Quer conversar sobre a guerra com uma criança e não sabe como? Perguntas e respostas que podem ajudar

6 mar 2022, 10:00
Criança brinca com uma bandeira da Ucrânia durante protesto em frente à embaixada ucraniana em Bucareste, Roménia (AP Photo/Andreea Alexandru)

A Ordem dos Psicólogos partilhou um guia em que tenta ajudar pais e cuidadores a lidarem com um tema sensível junto dos mais novos. Aqui englobamos respostas às várias dúvidas, bem como alguns exemplos em concreto

Há mais de uma semana que o mundo tem os olhos postos na Ucrânia, onde uma invasão russa provocou uma guerra em plena Europa. A situação é capa de jornais, abre todos os noticiários, é o tema dominante nas redes sociais e na opinião pública, meios que também são acedidos por crianças, que são apanhadas num turbilhão de informações, incluindo mortes e tragédias humanas.

Por isso mesmo, a Ordem dos Psicólogos elaborou um documento em que pretende ajudar a “conversar sobre a guerra”, um guia que ajuda pais e cuidadores de crianças e jovens a comunicar melhor sobre o que se está a passar.

1. Porque é importante conversar sobre a guerra?

A Ordem dos Psicólogos nota que a maior parte das crianças e jovens vivem em ambientes não violentos, mas não é por isso que temas mais sensíveis, como é o caso, não devem ser discutidos. Os especialistas lembram que, desde muito cedo, esta é uma população que é exposta a situações do género, “através do que ouvem e veem nos meios de comunicação social”.

“Se, para os adultos, a guerra é assustadora, para as crianças e os jovens, pode ser aterrorizadora”, refere o documento.

Medo, dor ou confusão são alguns dos sentimentos que podem surgir nos mais novos quando se deparam com imagens como as que temos visto, de pessoas feridas, cidades destruídas ou milhares de refugiados, alguns deles da idade ou mais novos que a criança em causa.

É por isso que, segundo a Ordem dos Psicólogos, “é importante conversar com as crianças e os jovens sobre a guerra”. Os especialistas dizem que o melhor é dar toda a informação apropriada à idade, desde que compreensível, assegurando sempre que haverá um sentimento de proteção e segurança.

No entanto, destaca o documento, não há necessidade de conversar sobre o tema se as crianças não mostrarem esse interesse, sobretudo no caso das mais novas, que “não devem ser forçadas a tomar consciência sobre a existência de uma guerra”. Nestes casos, o mais importante é “mostrar que estará sempre disponível” para conversar.

No caso de perguntas demasiado específicas, será importante realçar que há pessoas com visões diferentes, dando sempre a oportunidade de a criança responder à pergunta “O que é que tu achas?”.

2. As crianças vão sentir-se mais assustadas por falar sobre guerra?

A resposta da Ordem dos Psicólogos é clara: “Não”. Os especialistas alertam que é necessária uma resposta sensível, e destacam que “é ainda mais assustador pensar que ninguém pode falar connosco” sobre o tema.

Assim, uma fuga ao assunto pode gerar emoções e sentimentos desagradáveis, aumentando o receio da criança, que poderá sentir-se desprotegida.

De resto, este tipo de conversa pode ser essencial para se corrigirem ideias erradas, para transmitir confiança, mas também para direcionar a criança em relação à informação a que têm acesso.

3. As crianças e os jovens compreendem o que é uma guerra?

Em relação às crianças, a mensagem que a guerra passa é contrária à educação com base no “respeito, bondade, paz e compaixão” que os adultos tentam passar. Ainda assim, diz a Ordem dos Psicólogos, “as crianças e os jovens compreendem o que é o sofrimento”, nem que seja por forma de analogias que lhes façam sentido, comparando experiências próprias para compreenderem a situação melhor.

4. Quais os impactos de uma guerra nas crianças?

Os efeitos são quase exclusivamente psicológicos, e podem levar a que as crianças se sintam confusas, perturbadas, ansiosas, assustadas, preocupadas ou tristes. Mas poderá haver situações mais graves, em que algumas dessas perturbações evoluem para estados de alterações nos padrões de sono, no comportamento, na perda de apetite, ou na manutenção da concentração.

Na prática, diz a Ordem dos Psicólogos, uma criança pode começar a ter pesadelos, dificuldade em adormecer ou a acordar mais cedo que o normal, mas também a mostrar uma maior dependência dos adultos, maior irritabilidade ou as conhecidas “birras”. Nos jovens, um pouco mais velhos, podem notar-se problemas como agressividade ou alteração do comportamento escolar.

No caso das crianças que não tenham uma abordagem sobre a guerra, podem refletir-se os problemas evidenciados pelos pais ou cuidadores, como o stress ou ansiedade.

5. Como conversar sobre a guerra?

Aqui, a Ordem dos Psicólogos dá 12 conselhos:

  • “Permitir à criança/jovem expressar os seus pensamentos e sentimentos”. É importante que pais e cuidadores se demonstrem disponíveis para falar sobre o assunto. Perguntar sobre qual o sentimento da criança em relação à situação, e explicar que é natural que existam receios. Há crianças que podem não ter tanto à vontade para falar, mas que podem exprimir-se através de desenhos, brincadeiras ou histórias direta ou indiretamente relacionadas.
  • “Escutar e descobrir o que a criança/jovem já sabe”.  É importante ouvir a criança, nomeadamente se esta tiver uma atitude espontânea e começar a comentar ou a questionar sobre o assunto. “A melhor abordagem é deixar as preocupações das crianças, nas suas próprias palavras, guiarem a conversa”. Caso parta dos adultos, pode ser relevante saber o que já sabem sobre o que se passa. Aqui, é necessária atenção também à linguagem não verbal: “as expressões faciais, os gestos ou tom de voz, por exemplo, também podem revelar emoções”.
  • “Validar os sentimentos da criança/jovem”. Comunicar à criança que a guerra pode ser confusa e complicada, mas evitar dizer “não te preocupes”, preferindo dizer algo como “pareces triste quando falamos sobre isto. Eu também estou triste”. No fundo, mostrar alguma empatia, dando a entender que os sentimentos são naturais e compreensíveis, e que são semelhantes aos dos adultos. Nunca julgar a criança pela forma como se sente, mesmo que pareça não fazer sentido.
  • “Adequar a linguagem e a informação à idade da criança/jovem”. Não se trata de minimizarmos a situação, mas antes de simplificar a questão por termos que possam ser mais fáceis de entender. Não há necessidade de sobrecarregar a criança com informação que esta não vai conseguir processar, e que só a colocaria ainda mais confusa. É também importante perceber o contexto de cada criança, que pode ter maior ou menor vivência com situações do género.
  • “Assegurar as crianças e jovens de que estão protegidos e seguros”. Por vezes as crianças, sobretudo as mais novas, interpretam tudo de uma forma menos lógica. Podem pensar, por exemplo, “se há uma guerra na televisão, também pode haver uma na escola”. Importante repetir que estão seguras, tal como a família. Aqui, o contacto físico ganha outra importância, bem como a manutenção das rotinas habituais.
  • “Sublinhar que há esperança e muitas pessoas a tentar ajudar”. Dar conta dos atos de coragem realizados por muitos, como voluntários, bombeiros ou socorristas, recordando “atos de humanidade e amor entre as pessoas”. Além disso, todas as guerras acabam, e pode haver sempre uma solução não violenta no fim de tudo.
  • “Assistir às notícias em conjunto com as crianças mais velhas e jovens”. Nas crianças mais novas é importante controlar a informação a que têm acesso, restringindo o que for mais complexo ou imagens perturbadoras. Isto vale para a televisão, mas também para as plataformas na Internet. Nos mais velhos deve procurar-se um acompanhamento das informações. Pode-se, por exemplo, assistir às notícias em conjunto, estimulando questões e a opinião dos mais novos.
  • “Evitar estereótipos”. Não polarizar a opinião, colocando de um lado “os bons” e do outro “os maus”, evitando imagens ou informação que o façam. Não se devem criar estereótipos sobre grupos de pessoas, nomeadamente sobre as suas crenças, nacionalidade ou cultura. De resto, esta pode ser uma boa oportunidade para fomentar a tolerância e a compaixão.
  • “Utilizar a conversa para encorajar a discussão de outros temas”. Se a conversa evoluir, isso pode ser bom, e pode servir para que sejam aplicadas lições noutras questões difíceis. Deve-se estimular essa conversa, abordando temas como, por exemplo, o bullying.
  • “Encorajar comportamentos pró-sociais”. Crianças e jovens podem sentir-se mais confiantes se puderem ajudar. Participar em ações humanitárias, como fazer doações para instituições, pode ajudar facilitar a abordagem ao assunto.
  • “Monitorizar o stresse a Saúde Psicológica das crianças/jovens”. É normal que umas crianças sejam mais afetadas que outras. Caso surjam alguns comportamentos que persistem, pode ser necessária a ajuda de um psicólogo para acompanhar a situação. Pode monitorizar isso através da Checklist Como me Sinto?
  • “Monitorizar e cuidar da nossa Saúde Psicológica”. As crianças também podem ser influenciadas pelo ambiente à volta, pelo que vão sempre observando o que fazem os adultos. É importante que pais e cuidadores consigam lidar com a ansiedade, não sobrecarregando as crianças com os seus eventuais problemas. Pode sempre consultar a Checklist Como me Sinto? destinada a adultos.

Os exemplos da Ordem dos Psicólogos

Para tornar o manual mais prático, a Ordem dos Psicólogos colocou uma série de exemplos que ajudam a explicar como agir em determinadas situações. Aqui reproduzimos essas questões.

  1. O que é a guerra? A guerra acontece quando os países ou grupos de pessoas não concordam sobre algo importante para todos, mas usam meios violentos para lutarem uns com os outros. Pode haver guerras entre países diferentes ou guerras entre grupos de pessoas de um mesmo país. Infelizmente, sempre existiram guerras.
  2. O avô e a avó estão bem? Sim, os avós estão bem. Eles vivem muito longe do local onde está a acontecer a guerra. Queres ligar-lhe para falares com eles? (É comum que crianças de todas as idades imaginem um risco imediato para os seus familiares e amigos).
  3. Também nos vão atacar a nós? A guerra está a acontecer longe de nós, por isso não precisas de te preocupar com ataques ou bombas a destruir a nossa casa. Vamos continuar todos juntos. (É comum que crianças de todas as idades imaginem um risco imediato para si próprias).
  4. Porque é que há pessoas que matam outras? Não tenho uma resposta para essa pergunta, também não entendo. De facto, nenhuma pessoa devia matar outra e todos devemos contribuir para que isso não aconteça.
  5. Porque é que existem guerras? As guerras podem acontecer por muitas razões. Por exemplo, um país pode achar que não tem território ou recursos suficientes e podem tentar obtê-los retirando-os, à força, de um outro país. Mas também podem acontecer porque um país quer “impor a sua forma de pensar e ver o mundo”.
  6. O nosso amigo/familiar vai morrer? Preocupa-te que lhe aconteça alguma coisa e já não o/a voltemos a ver, não é? Estamos todos preocupados. Mas o nosso amigo/ familiar não está sozinho e há muitas pessoas a tentar protegê-lo/a. Vamos esperar que ele/a volte para casa, em segurança, o mais rapidamente possível. (Sobretudo se um familiar da criança/jovem está realmente em perigo, não é adequado minimizar a preocupação da criança/jovem, nem dar-lhe uma certeza – “vai ficar tudo bem” – que nós próprios não temos. É preferível reconhecer e partilhar dos seus receios).

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