"Os soldados russos obrigaram-me a cavar a minha própria sepultura": a hedionda história de Lyubov chegou à América

CNN , Jennifer Hansler
21 abr 2023, 08:00
Autoridades recolhem corpos em Kherson, após ataques russos à cidade (AP Photo)

Uma ucraniana de 57 anos, de Kherson, disse aos legisladores dos Estados Unidos que as tropas russas a espancaram, ameaçaram violá-la e forçaram-na a cavar a sua própria sepultura.

A história de Lyubov foi um dos dois testemunhos poderosos e hediondos partilhados com membros da Comissão de Relações Exteriores do Senado numa audiência sobre crimes de guerra russos, na quarta-feira. Os seus apelidos foram omitidos a pedido dos sobreviventes.

A sua experiência, juntamente com a de Roman, de 16 anos, que foi transferido à força para a Rússia e colocado com uma família que tentou doutrina-lo, são apenas algumas das dezenas de milhares de incidentes de crimes de guerra alegadamente cometidos pelos russos desde a invasão da Ucrânia no ano passado.

O procurador-geral da Ucrânia, Andriy Kostin, que também testemunhou na audiência, disse que o seu gabinete registou já cerca de 80.000 incidentes de potenciais crimes de guerra e, até à data, condenou 31 russos por crimes de guerra nos tribunais ucranianos.

A audiência ocorreu numa altura em que alguns legisladores americanos trabalham para garantir apoio contínuo à Ucrânia e pressionar a administração Biden a reforçar o envio de armas a Kiev.

"Estes são mais do que crimes de guerra. Estes são mais do que crimes contra a humanidade. O que estamos a testemunhar na Ucrânia é genocídio", afirmou o presidente da comissão, Michael McCaul, na declaração de abertura.

"Putin e altos funcionários do Kremlin deixaram claro que a sua intenção é eliminar a existência da Ucrânia", disse o republicano texano.

"O mundo livre não pode ficar de braços cruzados e permitir que isto aconteça. É mais do que tempo para esta administração, juntamente com os nossos aliados, fornecer à Ucrânia as armas de que necessita para vencer", defendeu, referindo-se a sistemas de mísseis de longo alcance como o ATACMS.

"Os ucranianos é que terão de lidar com todas as consequências deste ato perverso", acrescentou Gregory Meeks. "Vai durar uma vida inteira - as cicatrizes, o trauma", sublinhou o democrata nova-iorquino.

"Estes crimes terríveis precisam de ser travados''

Lyubov, que trabalhava como contabilista, viveu sob ocupação russa durante quase um ano e, "em janeiro deste ano, eles vieram por mim", contou.

Falando através de um tradutor, disse que os soldados russos forçaram a entrada na sua casa, alegando que estavam à procura de armas e confiscaram "um mapa da Ucrânia, a bandeira da Ucrânia, ímanes de recordação com imagens da Ucrânia e uma fita azul e amarela simbolizando as vítimas da Segunda Guerra Mundial".

"Essas eram as suas provas contra mim", indicou.

Foi levada para aquilo a que chamou uma "câmara de tortura" e mantida durante cinco dias, onde disse ter sido espancada, forçada a despir-se, cortada com uma faca e ameaçada de violação e assassinato.

"Também me levaram para o campo e espancaram-me novamente. Colocaram uma arma ao lado da minha cabeça e dispararam como se me estivessem a executar", descreveu. "Também me obrigaram a cavar a minha própria sepultura."

Lyubov contou ainda que viu outras pessoas a serem torturadas, "com sacos de plástico pretos na cabeça".

"Preocupo-me muito com eles. Adoraria encontrá-los um dia, mas não tenho a certeza se ainda estão vivos."

Lyubov disse que os soldados acabaram por deixá-la ir, "mas disseram que voltariam".

Quando regressou a casa, esta tinha sido saqueada e os invasores tinham levado as medalhas que pertenciam ao seu pai.

Conseguiu fugir de Kherson e foi para os Estados Unidos onde se encontra a filha, mas espera poder regressar à Ucrânia.

"Estou a contar-vos a minha história, mas há outras pessoas que estão neste momento a ser roubadas, violadas e espancadas nesses territórios ocupados. Estes crimes terríveis precisam de ser travados."

"Tentaram fazer-lhe lavagem cerebral"

O segundo relato partilhado com a comissão foi o de Roman, de 16 anos, que foi enviado à força para a Rússia "de férias", segundo o seu representante, através de um tradutor.

No mês passado, o Tribunal Penal Internacional emitiu um mandado de captura para Putin e outra alta funcionária russa, Maria Lvova-Belova, por um alegado esquema de deportação de crianças ucranianas para a Rússia.

Roman, que é órfão, deixou a escola após a invasão e caminhou 60 quilómetros, enquanto alegadamente era ameaçado por soldados russos ao longo do caminho. Após ter chegado ao seu destino - uma aldeia em Donetsk - os russos ocuparam também essa aldeia, e Roman foi colocado num hospital local com outras crianças.

"Nesse hospital, foi informado de que teria agora uma família diferente", disse o seu representante. "Os ocupantes ignoraram o facto e as suas palavras de que ele queria que o seu irmão ou irmã fossem os seus representantes legais, porque ele estavam lá."

O representante explicou que Roman foi depois enviado para outro hospital em Donetsk, fizeram-lhe uma nova certidão de nascimento em nome da autoproclamada República Popular de Donetsk e em seguida foi enviado para a Rússia "para umas férias".

Uma vez lá, Roman e outras crianças ucranianas foram visitadas por Lvova-Belova, que lhes disse que seriam adotadas, o que as crianças protestaram. Em vez disso, foram enviadas para um colégio interno.

"Eventualmente, encontraram uma nova família para Roman", disse o representante. "Tentaram fazer-lhe lavagem cerebral. Obrigaram-no a ver programas de propaganda russa na televisão."

A comunicação com os seus colegas era restrita, os seus movimentos eram rastreados através do telemóvel e era "obrigado a dizer que gostava da sua nova família e da sua nova vida".

"Ele foi forçado a obter um passaporte da Federação Russa, mas imediatamente foi-lhe tirado para processarem os papéis para adoção", contou o representante.

Roman acabou por conseguiu regressar à Ucrânia com a ajuda de voluntários.

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