O Ocidente está a ficar sem hipóteses de castigar Putin

CNN , Análise por Stephen Collinson
6 abr 2022, 08:12
Vladimir Putin (AP Images)

A revolta do Ocidente, as novas sanções e a promessa de armas de última geração vieram tarde demais para salvar o homem que foi encontrado morto ao lado da sua mota, num monte de relva, nos arredores de Kiev.

O homem foi fotografado num fim de semana de imagens atrozes na Ucrânia.

Ele foi um dos muitos civis inocentes cujo destino colidiu, de forma aleatória, com a invasão bárbara do Presidente Vladimir Putin. As cenas reveladas, à medida que as tropas russas se retiram de Kiev, estão a trazer ao de cima recordações das últimas atrocidades cometidas contra os ucranianos pelos Nazis, na Segunda Guerra Mundial.

Este é um retrato do preço cruel que os civis ucranianos estão a pagar pela obsessão de Putin com a humilhação russa durante a Guerra Fria, e resume a forma como a resposta mundial a crimes contra a humanidade, sem ação militar, não consegue acompanhar uma guerra violenta no terreno.

A sensação de revolta sobre o que está a acontecer na Ucrânia gerou um novo impulso para responsabilizar a Rússia, na segunda-feira. A União Europeia e a Ucrânia lançaram uma nova sonda sobre potenciais crimes de guerra nos subúrbios de Bucha, em Kiev, onde foram encontrados corpos espalhados pela rua. Os membros do Congresso pediram ao Presidente Joe Biden para acelerar o fluxo de armas que entram na Ucrânia, para combater a invasão. A pressão está a aumentar para a União Europeia aceitar o que seria um golpe económico duro, ao cortar completamente as exportações de petróleo e carvão russos.

Biden reagiu ao aumento das ações desumanas, na segunda-feira, pedindo mais sanções e um julgamento por crimes de guerra contra Putin.

“Devem lembrar-se de que fui criticado por chamar Putin um criminoso de guerra”, disse Biden. “Ele é um criminoso de guerra. Este homem é cruel”.

Mas a horrível tragédia na Ucrânia está a revelar que as medidas que o Ocidente está disposto a considerar para punir Moscovo e que o impacto a longo prazo da guerra não podem fazer muito para salvar os civis que estão a ser atacados.

É questionável se alguma das potenciais respostas ao desejo de sangue das tropas de Putin irá influenciar o impiedoso líder russo.

O reflexo dos líderes de implementar condenações chocantes, exigir responsabilidades e atacar Putin é compreensível. Também é fundamental que o mundo não se sinta obrigado a aceitar.

Mas é pouco provável que o Oeste trave a campanha de atrocidades de Putin a curto prazo, especialmente depois de o líder russo se ter mostrado imune à injúria moral. E, dada a escala do massacre já cometido, incluindo ataques a prédios civis, hospitais e abrigos anti bombas, este também parece já ter passado há muito qualquer tipo de moderação.

Houve um novo impulso para novas punições contra a Rússia, após um fim de semana em que surgiram imagens assustadoras de civis a serem mortos, como se estivessem a ser executados, em Bucha. Uma equipa da CNN também viu uma vala comum na cidade, no sábado, e assistiu à remoção de corpos de uma cave, na segunda-feira.

Na segunda-feira, a Ucrânia avisou que tais cenas podem ser “a última gota” e o Presidente Volodymyr Zelensky disse que estavam a ser reveladas atrocidades piores.

“Já existem informações de que o número de vítimas dos ocupantes pode ser ainda maior em Borodyanka e noutras cidades libertadas”, disse Zelensky.

“Em muitas vilas dos distritos libertados de Kiev, nas regiões de Chernihiv e Sumy, os ocupantes fizeram coisas que os locais nunca tinham visto, nem durante a ocupação Nazi, há 80 anos”.

Putin sabe os limites do Ocidente

As sanções mais duras de sempre, o novo estatuto da Rússia como pária mundial e o seu isolamento cultural, diplomático, económico e desportivo ainda não travaram o homem do Kremlin. Dada a posição política aparentemente segura de Putin, este não se mostra preocupado em ser chamado de criminoso de guerra e as hipóteses de vir a ser julgado são remotas, o que impede uma enorme mudança política na Rússia.

Entretanto, o desprezo da Rússia pela noção de responsabilidade foi realçado através das suas afirmações absurdas de que as cenas de corpos decompostos a serem retirados de caves e as imagens de civis aparentemente executados teriam sido encenadas pelos ucranianos.

Com a maior reserva de ogivas nucleares do mundo, Putin sabe que o Ocidente não está disposto a intervir diretamente na Ucrânia e que corre o risco de um confronto desastroso com a Rússia, se usar medidas como uma zona de exclusão aérea para salvar civis.

Ele está a mostrar o motivo pelo qual outros ditadores podem vir a considerar ter armas nucleares. O tipo de intervenções do Ocidente para salvar civis, em sítios como Kosovo ou Líbia, são proibidas na Ucrânia, simplesmente devido ao poder implícito do arsenal do líder russo e à sua demonstração de poder militar no início da guerra.

80 anos depois de ditadores como Adolf Hitler, na Alemanha, ou Estaline, na União Soviética, terem espalhado o terror dentro e fora dos seus países, Putin está a criar um espetáculo atroz para o século XXI, o de um ditador que não pode ser detido.

Um tipo especial de impunidade

A disposição de Putin para absorver castigos já impostos à Rússia por causa da invasão, deu-lhe um tipo especial de impunidade. As sanções à economia e oligarcas russos podem ter um impacto debilitante a longo prazo. Mas falharam claramente como ferramenta de dissuasão.

O líder russo também parece estar disposto a tolerar grandes perdas entre as suas tropas, face à resistência heroica das forças ucranianas. A nova estratégia russa para tentar consolidar o controlo das regiões a leste pode, contudo, mostrar que até Putin pode ser afetado por eventos, ao longo do tempo.

Do lado de fora, a guerra é um desastre militar, diplomático e económico para a Rússia, depois de não terem conseguido alcançar os seus principais objetivos. Mas ainda pode ser um sucesso perverso para Putin, se o seu objetivo for simplesmente destruir o máximo possível da Ucrânia, para mostrar a sua vitória nos meios de comunicação estatais russos.

Portanto, em muitos aspetos, ele está a fazer um jogo assimétrico com o Ocidente, cujas sanções e medidas punitivas se baseiam num ponto de vista mais lógico sobre os interesses da Rússia e as suas próprias limitações.

Ainda assim, a Casa Branca reagiu ao horror proveniente da Ucrânia, prometendo acelerar a ajuda militar, humanitária e económica a Kiev.

“As imagens de Bucha reforçam que este não é o momento para complacência”, disse o conselheiro de segurança nacional dos EUA, na segunda-feira.

Essa ajuda pode encurtar a guerra e atenuar os ataques a civis nas próximas semanas e meses. Mas Putin tem cercado e bombardeado cidades ucranianas há semanas. Milhões de pessoas já fugiram do país para a Europa Ocidental, como refugiados.

Um julgamento como os de Nuremberga?

Também está a aumentar o impulso para algum tipo de mecanismo formal para responsabilizar o líder russo pelos crimes de guerra. O antigo Primeiro-Ministro ucraniano, Arseniy Yatsenyuk, disse a Jake Tapper, da CNN, na segunda-feira, que a invasão foi o maior desastre na Europa desde a Segunda Guerra Mundial e que merecia um sistema de justiça parecido aos dos julgamentos de Nuremberga dos criminosos de guerra nazis.

“Temos de nos preparar agora. Temos de começar, urgentemente, uma espécie de investigação conjunta, para estarmos preparados para levar Putin à justiça e o pôr atrás das grades”.

Mas a natureza do sistema internacional pós-Guerra Fria complicaria a implementação de um sistema que tivesse legitimidade global. A Rússia, por exemplo, certamente vetaria qualquer tentativa de envolvimento das Nações Unidas, com o seu voto no Conselho de Segurança. A China também tentaria impedir qualquer esforço para condenar os abusos contra os direitos humanos, devido à sua própria repressão contra os muçulmanos Uyghur, que os Estados Unidos rotularam de genocídio.

Ainda assim, a dificuldade em levar Putin à justiça não significa que os russos mais abaixo na cadeia de comandos não possam ser investigados, apesar de o Tribunal Penal Internacional, em Haia, não efetue julgamentos sem réus presentes. Contudo, a organização já fez investigações na Ucrânia, que aceitou a sua jurisdição, apesar de não ser um membro do tribunal.

Um novo golpe potencialmente duro contra a Rússia poderia vir da Europa, à medida que a União Europeia implementa novas sanções. O Presidente francês, Emmanuel Macron, apoiou uma proibição das exportações de carvão e petróleo russos para a UE, ainda esta semana.

Mas é pouco provável que outras grandes potências, incluindo a Alemanha, vão tão longe, dada a escassez de energia e o aumento da inflação já elevada que daí resultariam.

Tal passo seria, sem dúvida, uma ajuda para o fraco financiamento da guerra na Ucrânia.

Mas, a curto prazo, também levantaria duas questões: O Putin é sequer afetado pela pressão? E quantos mais civis ucranianos terão de morrer até isso acontecer?

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