“Há uns ‘talibãs’ na atmosfera. Se a NATO entra em guerra contra a Rússia, entramos nas armas nucleares”

21 mar 2022, 18:56

Major-general Agostinho Costa realça o “bom-senso” dos EUA e critica “alguns políticos na Europa” que “querem apagar este incêndio com gasolina” e levará a Rússia usar armas nucleares táticas

“Podemos estar esperançados porque há bom-senso em Washington”, analisa o major-general Agostinho Costa, mas “há uns ‘talibãs’ na atmosfera, alguns políticos na Europa que querem apagar este incêndio com gasolina, quase a querer lançar a NATO numa guerra contra a Rússia”. Se a NATO entrar numa guerra com a Rússia, “entramos numa quarta fase” do conflito, com “o emprego de armas nucleares táticas. Isso é que é a linha vermelha”.

Numa análise para a CNN Portugal (que pode ver na íntegra no vídeo em cima), o militar e vice presidente da EuroDefense cita nomeadamente o primeiro-ministro da Polónia, ressalvando que é preciso perceber a História e os interesses regionais da Polónia para contextualizar as suas declarações.

“Temos de levar os russos a sério para compreendermos que isto é mais grave, mais sério e há um verdadeiro risco de conflito na Europa. Se deixamos esta ‘embarcação’ entregue a pessoas menos confiáveis… Como estamos a ver, a capacidade de destruição [da Rússia] é muito considerável. Se passamos ao quarto nível, entramos num patamar nuclear. E é só limitado à Europa, os EUA não pagam a fatura”.

Agostinho Costa realça que no sábado já houve lançamento de misseis-cruzeiro “a partir do mar Cáspio, que é para lá do Cáucaso, disparados a partir da marinha russa. Já o tinham feito do mar Cáspio para a Síria, nós é que andamos distraídos”.

A ideia de falar de armas nucleares marcaria um novo degrau na escalada de força. Essa ameaça não existe neste momento, mas “temos de perceber que estamos a falar com pessoas determinadas. Temos de levar o senhor Putin a sério”, avisa.

O major-general Agostinho Costa dá a perspetiva do conflito. Depois de uma fase de demonstração, iniciou-se no dia 24 de fevereiro, com a invasão da Ucrânia, a fase da aplicação graduada da força. Dentro desta fase, há três níveis: a guerra local, a guerra regional e a guerra local. “No espectro de operações da doutrina russa, estamos no primeiro nível. E o primeiro nível, da guerra localizada, implica a utilização de mísseis desta natureza. Friamente, o que estamos a assistir é à continuação de uma campanha de mísseis”. Se o conflito passar ao nível regional, a escalada sobe.

Por que razão a Rússia não faz bombardeamentos de larga escala no centro de Kiev? “Os russos estão a fazer uma graduação da violência”, responde. “Até porque estamos num momento das negociações. Há coisas que estão a passar-se no patamar político, e o nível militar subordina-se ao patamar político. A lógica é: se não negoceiam, bombardeamos Kiev.” Para Agostinho Costa, “ao fim de alguns dias, percebemos que a intenção dos russos não é invadir Kiev, a intenção dos russos é fazer de Kiev refém.” Para pressionar as negociações.

Os russos “estão a conduzir uma campanha de mísseis porque é isso que está no ‘livro’. É preciso compreender o que está na doutrina russa”, adverte. Agostinho Costa ressalva, não há uma mudança de estratégia.

“Os militares são muito previsíveis, porque normalmente seguem a doutrina.”

Esta guerra é diferente das guerras do Golfo

A doutrina russa está a surpreender também pela diferença com face a outros conflitos mais recentes. “Uma guerra destas é sempre uma guerra longa. E esta tem uma particularidade, é uma guerra que está a ser combatida em várias frentes: três, com alguma extensão”.

O contraste acontece com como as duas guerras do Golfo, “em particular a primeira, que envolveu uma coligação internacional contra Saddam Hussein”. Aí, “víamos aquilo a que os militares chamam de uma guerra de manobra, isto é, privilegiam o movimento em detrimento do emprego do fogo”. Nessas guerras, normalmente emprega-se fogo no princípio, “na fase de campanha aérea, na preparação do campo de batalha para as ações terrestres, e depois lançam ações terrestres em profundidade, dirigidas a objetivos estratégicos, que no caso da primeira guerra do golfo era a cidade de Koweit, na segunda era Bagdad. São batalhas terrestres que normalmente se resumem a uma progressão rápida, porque a ação do fogo preparou o terreno anteriormente”.

Na Ucrânia, “o que vemos é o contrário”, o que “causa algum espanto”. Três frentes de guerra. E “mais fogo do que movimento, mais atrição, mais emprego de artilharia, mais emprego de armas inteligentes, de munições de ataques cirúrgicos, e uma intensificação da ação do fogo, quando nos pareceu inicialmente que ela não era determinante”.

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