opinião
Pediatra, Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho

É preciso proteger as crianças em tempos de guerra

17 mar 2022, 18:13

Quando em 24 de fevereiro de 2022, Putin mandou invadir a Ucrânia, com ataques brutais sobre as cidades, atingindo a população civil, as principais vítimas passaram a ser as crianças, com mortes e sequelas físicas e psicológicas.

Estes últimos danos surgiram por serem vítimas de terror causado pelos infindáveis bombardeamentos, sirenes, fugas para locais mais seguros e perda forçada de familiares por terem sido mortos.

São traumas irreparáveis que ocorreram em poucos horas ou dias.

Subitamente foram obrigados a emigrar para outros países, enfrentando frio, fome, cansaço e medo.

Sair do seu aconchego diário e em ambiente familiar para uma cave de uma casa ou para uma tenda montada à presa para se proteger do frio  são condições extremamente difíceis de superar, principalmente quando estamos a falar de crianças , muitas vezes recém nascidas , em pleno pico de inverno cujas temperaturas são negativas.

Estas crianças estão a partir quase de um momento para o outro em direção a  cidades e países completamente desconhecidos. Trazem uma mochila às costas ou uma mala preparada à pressa para não serem chacinados pelo inimigo. Isso implica sair do seu ambiente familiar, deixando para trás a sua casa , quarto, brinquedos, amigos e, acima de tudo, o pai e/ou avô recrutados para defender o país do invasor, implacável na hora de destruir , que não diferencia os pontos militares estratégicos das zonais civis .

Ninguém ficará indiferente às imagens em direto de mães e filhos em cenas de despedida emocionante com os maridos e pais, respetivamente , na estação de comboios ou na partida de autocarros até a fronteira ou outra cidade ainda provisoriamente segura .

É uma dor incalculável para ambas as partes, e a partir daquele momento estas famílias jamais serão as mesmas, fruto da incerteza da guerra e todas as consequências que dai irão resultar nos próximos tempos.

As crianças vítimas desta e outras guerras vão sofrer a curto prazo de crises de ansiedade face à experiência negativa que viveram recentemente. E irão precisar de muito apoio dos familiares mais diretos, nomeadamente o calor e amor único da mãe, por si também vítima deste trauma psicológico para o resto de vida.

As famílias de acolhimento e os espaços onde irão ficar devem ter em conta que a experiência que cada um viveu nesta guerra influenciará o seu comportamento no seu dia a dia.

A ansiedade e o cansaço traz revolta, medo, agressividade e impaciência fruto do trauma que viveram num intervalo curto de tempo.

As noites serão difíceis para estas crianças, onde insónias, crises de pânico , terrores noturnos e pesadelos frequentes durante este período , serão certamente uma constante.

Daí a importância do apoio psicológico continuo que deverá ser extensivo às mães, uma vez que os sintomas serão ainda mais graves por terem sido “ obrigadas “a fugir do seu país , deixando para trás os seus maridos , pais e irmãos .

Infelizmente - e basta olhar para as crises semelhantes do passado recente - é preciso estar atento a fenómenos inaceitáveis tais como o abuso sexual e tráfico infantil. O Serviço Social terá um papel importante para a prevenção destes episódios tristes e cruéis para ajudar a sarar o seu coração massacrado pela dor causado pelas atrocidades cometidas pela guerra.

Uma palavra final para as crianças russas que não deverão ser vítimas de bullying social por serem naturais do país invasor e destruidor de um outro país que quis apenas poder viver em paz e seguir o seu caminho livre.

Seria um erro grave se alguém confundisse o ditador de um país com a vontade e pensamento do seu povo.

As crianças de ambos os lados da guerra devem ser protegidas, porque a função e dever de cada ser humano é defender estas mesmas crianças, facultando -lhes uma vida melhor repleta de amor e paz.

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