Mais de mil corpos de civis recuperados apenas na região de Kiev. ONU fala em "horrores inimagináveis"

12 mai 2022, 12:17

Alta-comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos considera "chocantes" as descobertas da missão de monitorização na guerra da Ucrânia, confirmando ter provas de execuções, violações, tortura e destruição completa de infraestruturas civis

A Alta-comissária da ONU para os Direitos Humanos afirmou, esta quinta-feira, em Genebra, que milhares de corpos foram recuperados, nas últimas semanas, na região de Kiev. Segundo Michelle Bachelet, que participa na sessão extraordinária do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, muitas das violações de direitos humanos que estão a ser verificadas desde a invasão russa podem constituir crimes de guerra.

No discurso, feito por videoconferência, Bachelet revela que, na semana passada, a missão de monitorização da ONU visitou 14 vilas e cidades nas regiões de Kiev e Chernihiv, que até ao final de março eram controladas pelas tropas russas.

"A minha equipa ouviu em primeira mão os relatos de familiares, vizinhos e amigos daqueles que foram mortos, feridos, detidos e desapareceram. Esta foi a segunda visita do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos a estas regiões e dói-me imaginar quantas visitas serão necessárias para documentar apenas uma fração das flagrantes violações de direitos humanos que ali ocorreram", descreveu.

Segundo Bachelet, até à data, "mais de mil corpos de civis foram recuperados apenas na região de Kiev" e a "escala de homicídios ilegais, incluindo indícios de execuções sumárias em áreas a norte de Kiev, é chocante".

"Até ao momento, mais de 1.000 corpos civis foram recuperados apenas na região de Kiev. Algumas destas pessoas foram mortas no conflito, outras parecem ter sido executadas. Outros morreram por causa do stress causado pela guerra e pela falta de assistência médica. Passaram semanas em abrigos sendo ameaçados por soldados russos de abuso ou de morte se tentassem sair, sendo colocados em grave risco. Na aldeia de Yahidne, na região de Chernihiv, 360 moradores, incluindo 74 crianças e 5 pessoas com deficiência, foram forçados pelas forças armadas russas a permanecer por 28 dias no abrigo de uma escola que usavam como base. O abrigo estava extremamente superlotado. As pessoas tiveram de ficar sentadas durante dias sem oportunidade de se deitarem. Não havia instalações sanitárias, água ou ventilação. Dez idosos morreram", descreveu.

De acordo com o relato da Alta-comissária da ONU, existem informações de cerca de 300 execuções a norte de Kiev, mas o número "vai continuar a aumentar conforme novas provas estiverem disponíveis".

"Estas mortes de civis parecem ter sido intencionais, executadas por snipers ou soldados. Civis foram mortos a atravessar a rua ou quando deixavam os abrigos à procura de comida e de água. Outros foram mortos quando fugiam nos seus carros. Homens desarmados foram mortos porque os soldados russos suspeitavam que eles apoiavam as forças ucranianas ou eram uma potencial ameaça e alguns foram torturados antes de serem mortos. Na aldeia de Katyuzhanka, na região de Kiev, um jovem casal, a filha de 14 anos e o avô foram baleados pelos soldados russos enquanto conduziam para casa. Os pais foram mortos, a jovem levou dois tiros", contou.

Bachelet diz ainda que a missão de monitorização da ONU registou "destruição ou danos" em centenas de escolas, edifícios médicos e habitações de civis. Muitos foram de tal forma danificados que não poderão ser recuperados.

Os "horrores inimagináveis" de Mariupol

A cidade de Mariupol, que continua a ser um dos locais onde a missão não consegue entrar, a ONU estima que o "número de mortos ronde os milhares", uma vez que foram cometidas inúmeras "violações do Direito Internacional dos Direitos Humanos e do Direito Internacional Humanitário".

"A cidade de Mariupol e os seus moradores sofreram horrores inimagináveis desde o início do ataque da Rússia", afirmou Michelle Bachelet, admitindo que só o tempo poderá revelar "a verdadeira escala das atrocidades, vítimas e danos". 

O ataque ao complexo siderúrgico de Azovstal continua a "levantar preocupações dos direitos humanos diferentes daquelas que existem noutras áreas de combates ativos".

"Estou aliviada que mais de 500 civis, incluindo crianças e idosos, tenham sido retirados de Azovstal e de outras áreas com os esforços conjuntos da Cruz Vermelha e da ONU. Os combatentes que estão fora de combate por doença ou lesão também devem ser retirados para receber cuidados médicos necessários", lembrou.

Dezenas de violações confirmadas e centenas de desaparecidos

O número não é claro, mas Michelle Bachelet diz que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos está a avaliar as alegações de violência sexual durante a guerra e que a equipa no terreno já conseguiu "verificar dezenas de casos por todo o país".

"Estou preocupada com as alegações de violência sexual que surgiram na região de Kiev que estiveram sob controlo das força russas. Houve casos de violação e homicídio das vítimas ou dos seus familiares. Os sobreviventes muitas vezes não querem ser entrevistados por causa do medo e do estigma. Mulheres e meninas são as vítimas mais referidas, mas começam a surgir relatos de homens e meninos."

A missão no terreno falou ainda com civis que procuram familiares e amigos desaparecidos desde o início da guerra, estando documentados 204 casos de desaparecimento forçado: 169 homens, 34 mulheres e 1 menino. 

De acordo com Bachelet, foi documentado que as forças russas "detiveram civis, na sua maioria rapazes, e que os levaram para a Bielorrússia e para a Rússia", onde os colocaram em centros de detenções. "Entre os desaparecidos, estavam funcionários públicos, jornalistas, ativistas, militares aposentados e civis", revelou, acrescentando que 38 já regressaram a casa e cinco (quatro homens e uma mulher) foram encontrados mortos. 

No entanto, a comissária alerta que "o número real de desaparecidos será, também, mais elevado".

Foi ainda documentado pela missão o desaparecimento de dez pessoas consideradas pró-Rússia no território controlado pelas forças ucranianas. Estes desaparecimentos "forçados" terão sido, alegadamente, "cometidos por agentes ucranianos", sendo que sete das vítimas foram já libertadas.

A Alta-comissária da ONU terminou a intervenção apelando ao fim da guerra e para que terminem as violações de direitos humanos, prometendo julgamentos justos pelas violações cometidas. 

"Apelo às duas partes do conflito a respeitarem plenamente as obrigações sob o Direito Internacional dos Direitos Humanos e do Direito Internacional Humanitário, inclusive para investigar todas as alegações de violações e, acima de tudo, para se comprometerem a proteger todas as mulheres, homens e crianças civis e aqueles fora de combate", terminou. 

Esta é a primeira reunião dedicada a este assunto desde que a Assembleia-Geral da ONU suspendeu a Rússia, no início de abril, deste órgão máximo da organização internacional para a área dos direitos humanos.

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