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Professor Universitário e Doutor em Cibersegurança

Frequências do exército russo e ataques informáticos. A guerra no plano da cibersegurança

5 mar 2022, 11:54

Faz hoje, exatamente agora, que estou 24 horas sem dormir numa semana intensa. A cada linha deste texto escrevo uma gralha, sou obrigado a apagar e a reescrever e mesmo assim repito o erro. Todas estas noites desde o início do ataque à Ucrânia que ninguém pára e os números dos resistentes vão caindo à medida que a realidade vai assentando. Todos temos a mesma pergunta: será este um trabalho inglório? Será que a Rússia vai abrandar os ataques? Quantos mais destas fileiras vão desistir?

Não sei dar a resposta a estas questões.

Dentro do grupo que vou seguindo atentamente, a verbosidade cai e as imagens a analisar deixam de ser sobre localizações de colunas militares e passam a ser sobre o que havia num determinado local. De um grupo onde freneticamente trabalhavam em turnos de 12 horas mais de 600 pessoas, restam umas 100 que fazem todo o trabalho.

O dia já ia longo e inesperadamente ganha-se alento e gera-se um burburinho, dos Anonymous chegou uma lista interminável de frequências usadas pelo exército russo e, portanto, será tempo de os provocar e impedir de comunicar por meio alternativo ao satélite. Tem sido uma risota, a cada pedido de assistência ao comando russo há uma voz ucraniana que os provoca “ninguém te vai ajudar! Vão ser apanhados por Javelins”.

As provocações seguem-se vezes e vezes sem conta, frequência atrás de frequência. Uma plataforma desenvolvida e oferecida, conseguem saltar de canal em canal a cada mudança do opositor e mesmo assim as provocações seguem.

 

Como se o momento e o ambiente não houvesse recebido uma injeção de moral, eis que se recebe nova e bombástica notícia: BN65, ao estilo de um filme da Missão Impossível, dava passos no objetivo de destruir o projeto espacial da Rússia e em particular a plataforma de monitorização de veículos, a rede de satélites de análise e de imagem. Depois do acesso escalou privilégios, prova que é root e destrói o conteúdo.

Claro que este é um ambiente tenso onde não ocorrem muitos momentos de descontração. O foco está nas imagens que não podem passar na televisão, aquelas onde pessoas estão inanimadas pelo chão e é fundamental identificar o local para que seja possível também às cadeias noticiosas mostrar ao mundo o horror que enfrenta um povo já encurralado em muitas cidades. Aos poucos vou assistindo a esta “montanha russa” de emoções e vemos todos o inevitável a acontecer. Assistimos em direto ao desaparecer em escombros de uma nação inteira.

Entre o jogo do deve e do haver dos ataques informáticos e dos grupos organizados de hacktivismo, o panorama é equilibrado. Na imensidão dos ataques aos ucranianos o impacto é grande pois o país tem neste momento parcos recursos informáticos e há uma peste de ransomware que apaga o conteúdo dos computadores. Aqui a firewall é mesmo a falta de Internet pois sem esta o problema não dispersa e, na verdade, problema é mesmo a guerra, a destruição e a fome que se instala ferozmente.

 

 

Do lado russo há uma noção do custo dos ataques. Podem ser vistos dezenas de postos de abastecimento de energia para veículos elétricos bloqueados e que mostram mensagens de apoio à Ucrânia nos visores. Durante umas horas no dia 1, em quase todos os canais de televisão, o hino da Ucrânia passou em loop. As pessoas começam a reunir-se na rua pois há já um mau estar social e a missão de fazer chegar a todos os cidadãos da Rússia o que na realidade está a acontecer com os seus vizinhos, com os seus pais, com os seus filhos na frente, começa a ter sucesso.

Antes de me despedir, faço uma reflexão que de tecnológica não tem nada. Aliás, cada vez mais nestas intervenções, começa a não fazer sentido relatar o que se passa em termos tecnológicos pois a componente humana que se perde é dominadora. Que importará ao leitor o click, o byte, o site, a firewall, o monitor ou a televisão quando a história está condenada a repetir-se? Que o diga Yelena Osipova que sobreviveu ao cerco de Leningrado onde o seu povo foi severamente punido sem culpa, para ver agora o seu povo a cercar novas Leningrados.

A Yelena Osipova espero e desejo que sobreviva novamente ao ciclo que vê repetir. A nós, desejo que este ciclo não se repita uma terceira vez.

 

 

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