Este é um retrato duro do esforço de uma equipa médica para manter crianças a sorrir, com o tratamento adequado, numa cidade onde as ruas são tomadas por conflitos armados. Faz-se o impossível, luta-se pela vida
Numa mão uma arma, na outra um bebé recém-nascido a receber oxigénio. A bata de Vitaliy Demidov mantém as cores habituais de quem trata os mais pequenos. Ele é cirurgião no hospital pediátrico Okhmatdyt, bem no centro de Kiev. Recusa-se a abandonar o posto. A família, incluindo a mulher e o filho, já partiram para a República Checa.
Em Okhmatdyt, a cave do hospital tem sido usada como refúgio. Colchões no chão recebem mães e filhos. Os mais velhos estão conscientes do que se passa na cidade onde vivem. Livros, brinquedos, telemóveis. Tudo serve para lhes virar a atenção para outro lado. Até a habitual insistência para que comam, se ponham fortes.
Aqueles que necessitam de cuidados intensivos mantêm-se acima do nível do chão. Longe das janelas. Mas, quando tocam as sirenes, a equipa médica corre contra o tempo. É preciso levar as crianças nas macas, ligadas a ventiladores manuais, para o ‘bunker’. Para Vitaliy Demidov, é “a coisa mais triste”. Cinco ou seis vezes por dia.
A photo of Kyiv's Okhmatdet National Children's Hospital, taken by a colleague's friend, who gave premature birth to a baby about a month ago. Patients are holed up in hospital's basement while the city is under attack. pic.twitter.com/JjR6gq6NKZ
— Mike Eckel (@Mike_Eckel) February 26, 2022
Um esforço adicional para quem tem por missão salvar vidas, numa cidade onde tantas outras se perdem. Em Okhmatdyt, têm entrado crianças feridas, apanhados no meio dos confrontos armados. Mas há as outras que, mesmo sem uma guerra, já precisavam de tratamento. Neste hospital, especializado no tratamento do cancro pediátrico, só é possível ter acesso a formas muito básicas de quimioterapia neste momento.
Outros tratamentos foram interrompidos. Há relatos de falta de sangue, obrigando a fazer transfusões dos próprios pais. E o receio de que não seja possível evitar o pior, deixando a doença avançar. Retirar crianças para outros hospitais, em cidades como Lviv, nem sempre é possível. Porque o tempo de viagem e os obstáculos no caminho são sempre imprevisíveis.
“Vamos contar quantas pessoas ou soldados morreram nos ataques, mas nunca vamos contar quantos pacientes não foram diagnosticados a tempo, quantos pacientes morreram sem terem recebido tratamento” conta a médica Lesia Lysytsia.
No Instagram, Vitaliy Demidov vai partilhando o dia a dia neste hospital pediátrico. A alimentação tem chegado com a ajuda de voluntários. Com uma doação vinda do outro lado do mundo, dos Estados Unidos da América, foi ao supermercado comprar bens essenciais. Trouxe o possível, perante as longas filas e o que resta nas prateleiras.
Todos querem o mesmo, médicos e pacientes. Saúde e o fim da guerra. Escreve-se isso mesmo nos papéis, na esperança de que cheguem a quem tem o poder de tomar essa decisão. A vida é o mais importante. Num hospital sabe-se disso como em nenhum outro local. Porque ela se renova, mesmo em tempo de guerra. Em Okhmatdyt nascem dois irmãos gémeos.