"Mudámos o combate para o território do inimigo para que consiga sentir o que nós sentimos": a ofensiva a Kursk explicada pelo principal comandante ucraniano

CNN , Ivana Kottasová, Madalena Araujo e Victoria Butenko
5 set, 21:00

A Rússia estava a planear lançar um novo ataque contra a Ucrânia a partir da região de Kursk antes da incursão transfronteiriça surpresa de Kiev, disse à CNN o general Oleksandr Syrskyi, comandante das Forças Armadas da Ucrânia, numa entrevista exclusiva esta quinta-feira.

Na sua primeira entrevista televisiva como chefe das forças armadas desde fevereiro, o general disse a Christiane Amanpour, da CNN, que acreditava que a operação de Kursk tinha sido um sucesso.

“Reduziu o risco de uma ofensiva do inimigo. Impedimo-los de atacar. Mudámos o combate para o território do inimigo para que [o inimigo] consiga sentir o que nós sentimos todos os dias”, disse Syrskyi, numa rara entrevista em que fez uma avaliação franca da guerra.

No mês passado, as forças ucranianas invadiram Kursk numa incursão transfronteiriça que apanhou de surpresa até a administração americana. Esta incursão mostrou que, apesar da vantagem da Rússia em termos de homens e armamento, as suas forças armadas têm vulnerabilidades.

Naquela que é a explicação mais pormenorizada da lógica subjacente à incursão, Syrskyi delineou os principais objectivos da operação: impedir a Rússia de utilizar Kursk como plataforma de lançamento para uma nova ofensiva, desviar as forças russas de outras áreas, criar uma zona de segurança e impedir o bombardeamento transfronteiriço de objetos civis, fazer prisioneiros de guerra e elevar o moral das tropas ucranianas e da nação em geral.

Em declarações a Amanpour num local não revelado perto da linha da frente, o general, que assumiu o cargo de chefe das forças armadas em fevereiro, disse que Moscovo deslocou dezenas de milhares de tropas para Kursk, incluindo algumas das suas melhores tropas de assalto aerotransportadas.

E embora admitindo que a Ucrânia estava sob imensa pressão na área em torno de Pokrovsk, a cidade estratégica que tem sido durante semanas o epicentro da guerra no leste da Ucrânia, Syrskyi disse que as suas tropas conseguiram agora travar os avanços russos nessa área.

“Nos últimos seis dias, o inimigo não avançou um único metro na direção de Pokrovsk. Por outras palavras, a nossa estratégia está a funcionar”, afirmou.

“Tirámos-lhes a capacidade de manobrar e de enviar as suas forças de reforço de outras direções... e este enfraquecimento foi definitivamente sentido noutras áreas. Verificamos que a quantidade de bombardeamentos de artilharia, bem como a intensidade da ofensiva, diminuíram”, disse.

“A linha da frente é a minha vida”

Em declarações a Amanpour, depois de ter inspeccionado as linhas da frente esta quinta-feira, Syrskyi disse que não há dúvida de que a Ucrânia está em desvantagem em termos de armas e de efetivos, na tentativa de se defender da agressão russa.

“O inimigo tem uma vantagem na aviação, nos mísseis, na artilharia, na quantidade de munições que utiliza e, claro, no pessoal, nos tanques e nos veículos de combate de infantaria”, afirmou.

Mas Syrskyi também disse que o facto de a Rússia ter uma vantagem material tão grande obrigou a Ucrânia a tornar-se mais inteligente e mais eficiente na forma como está a travar a guerra.

“Não podemos lutar da mesma forma que eles, por isso temos de utilizar, em primeiro lugar, a abordagem mais eficaz, utilizar as nossas forças e meios com a máxima utilização das caraterísticas do terreno, das estruturas de engenharia e também utilizar a superioridade técnica”, afirmou, destacando o programa avançado de drones da Ucrânia e outros armamentos de alta tecnologia desenvolvidos internamente.

Syrskyi foi nomeado chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da Ucrânia em fevereiro, depois de o presidente Volodymyr Zelensky ter demitido o general Valerii Zaluzhnyi. Assumiu o comando numa altura particularmente difícil para a Ucrânia.

Os atrasos de meses na entrega da assistência militar dos EUA causaram uma escassez crítica de munições.

Simultaneamente, a Ucrânia estava a lutar para repor as suas tropas, exaustas e diminuídas após dois anos de luta contra a ofensiva implacável da Rússia.

Syrskyi afirmou que o recrutamento de mais soldados era uma prioridade. O governo ucraniano aprovou então uma controversa lei de mobilização, exigindo que todos os homens entre os 18 e os 60 anos se inscrevessem nas forças armadas ucranianas e levassem sempre consigo os seus documentos de registo - um esforço para tornar o processo de recrutamento mais transparente e justo.

Sete meses depois, os novos recrutas estão a chegar às linhas da frente. Mas vários comandantes disseram à CNN que nem todos os novos soldados estão prontos para combater e que estão a abandonar as suas posições.

Syrskyi admitiu que as suas tropas estão a ir para o campo de batalha depois de receberem menos formação do que ele gostaria que recebessem.

“É claro que toda a gente quer que o nível de formação seja o melhor, por isso formamos militares profissionais altamente qualificados”, disse. “Ao mesmo tempo, a dinâmica da frente exige que coloquemos os recrutas ao serviço o mais rapidamente possível”, acrescentou, explicando que os novos recrutas recebem um mês de formação militar básica, seguido de meio mês a um mês inteiro de formação mais especializada antes de serem enviados para o combate.

Syrskyi disse a Amanpour que os atrasos na assistência militar dos EUA causaram grandes contratempos no campo de batalha e levaram a uma queda no moral - algo que ele admitiu ainda ser um problema.

Syrskyi disse que viaja frequentemente para as linhas da frente e que se certifica de que passa algum tempo com as suas tropas.

“Falamos a mesma língua... entendemo-nos uns aos outros, independentemente da pessoa com quem estou a falar - quer seja um soldado comum, um atirador, por exemplo, ou um comandante de brigada ou de batalhão”, afirmou.

“Estou nesta guerra desde 2014”, disse, referindo-se à incursão da Rússia no Donbass há 10 anos. “Por outras palavras, a linha da frente é a minha vida. Compreendemo-nos uns aos outros, conheço todos os problemas que os nossos militares, soldados e oficiais enfrentam”, acrescentou.

Syrskyi terminou a entrevista agradecendo aos aliados ocidentais da Ucrânia pelo seu apoio. Passando do ucraniano para o inglês, disse “Juntos somos mais fortes. Juntos podemos vencer”.

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