Rússia tenta "colmatar os insucessos" no campo de batalha com ataques a infraestruturas energéticas - e é "uma forma cobarde de fazer a guerra"

9 dez 2022, 13:08

A guerra atingiu uma situação de "empate": a Ucrânia possui uma capacidade cada vez mais sólida de realizar operações defensivas e antecipar ataques russos, reduzindo a sua eficácia. A resposta da Rússia passa por bombardear infraestruturas e atacar a partir de locais que funcionam como "santuários", como a central nuclear de Zaporizhzhia

O nome de Vladimir Putin está nas bocas do mundo desde o início da invasão russa à Ucrânia, em fevereiro. Esta quinta-feira, voltou a ser tópico aceso de discussão - e tudo devido a imagens que protagonizou no Kremlin, à margem de uma cerimónia de condecoração de militares russos que combatem no país vizinho. De copo de champanhe na mão, postura descontraída e sorriso no rosto, o presidente russo admitiu que tenciona continuar a atacar as infraestruturas energéticas da Ucrânia - apesar das inúmeras críticas da comunidade internacional, que destacam o facto de estes ataques deixarem milhões de pessoas sem água ou eletricidade em pleno inverno. 

Mas esta postura de Putin pode não ser tão triunfante como tenta transparecer. Para o major-general Isidro de Morais Pereira, os ataques às infraestruturas são uma "tentativa de colmatar os insucessos das forças terrestres no campo de batalha", onde se têm verificado "claras vitórias" do lado ucraniano. Kharkiv e Kherson foram reconquistadas pelas forças da Ucrânia e, no contexto das operações ofensivas russas, "as conquistas de um dia são as perdas do dia seguinte". Perante esta situação de "empate", a Rússia envereda por uma estratégia de guerra bastante específica: atingir as populações. É através dos ataques a infraestruturas elétricas - que asseguram "produção de energia tão necessária o ano todo, mas sobretudo no inverno" - que as forças russas tentam "dobrar a vontade" do povo ucraniano de combater e resistir.

Neste "empate" bélico, o lado da Ucrânia soma outra vantagem: uma capacidade de prevenção, defesa e resposta cada vez mais fortificada. O comentador da CNN Portugal aponta a existência deste "binómio" no país: por um lado, a defesa do espaço aéreo solidifica-se (muito devido a armas antiaéreas que foram e continuarão a ser fornecidas pelo Ocidente); por outro, verifica-se uma capacidade de "levar o combate à profundidade" sobre alvos militares em território russo. "A Ucrânia deixou de ter uma capacidade de defesa aérea, apenas, e passou a ter capacidade para realizar operações ofensivas, no sentido de se antecipar a esses mesmos ataques", frisa o major-general. 

Este cenário é ilustrado com o último ataque em grande escala, a 5 de dezembro. Estavam inicialmente previstas três ondas de ataques, mas a grande maioria dos drones foi intercetada e levou a que não ocorresse uma terceira vaga - porque, claro, a Federação Russa compreendeu que "não atingiria objetivos estratégicos". Significa isto, portanto, o fim de ataques a infraestruturas críticas? Isidro Morais Pereira alerta que "a Rússia não vai desistir desta forma de fazer a guerra", mas reconhece que a capacidade de antecipar estes ataques poderá enfraquecê-los. Os serviços de informação ucranianos conseguem calcular a "janela de tempo" de que as forças russas necessitam para concretizar este tipo de ataques com maior intensidade (um ciclo de "cerca de uma a duas semanas"). A partir daí, os ucranianos poderão conduzir "ataques preventivos" sobre a origem dos mísseis - ou, pelo menos, aqueles que têm origem em bombardeiros estratégicos. Como consequência, a "eficácia dos bombardeamentos será cada vez menor" - e com especial atenção à proteção das infraestruturas energéticas. 

A Rússia apercebeu-se desta capacidade defensiva da Ucrânia, e a resposta é "uma forma cobarde de fazer a guerra": utilizar o perímetro da central nuclear de Zaporizhzhia como uma espécie de "santuário", a partir do qual "pode atacar sabendo que não pode ser atacada" em retorno. Os sistemas de lança-foguetes múltiplos são colocados nesta localização estratégica e disparados para militares e civis ucranianos, que não se podem defender sem arriscar o "perigo tremendo" de atingir um reator nuclear. 

Putin defende-se das acusações alegando que, na verdade, o território terrorista e genocida é a Ucrânia. "Mas quem é que começou? Quem é que atacou a ponte da Crimeia? Quem é que rebentou com as linhas elétricas ligadas à central nuclear de Kursk?", questiona, de copo de champanhe na mão, encolhendo os ombros. O major-general Isidro Morais Pereira qualifica este discurso como "incoerente" e "forçado", por não existir "uma ligação direta entre a narrativa de Putin e o que se passa no terreno". A sabotagem de infraestruturas energéticas comprometerá a sobrevivência de milhões de civis ucranianos durante o inverno; a sabotagem da ponte, por outro lado, "pouco tem que ver com a destruição de infraestruturas imprescindíveis para a população russa". 

Apesar dos "bons auspícios" que davam conta de um possível acordo entre ambas as partes no sentido de definir uma zona desmilitarizada, a entrada de armamento pesado dentro do perímetro da central enfatiza as intenções russas de não concessão de território. Tudo aponta para que, por enquanto, os esforços de desmilitarização ou acordos de paz "não tenham efeito algum". 

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