Ucrânia, Rússia e as negociações na Turquia
Pressionado pelo inimigo que ocupa as suas terras há mais de três anos, pressionado pelo maior aliado que pede resultados, Volodymyr Zelensky deu um passo em frente para abrir caminho na estrada sem saída da guerra. Em resposta ao repto madrugador de Vladimir Putin para negociações diretas (já em si uma resposta às pressões de um cessar-fogo feitas por ucranianos e europeus), lançou o isco: um encontro de líderes.
Putin não mordeu o anzol mas demorou três longos dias a responder – e nem sequer verbalmente. Por decreto, o anúncio de uma delegação de níveis secundários. Claro que, na jogada de Zelensky, há tática e encenação ao querer aparecer na Turquia sim ou sim. Mas, no vale-tudo da guerra, isso permite comunicar uma mensagem eficaz e dificilmente indesmentível: só a Rússia quer continuar a combater. Já o ensurdecedor silêncio do Kremlin a dar sinais de vida para um convite mano a mano foi bónus para Kiev.
Do alto da expectativa das primeiras negociações diretas em mais de três anos, não seria de esperar avanços significativos nas posições capazes de decidir o fim do conflito e que, ao que se sabe, do lado russo se mantiveram maximalistas, como o abandono ucraniano dos territórios ocupados no leste e no sul (Kherson, Zaporizhzhia, Donetsk e Luhansk) e ainda ameaças de ocupação de mais terra a norte (Kharkiv e Sumy, acredita-se, palco da próxima ofensiva), atiradas pelo negociador principal de Putin (Medinsky), alguém que, entre outras coisas, acredita que os russos têm um cromossoma a mais porque só isso explica a sua excecionalidade civilizacional. A este nível é fácil acreditar que todos são ilegítimos, mesmo ao nível presidencial, tal como Putin descreve Zelensky.
Mas a verdade é que voltou a haver uma conversa. Uma troca de prisioneiros, a maior acordada até agora, é o único disparo para mais. Por agora, a Ucrânia insiste: Zelensky e Putin, frente a frente. Depois da Turquia, talvez agora Donald Trump queira também mais pressão para fechar negócio. Até o Vaticano abriu as portas. Terá Putin, homem de fé (ortodoxa, é certo), margem para voltar a faltar à chamada da paz enquanto acusa a Ucrânia e o Ocidente de só quererem a guerra?