Como a guerra afeta a saúde: os sinais a que devemos estar atentos e as estratégias para "dar a volta"

15 mar 2022, 08:00
Jovem ao telemóvel. (AP Photo/Lee Jin-man)

Insónias, stress, vontade incontrolada de consumir mais e mais informação, mudanças no apetite e irritabilidade. São muitas as consequências diretas e indiretas de uma guerra e o facto de a informação estar à distância de um clique em nada ajuda. Saiba o que pode fazer para salvaguardar a sua saúde mental

As notificações não param, as redes sociais enchem-se de vídeos, os grupos de chat partilham mais e mais informação e, quando dá por si, já não consegue parar de pensar na guerra. Sensação de déjà vu? É possível, há dois anos acontecia exatamente o mesmo com a chegada de um vírus altamente transmissível e mortal.

Viemos do rescaldo de uma pandemia, ninguém estava à espera de uma guerra. Passámos de uma calma aparente para uma controvérsia de sentimentos, achávamos todos que estávamos a ficar mais relaxados e, de repente, toda esta situação veio trazer medo, ansiedade, stress, impotência”, começa por dizer à CNN Portugal Marta Martins Leite, psicóloga na Clínicas Leite, em Lisboa.

A invasão da Ucrânia por parte da Rússia dura há já quase três semanas e até mesmo quem assiste à distância fica afetado com a sucessão de acontecimentos, sobretudo se não souber colocar um travão no consumo de informação.

“O facto de este conflito ser na Europa e envolver uma das maiores potências bélicas, económicas e políticas do mundo, impacta-nos de uma maneira diferente. É legítimo que nos sintamos preocupados, tristes, assustados e até irritados ou zangados”, diz Débora Bento Correia, psicóloga clínica no consultório Filipa Jardim da Silva.

A psicóloga considera que “o medo, a complexidade e imprevisibilidade da situação, o facto de sentirmos que está totalmente fora do nosso controlo, contribui para níveis elevados de ansiedade, stress, angústia, desesperança e sofrimento, impactando a nossa saúde mental”.

“É um conflito que pode desencadear traumas a longo prazo e daí a importância de acompanhamento especializado”, frisa Marta Martins Leite.

Que sinais dá o corpo quando é hora de ‘desligar’?

A psicóloga Marta Martins Leite considera importante prestar atenção a alguns sinais de alerta, sobretudo à vontade quase desmesurada de consumir mais e mais informação sobre a guerra, que acaba por ser o trampolim para o efeito que uma guerra pode ter na saúde física e mental, que atuam como uma só, influenciando-se mutuamente. 

“As redes sociais são ótimas, mas é necessário selecionar o que é real ou não, mas não é benéfico para a saúde estar sempre a ler e falar do assunto”, alerta a psicóloga da Clínicas Leite.

Mas este é apenas um dos sinais a que a pessoa deve prestar atenção. De um modo geral, diz Marta Martins Leite, frisando que “cada caso é um caso”, a guerra pode “afetar a qualidade de sono”, em que a pessoa tem “alterações” no seu padrão normal de descanso noturno, “acorda durante a noite” e tem “insónias”.

Perante uma guerra, “percepcionada como ameaçadora e perigosa, que nos coloca numa posição de vulnerabilidade e impotência”, explica Débora Bento Correia, “a nossa amígdala – estrutura no nosso cérebro que é responsável por processar e regular as nossas emoções, nomeadamente as desagradáveis, como as que estão relacionadas com o medo – liberta cortisol e adrenalina para os nossos órgãos, preparando o nosso corpo para agir”. E como é que o corpo espalha isso? De muitas formas: “ batimento cardíaco acelerado, suores, boca seca, náuseas, tremores e tensão muscular”, enumera. 

“Já no que aos sintomas psicológicos diz respeito”, continua Débora Bento Correia, “alguns exemplos dessa agitação interna são, por exemplo, dificuldades de concentração, irritabilidade, pensamentos intrusivos, negativos e catastróficos, alterações de memória, maior foco nos aspetos negativos do que nos positivos e preocupação excessiva”.

Para além destes sintomas, a psicóloga defende que “é crucial” prestar atenção às reações comportamentais, como “alterações do tom de voz, agitação motora, estado de alerta constante e tensão nos maxilares”. 

E como a saúde física e mental pode ficar afetada?

Ao desvalorizar os sinais que o corpo e a mente dão, sobretudo de forma prolongada, o resultado pode ser mais prejudicial do que o desejado, podendo até criar um efeito bola de neve, em que se torna difícil perceber qual a causa e consequência, tal é a forma como os sintomas atuam em sinergia.

Para Débora Bento Correia, algumas das consequências mais diretas da incapacidade de desligar da guerra são “alterações intestinais, enxaquecas, tensões musculares, taquicardia (batimento cardíaco acelerado), alterações do ciclo menstrual, perda ou aumento de peso, dificuldades respiratórias ou até queda de cabelo e manchas na pele e até isolamento”.

A estes, Marta Martins Leite acrescenta ainda “irritabilidade e mudanças de humor” e “mudanças no apetite”, que podem levar “à perda ou ganho de peso”. Quanto a esta oscilação de peso, a nutricionista Bárbara Oliveira diz que acontece porque “a alimentação e saúde mental estão sempre muito ligadas, influenciam-se mutuamente”. 

A alimentação influencia a saúde mental no sentido em que aquilo que comemos, os nutrientes que consumimos, são transformados em outras substâncias químicas que têm impacto nas nossas funções cerebrais”, esclarece a nutricionista, que continua a explicação: “Existe um sistema eixo-cérebro-intestino em que intestino e cérebro estão ligados e o que comemos tem impacto na flora intestinal e esta tem impacto no nosso cérebro”, qual círculo vicioso.

Bárbara Oliveira diz que “a nossa saúde mental tem influência na nossa alimentação e que 40% das pessoas que têm tendência para stress e ansiedade têm também tendência para deixar de comer, 40% para comer mais e só em 20% das pessoas é que não há influência”.

“Isto tem tudo a ver com o facto de não termos uma boa gestão de emoções. Porque é que quando temos sono vamos dormir e quando estamos tristes e chateados vamos comer? Há hormonas que com o stress são segregadas pelo organismo e podem ter o efeito de despertar a fome, uma fome muito emocional, uma fome muito específica para alimentos mais palatáveis, que têm mais quantidade de gordura e açúcares simples”, diz a especialista em nutrição, frisando que este apetite - ou, em alguns casos, falta dele - pode ser um sinal de alerta.

Estratégias para estar a par da guerra, mas sem ficar absorvido no tema

Para Marta Martins Leite, “está na hora de parar” quando a pessoa tem “pensamentos de guerra de forma ruminante, quando a pessoa para de fazer as suas atividades de vida diária para ver a informação, quando o sono é prejudicado, quando fica mais irritada com as pessoas que são mais queridas, quando não está bem consigo mesma”. Mas colocar um travão nisto tudo não é fácil, reconhece.

“Estamos dispostos diariamente a muita informação, é importante que esta informação seja controlada”, diz a psicóloga Marta Martins Leite, que dá algumas dicas: “procurar informação de fontes fidedignas” e consumir apenas conteúdos relacionados com o conflito, sejam notícias ou através de redes sociais, “até ao almoço, para a pessoa digerir o que viu, processar a informação e relaxar e ter momentos de lazer durante o resto do dia”.

Para Débora Bento Correia, é também “fundamental que saibamos observar, reconhecer e validar as nossas emoções”. “Todos os sentimentos são válidos, permita-se experienciá-los sem crítica ou julgamento”, sugere a psicóloga clínica.

Para quem sente que a sua saúde está a ficar melindrada com a guerra, a psicóloga da Clínicas Leite sugere “tentar passar o máximo de tempo possível com os familiares e amigos, com pessoas que tragam conforto, e realizar atividades que distraiam e que tragam prazer”. E quanto ao telemóvel? Nada como treinar o controlo.

“Fazer desmame do telemóvel é uma boa estratégia, mas hoje em dia estamos muito agarrados ao telemóvel, que é uma forma de comunicação e distração, mas a pessoa deve apenas tentar usar para falar com pessoas que são amigas”, sugere Marta Martins Leite, que continua: “desligar notificações e pessoas” é também uma estratégia. “Simplesmente deixar de seguir, se não nos acrescenta, mais vale desligar”, frisa.

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