E, de repente, Netanyahu é muito menos amigável com Putin - e como a neutralidade de Israel pode estar a mudar

CNN , Anshel Pfeffer
8 fev 2023, 08:00
O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, com o presidente russo, Vladimir Putin, em Moscovo, em 2020. Créditos: MAXIM SHEMETOV/POOL/AFP/Getty Images

OPINIÃO | Anshel Pfeffer é jornalista do Ha'aretz e correspondente israelita do The Economist. É o autor de "Bibi: The Turbulent Life and Times of Benjamin Netanyahu". As opiniões expressas neste texto são as suas

Muito antes do início da atual guerra na Ucrânia, há quase um ano, Israel mantinha uma rigorosa neutralidade nas hostilidades entre a Rússia e a Ucrânia. Mas isso pode estar prestes a mudar.

Desde que chegou ao poder no final de 1999, o presidente russo, Vladimir Putin, tem feito tudo o que está ao seu alcance para cortejar a liderança israelita. Certificou-se de realizar uma reunião pelo menos uma vez por ano com o primeiro-ministro israelita em exercício, normalmente nas suas residências em Sochi ou Moscovo, e de poucos em poucos anos viajava para Jerusalém.

Um ex-diplomata russo explicou-me que "Putin respeita a força e vê Israel como um país forte com o qual deseja manter boas condições".

O mesmo se aplica aos líderes de Israel, especialmente Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro mais antigo do país, que regressou ao cargo no final de 2022.

Netanyahu estava tão orgulhoso do que afirmou ser uma relação próxima com Putin que, em 2019, utilizou fotografias deles juntos como parte da sua campanha eleitoral. Em várias ocasiões disse que a sua relação era vantajosa para os interesses estratégicos de Israel.

Um exemplo disto foi quando a Rússia enviou pela primeira vez os seus militares para a Síria devastada pela guerra, em setembro de 2015, para apoiar o regime manchado de sangue do presidente Bashar al-Assad. Em poucos dias, Netanyahu estava em Moscovo à frente de uma delegação militar para uma reunião não agendada com Putin.

Os dois líderes chegaram a um acordo segundo o qual Israel continuaria a operar no espaço aéreo sírio, mas apenas atacaria alvos ligados ao seu inimigo Irão, deixando as forças de Assad intactas. Um "mecanismo de eliminação de conflitos", incluindo uma linha direta entre o centro de comando russo na Síria e o quartel-general da Força Aérea de Israel, foi rapidamente estabelecido.

Ao longo dos anos, altos funcionários israelitas têm-se esforçado para salientar que, embora o principal aliado estratégico de Israel continue a ser os Estados Unidos, era crucial manter a coordenação com os russos.

Em 2014, apesar da pressão de Washington, Israel recusou juntar-se aos governos ocidentais na condenação da anexação da Crimeia pela Rússia. A neutralidade deveria ser mantida ao longo de todo o processo.

Quando a Rússia invadiu a Ucrânia em 24 de fevereiro do ano passado, Netanyahu não se encontrava no poder. O primeiro-ministro era Naftali Bennett e manteve-se fiel à política de neutralidade.

Bennett explicou-me que "não estamos na mesma posição que outros países": "Temos a Rússia logo a seguir à nossa fronteira com a Síria. Temos de ter em consideração a presença de grandes comunidades judaicas tanto na Rússia como na Ucrânia, que poderiam ser afetadas. E, além disso, é útil para todos ter um governo como o de Israel que tem bons laços com ambos os lados para servir de intermediário."

Nas primeiras semanas da guerra, Bennett embarcou numa missão de paz na qual visitou Putin no Kremlin e teve várias conversas com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky. Ele insistiu que "havia 50% de hipóteses de chegar a um cessar-fogo, infelizmente falhou". Afirmou também que o seu envolvimento ajudou a intermediar tréguas locais de curto prazo, o que permitiu salvar civis da zona de guerra.

Qualquer esperança de um cessar-fogo desapareceu há muito tempo e, desde então, a Ucrânia solicitou publicamente a Israel ajuda para o fornecimento de armas, especialmente sistemas de defesa antimísseis como a Cúpula de Ferro. Israel enviou ajuda humanitária, mas recusou-se a enviar armas.

Nos últimos meses, quando a Rússia começou a utilizar drones iranianos para atacar alvos ucranianos, Israel concordou em fornecer a Kiev, através da NATO, informações de inteligência e técnicas sobre como combater a ameaça dos drones iranianos.

Nem todos na liderança israelita concordaram com a política neutra de Bennett. O seu parceiro político e então ministro Yair Lapid foi mais direto na condenação pública dos crimes de guerra russos na Ucrânia.

As opiniões também se dividiram entre os que garantem a segurança do país. Um general israelita disse-me que "o medo da Rússia é exagerado e Israel poderia ter apoiado muito mais a Ucrânia sem qualquer receio de retaliação".

Dez meses após a invasão russa, Netanyahu regressou ao poder. De repente, ele ficou muito menos amigável para com Putin. Recebeu um telefonema de felicitações de Putin uma semana antes da sua tomada de posse, mas foi tudo. Entretanto, em entrevistas aos meios de comunicação social, disse que estava a reconsiderar a política de Israel na guerra da Ucrânia, embora não tenha especificado qualquer detalhe.

"Netanyahu tem duas razões imediatas para mudar a política e apoiar a Ucrânia", disse-me um antigo oficial dos serviços secretos israelitas que estava profundamente envolvido nas relações militares de Israel com a Rússia.

"Primeiro, a Rússia diluiu grandemente as suas forças na Síria, uma vez que eram necessárias na Ucrânia. A ameaça russa a Israel é agora insignificante", disse o oficial.

"Em segundo lugar, a Rússia está a usar drones e mísseis iranianos no campo de batalha e Israel tem agora uma valiosa oportunidade de fornecer à Ucrânia sistemas de defesa para que possamos ver como eles se comportam numa guerra real. Um dia poderemos ter de enfrentar as mesmas armas iranianas", acrescentou.

Um diplomata israelita acrescenta outra razão pela qual Netanyahu consideraria apoiar a Ucrânia de forma mais vigorosa. Ao contrário do governo Bennett-Lapid, a sua nova coligação de partidos de extrema-direita e ultrarreligiosos é olhada com desconfiança pela administração Biden, que já manifestou o seu descontentamento com os planos do novo governo para uma reforma da legislação que enfraquece drasticamente os poderes e a independência do Supremo Tribunal de Israel.

Na semana passada, o secretário de Estado norte-americano Antony Blinken visitou Jerusalém e, ao contrário do que acontecia no passado, não convidou o primeiro-ministro para visitar a Casa Branca.

Uma mudança israelita em relação a Kiev pode ser a melhor esperança de Netanyahu de obter favores de Washington.

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