Depois da guerra, o tráfico de seres humanos. Como as crianças são sempre as maiores vítimas

19 mar 2022, 08:00

A crise de refugiados provocada pela guerra na Ucrânia é já considerada pelas organizações internacionais como a de "crescimento mais rápido" desde a Segunda Guerra Mundial. "E não há sinais de abrandamento", alerta a UNICEF

A invasão russa da Ucrânia já fez mais de três milhões de refugiados, dos quais 1,5 milhões são crianças, de acordo com dados divulgados pela UNICEF, que precisa que, a cada minuto que passa, 55 crianças fogem da Ucrânia e tornam-se refugiadas.

"Em média, desde o início da guerra, todos os dias mais de 75 mil crianças tornam-se refugiadas. Este último número é particularmente chocante: a cada minuto que passa, 55 crianças fogem do país. Isto significa que, a cada segundo que passa desde o início da guerra, uma criança ucraniana torna-se refugiada", indica a UNICEF, em comunicado divulgado esta terça-feira.

Esta crise de refugiados é já considerada pelas organizações internacionais como a vaga de "crescimento mais rápido desde a Segunda Guerra Mundial". "E não há sinais de abrandamento", diz a UNICEF, no mesmo comunicado.

Com a passagem de milhares de refugiados por dia que, muitas vezes, fogem da guerra sem documentos de identificação, as fronteiras com a Ucrânia tornam-se terreno fértil para a operação de redes criminosas de tráfico humano. As equipas de voluntários que recebem refugiados nos países fronteiriços contam que é comum as crianças chegarem sozinhas à fronteira, sem quaisquer documentos, tornando-se assim alvos fáceis para estas redes criminosas.

"Tal como todas as crianças que são retiradas das suas casas pela força da guerra ou de um conflito, as crianças ucranianas que chegam aos países vizinhos correm o risco de ficarem separadas das suas famílias, de sofrerem violência, exploração sexual e tráfico", alerta a UNICEF.

Esse teria sido, provavelmente, o desfecho de uma situação que o deputado do PAN Nelson Silva testemunhou na fronteira da Ucrânia com a Polónia. Em declarações à CNN Portugal, o deputado denunciou situações de tráfico de crianças naquela fronteira, onde fez trabalho humanitário, e viveu de perto uma dessas situações, quando se deparou com um conjunto de crianças que estava a entrar numa viatura que não lhes era familiar, como conta aqui.

De acordo com Nelson Silva, "centenas de crianças desacompanhadas, sem qualquer familiar" cruzam todos os dias a fronteira entre a Ucrânia e a Polónia, ficando assim "à mercê da rede de tráfico de seres humanos, que está a operar de forma demasiado livre junto às fronteiras".

Refugiados da guerra na Ucrânia chegam à fronteira com a Polónia (AP Photo/Visar Kryeziu)
Refugiados da guerra na fronteira da Ucrânia com a Polónia (AP Photo/Markus Schreiber)

A diretora da angariação de fundos da Aldeia das Crianças SOS Portugal manifestou-se particularmente preocupada com as "cerca de 100 mil crianças em instituições de acolhimento residencial" na Ucrânia, instituições que, com a invasão russa, ficaram sem meios de suporte.

Em declarações à CNN Portugal, Filipa Morais salientou que estas crianças correm "um risco enorme", uma vez que "a probabilidade de serem retiradas é muito baixa", dada a dificuldade de acesso das organizações de ajuda humanitária ao território ucraniano e a essas instituições em específico: "Há muitas localizações em que estamos a tentar atuar, mas está a ser muito difícil", admitiu.

"Há crianças a serem abandonadas. Há muitas crianças que chegam à fronteira sem documentos", alertou.

Crianças refugiadas da guerra na Ucrânia aguardam num abrigo (AP Photo/Markus Schreiber)

Como ajudar as crianças refugiadas?

No meio da multidão que foge à guerra, sobressaem os rostos de crianças desamparadas, por vezes acompanhadas pelas mães, outras vezes, sem conhecer ninguém em seu redor. São imagens que não passam despercebidas e que levam a que várias pessoas se ofereçam para acolher estas crianças e jovens. Em declarações à CNN Portugal, a Cruz Vermelha Portuguesa contou que tem recebidos muitos pedidos de pessoas que querem ficar com crianças refugiadas. 

"Já recebi tantas chamadas a pedir crianças assim", confessou à CNN Portugal fonte da associação, lembrando que a Cruz Vermelha não atua nesse sentido.

A Aldeias de Crianças SOS Portugal relata o mesmo: "Todos os dias atendemos chamadas e recebemos e-mails de pessoas que querem acolher crianças ucranianas."

Na verdade, acolher uma criança nesta situação é uma decisão que deve ser ponderada e que tem as suas burocracias. A UNICEF Portugal lembra que não se trata de um processo de adoção, mas de "acolhimento temporário", porque a ideia é acolher a criança até que esta regresse à sua família.

"As crianças separadas dos seus pais durante uma emergência humanitária não podem ser consideradas órfãs e não estão disponíveis para adoção. Até que o destino dos pais de uma criança ou de outros familiares próximos possa ser verificado, cada criança separada – mesmo aquelas que viviam em instituições de acolhimento antes da guerra – é considerada como tendo familiares próximos vivos", refere a UNICEF Portugal, acrescentando que "todos os esforços devem ser feitos para reunir as crianças com as suas famílias quando possível".

Em Portugal, quem quiser acolher crianças e famílias refugiadas, deve candidatar-se através da plataforma de apoio aos refugiados. No caso dos menores que vêm sozinhos, sem qualquer familiar em Portugal, "o processo de acolhimento tem de passar sempre pela Segurança Social", explica a jurista Carmo Belford à CNN Portugal. 

O Governo criou também uma plataforma eletrónica de registo de casos de crianças não acompanhadas, disponível em https://portugalforukraine.gov.pt/, e foi criado um serviço de esclarecimento de dúvidas, através do email childcare.ukraine@seg-social.pt.

Acima de tudo, para a diretora da angariação de fundos da Aldeia das Crianças SOS Portugal, é importante perceber que estas crianças vêm de uma situação complexa, "estão traumatizadas" não só pelas situações que as levaram às instituições de acolhimento residencial, mas também pela guerra na Ucrânia, país que deixam para trás. "É o seu país, era a sua casa, e temos de entender tudo isto". 

"Não desfazendo o carinho que as pessoas possam dar, que é extremamente importante, mas tem de haver um acompanhamento de profissionais da área de psicologia, educadores sociais, entre outros", acrescentou.

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