Independentemente da natureza do projétil, vários especialistas levantaram a possibilidade de ter sido um "RS-26 Rubezh", cujo desenvolvimento tinha sido interrompido em 2018
O lançamento de um míssil balístico russo sobre a Ucrânia, concebido para transportar ogivas nucleares, provocou esta quinta-feira fortes reações internacionais, com os especialistas a assinalarem uma mensagem estratégica enviada pela Rússia, que afirma ter testado um novo projétil.
A Ucrânia mencionou num primeiro momento "um míssil balístico intercontinental" sem ogiva nuclear, declarações que foram corrigidas mais tarde por um alto responsável norte-americano, que descreveu então um míssil "experimental de médio alcance".
O presidente russo Vladimir Putin assumiu, ao final do dia, a responsabilidade pelo disparo de um novo míssil de médio alcance. "Os nossos engenheiros chamaram-lhe 'Oreshnik'."
Como o próprio nome sugere, um míssil intercontinental pode atingir um continente a partir de outro. Tecnicamente, de acordo com os tratados internacionais, isto significa que tem um alcance superior a 5.500 quilómetros.
Um míssil de alcance intermédio tem um alcance de 3.000 a 5.500. Já o termo "balístico" designa um projétil com autopropulsão e guiado, cuja trajetória depende da gravidade e da sua velocidade.
Neste tipo de alcance, esta trajetória passa teoricamente pelo espaço. A Rússia e os Estados Unidos desenvolveram os primeiros no final da década de 1950 para transportar carga nuclear.
Mas, neste caso, o míssil utilizado por Moscovo não transportava carga nuclear ou, segundo os especialistas, não tinha carga nenhuma. E provavelmente não deixou a atmosfera, perante uma distância tão curta.
"O interessante é a inconsistência entre o alcance provável do míssil e a distância do alvo", explicou à agência France-Presse (AFP) Héloïse Fayet, do Instituto Francês de Relações Internacionais (Ifri).
Independentemente da natureza do projétil, vários especialistas levantaram a possibilidade de ter sido um "RS-26 Rubezh", cujo desenvolvimento tinha sido interrompido em 2018.
Vladimir Putin garantiu que não é esse o caso mas Fabian Hoffmann, da Universidade de Oslo, mantém-se cauteloso.
"Ainda não sabemos o que é. Ficaria surpreendido se a Rússia conseguisse fabricar (um dispositivo deste tipo) sem depender pelo menos 90% dos projetos existentes e sem canibalizar peças do RS-26 (ou outro míssil)", frisou, através da rede social X.
Nick Brown, da empresa privada britânica de inteligência Janes, sublinhou à AFP, por sua vez, que o abandono do desenvolvimento do RS-26 "nunca foi oficialmente confirmado e que poderia ter continuado fora do radar".
Mesmo que isso signifique dar-lhe um novo nome, um método comum no mundo da indústria bélica, assim que surge um novo desenvolvimento.
Este ataque provocou fortes reações por parte das diplomacias ocidentais, num contexto perigoso de escalada em torno da guerra na Ucrânia.
O Kremlin, que tem mostrado a bandeira vermelha nuclear em diversas ocasiões desde o início do conflito, em fevereiro de 2022, estimou na terça-feira que o alargamento das possibilidades de utilização da bomba atómica era necessário, face ao que Vladimir Putin considera serem "ameaças" do Ocidente.
Ao milésimo dia de guerra, Moscovo publicou uma nova doutrina nuclear, uma resposta direta ao recente ataque da Ucrânia ao seu território com mísseis norte-americanos ATACMS, que Washington autorizou oficialmente no domingo.
A própria Rússia é acusada de escalada, tendo, segundo Kiev e o Ocidente, agora o apoio de pelo menos 10 mil soldados norte-coreanos.
Os especialistas mantêm-se unânimes num ponto: esta é de facto uma mensagem política russa para o Ocidente e para Kiev.
"Estamos perante algo inédito e é muito mais um ato político do que militar. A relação custo-benefício do ataque é nula", frisou Héloïse Fayet.
Para Nick Brown, o Kremlin pretendeu "enviar uma mensagem ou aviso de escalada, uma forma dispendiosa e potencialmente perigosa de a Rússia tentar impressionar" o Ocidente.