A Rússia deu o passo da agressão

21 fev 2022, 23:04

Vladimir Putin anunciou que, depois de para tal solicitado pelo Parlamento russo (a Duma), ia reconhecer no imediato a independência das duas “repúblicas” secessionistas no leste da Ucrânia. Nada disto foi senão encenado, mas isso que interessa? Pelo caminho, Putin insultou o povo e Estado ucranianos, dizendo na sua intervenção que a Ucrânia não tinha as competências e os atributos necessários para ser um Estado. Isto é, traduzindo: não sabia como ser independente, e tudo o que era devia-o à Rússia. Depois, ainda dirigiu uma ameaça muito pouco velada contra a Ucrânia, de quem falou como se fosse propriedade sua ou, vá lá, da “sua” Federação Russa.

Este reconhecimento não pareceria à primeira vista ser muito relevante. Realmente, as duas entidades “independentistas” são desde o início uma construção russa, e só subsistiram desde há anos por apoio, direção e controlo firmes de Putin.

Sucede, no entanto, que este reconhecimento é importante, não tanto enquanto tal, mas pelas suas consequências práticas e pelo momento crítico em que é tomada a decisão. Doravante, a Rússia invoca ter legitimidade para usar a força ao lado destas duas “novas” independências contra a agressão ucraniana. Se é objetivamente evidente que não há agressão ucraniana coisíssima nenhuma, menos sentido ainda terá a acusação de Putin de há algumas semanas de que os russos ou russófonos naquela região estariam objeto de um genocídio por parte das autoridades ucranianas. Aliás, é pena que ninguém tenha ainda perguntado ao líder russo como é que um país pode lançar uma agressão contra si próprio, ou seja, contra território que lhe cabe, dentro das suas fronteiras.

Fosse assim…mas não foi. Quase logo a seguir a este reconhecimento, e muito mais grave, a Rússia deu o passo seguinte e lançou as suas forças para a região, dentro do território ucraniano, para executar aquilo que declara ser uma missão de paz ou de restabelecimento da paz. Não é, é uma missão de guerra agressiva e de conquista. E está dado o passo que muitos receavam, que outros tinham como certo, mas que alguns consideravam (eu, incluído) irracional.

Putin passou o Rubicão, e isso não tem remédio. Não será, talvez, a tal guerra total e de ocupação geral da Ucrânia, mas a resposta será dura, e não gradual, como se antevia possível.

Ainda é cedo, na altura em que escrevo, para uma avaliação geral e completa das reações da comunidade internacional, além da simples condenação.

No momento inicial, os Estados Unidos – e sem prejuízo do que aí virá, agora de certeza –, agiram bem no teste mais difícil que enfrentavam numa situação já por si tão complicada. Adotaram, muito depressa, medidas sancionatórias muito dirigidas “contra” aquelas entidades secessionistas, sabendo que, se elas são Dupont, a Rússia é Dupond. E, sobretudo, distinguiram com clareza este passo russo (grave, e de escalada) daqueloutro que (muito mais grave) seria o do uso concreto da força militar contra a Ucrânia. Ou seja, não agiram movidos pelas emoções, sempre más conselheiras em situação de crise, mas pela sensatez. O passo que a Rússia deu mostrou que não soube aproveitar a oportunidade – e que tudo estava, efetivamente, decidido há mais tempo. Os Estados Unidos, por seu turno, ganharam uma autoridade especial para doravante dizerem “eu bem avisei”.

Esperemos, agora, pela Europa (melhor, União Europeia) e, sobretudo, pela NATO, para compreendermos qual o pacote de sanções devastador que estava preparado e que vai ser por certo em grande medida aplicado.

O que aconteceu não é o pior dos cenários, mas não anda longe. A decisão de reconhecimento não só manipulou o direito para o violar como era, afinal, apenas a antecâmara de uma presença de forças russas nas duas entidades separatistas, para as “proteger”. O tempo é, doravante, bastante menos da diplomacia. Mas continua a exigir nervos de aço.

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