse sentido". Mas o major-general ressalva que, como o prazo é curto, esta possível vitória parcial só poderá fazer-se conquistando Mariupol ou Donbass. Para Odessa, "pode já não ser possível". 

Do lado ucraniano, o professor de geopolítica e geoestratégia defende que o presidente Zelensky tem de recuperar território e que, nesta fase, "está a amortecer a ofensiva russa, à espera que chegue a um ponto em que não tem mais condições para avançar". E é isso que leva Zelensky a fazer sucessivos apelos pelo envio de artilharia pesada. "Nessa altura, o presidente ucraniano tem de ter equipamento para passar para a ofensiva e conquistar território". 

Celebrações do 9 de maio na Rússia, em 2016 (AP Photo/Alexander Zemlianichenko)

Daqui para a frente, o papel da Rússia no sistema internacional vai depender da vitória que vai ter e de como isso vai ser interpretado, dos Estados Unidos à Europa. Diana Soller lembra ainda que "antigamente, no final das guerras, havia uma conferência de paz". "Havia sempre uma forma de se recombinar a paz", mas esta guerra, ao que tudo indica, pode ser uma exceção. 

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