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Balas e bUlinhos

28 mar 2023, 16:41

Muito se tem discutido nas redes sociais acerca das munições de Urânio empobrecido que o Reino Unido planeia enviar à Ucrânia. Vários defensores das políticas do Kremlin afirmam que este é um escalar das tensões nucleares entre blocos. Há algum fundamento nas leis da física para tal afirmação?

Em primeiro lugar, o que é o Urânio empobrecido? Os elementos da tabela periódica aparecem na natureza de várias formas, chamadas de isótopos, onde o número de neutrões nos seus núcleos difere. Por exemplo, o Carbono pode aparecer sob a forma de Carbono-12, 13, ou 14, entre outros. Enquanto que os primeiros dois são estáveis, representando 98.9% e 1.1% da abundância na natureza respectivamente, o Carbono-14 aparece em quantidades residuais e tem um tempo de meia vida de 5700 anos. É este tempo que o torna ideal para medidas de datação da história da civilização humana.

Já o Urânio aparece na natureza de duas formas, Urânio-235 e Urânio-238. Ambos são ligeiramente radioativos, sendo a variante U235 mais radioativa que a U238. Ambas as variantes emitem partículas alfa, uma forma de radiação capaz de ser travada simplesmente pela nossa pele.

O Urânio encontrado na natureza tem uma percentagem de 99.3% de U238 e 0.7% de U235. O U235 possui uma propriedade rara que o torna um bom combustível nuclear, é naturalmente físsil. Isto significa que é capaz de suster uma reação nuclear em cadeia. Mas para conseguirmos sequer iniciar uma reação em cadeia controlada num reator nuclear convencional** é necessário enriquecer o Urânio. O metal encontrado na natureza é convertido num gás e centrifugado, para retirar o elemento U238, mais pesado. Aumenta-se assim a concentração do isótopo U235. É esta capacidade de enriquecimento que tem feito manchetes por causa do caso Iraniano. Acima de uma concentração de 90% entramos no universo militar de aplicações de ogivas (bombas nucleares). O esforço para ir de 5% para 90% é considerável, mas falamos de tecnologia dos meados do século XX. É, por esta altura, uma questão política e não tecnológica. Veja-se o caso das Coreias: a Coreia do Norte tem um arsenal nuclear mas não tem reatores nucleares em funcionamento (excepto unidades de investigação). A Coreia do Sul não tem arsenal nuclear, mas é um dos principais fabricantes de reatores nucleares para fins comerciais.

Os “restos” do processo de enriquecimento vêem as concentrações de U235 mudar de 0.7% para 0.2%. Relembrando o leitor que o U235 é ligeiramente mais radioativo que o U238, isto torna o urânio empobrecido menos radioativo que o urânio natural. Já o urânio natural é ligeiramente menos abundante na crosta terrestre do que o chumbo e mais abundante do que o ouro.

Há duas outras propriedades que tornam o urânio empobrecido ideal para certas aplicações, por ser pouco radioativo. A primeira é que é extremamente denso, 1.6 vezes mais denso que o chumbo e ligeiramente menos denso que tungsténio e ouro. É utilizado como contrapeso, pois é extremamente barato e ocupa pouco espaço para servir de balastro. Foi inclusive utilizado em contrapesos de barcos, mísseis, empilhadoras e dos modelos iniciais de Boeings 747. O baixo custo e elevada densidade torna-o também ideal para munições e para blindagens e outros tipos de proteções. A segunda propriedade é química: o urânio é pirofórico. Isto significa que, em contacto com o ar, o urânio oxidiza rapidamente, pegando fogo. Ao atingir um alvo, um projétil de urânio, que já tem uma capacidade de penetração considerável devido à sua elevada densidade, estilhaça. Estes estilhaços pegam fogo, podendo incendiar munições ou combustível em veículos inimigos.

A guerra tem um enorme impacto. Para além do monstruoso impacto no povo Ucraniano, tem também um grave impacto no meio ambiente. No entanto, as munições de urânio empobrecido são menos nocivas que munições convencionais de chumbo. No início dos anos 90, soldados americanos exibiam o “Gulf War Syndrome”, inicialmente associado à exposição a urânio empobrecido. Estudos recentes demonstram que, afinal, o causador da síndrome foi a exposição a gás Sarin. Outros estudos feitos por entidades internacionais como as Nações Unidas(UNSCEAR) e a Agência Internacional de Energia Atómica não encontraram uma mortalidade excessiva em veteranos de guerra expostos a munições de urânio empobrecido. O que estas munições provocam definitivamente é ansiedade nas populações locais devido à sua presença no meio ambiente. As Nações Unidas recomendam a sua recolha em cenários de pós-guerra.

Não quero com isto “passar o pano” por este tipo de munições. Têm um nível de toxicidade associado. O que as munições de urânio empobrecido não representam de todo é uma ameaça nuclear. Putin aproveita mais uma vez o pânico causado no Ocidente por palavras como “urânio” e “nuclear” devido às mitologias criadas à volta destas. A maneira mais fácil destas munições não causarem dano algum de qualquer tipo é uma retirada total dos orcs de volta para onde vieram, antes que sejam convertidos em Ladas.

** A definição de reator nuclear convencional empregue é a de reator de água ligeira, como os reatores da frotas nucleares Francesa, Sueca, Finlandesa, Espanhola, e Ucraniana, por exemplo. Todas estas frotas têm um historial de segurança de funcionamento notável.
 

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