"Com os ataques de drones, os russos têm horas para reagir. Com os ATACMS, têm minutos". O Ocidente permitiu que a Ucrânia atacasse a Rússia - e está a funcionar

CNN , Ivana Kottasová
15 jul 2024, 08:00
Sistema Patriot (Getty Images)

A chegada dos sistemas de mísseis ATACMS de longo alcance foi um fator de mudança particular. Enquanto a Ucrânia podia anteriormente atacar alvos dentro da Rússia utilizando drones de fabrico ucraniano, os ATACMS tornam esses ataques muito mais eficientes

Bankir e os seus homens têm tentado combater os ataques russos ao longo das linhas da frente ucranianas há mais de dois anos. Mas só agora é que podem finalmente atacar onde lhes dói: dentro do próprio território russo.

A autorização recentemente concedida pelos Estados Unidos e outros aliados para utilizar armas ocidentais para atacar dentro da Rússia teve um enorme impacto, disse Bankir. "Destruímos alvos dentro da Rússia, o que permitiu várias contra-ofensivas bem sucedidas. Os militares russos já não podem sentir-se impunes e seguros", disse à CNN o oficial superior do Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU), que, por razões de segurança, pediu para ser identificado apenas pelo seu indicativo de chamada.

Depois de muitos meses em desvantagem devido à escassez de munições e de efetivos, Kiev pode finalmente tirar pleno partido da ajuda militar ocidental que começou a entrar no país no mês passado, após meses de atrasos.

Os soldados na linha da frente dizem que as entregas estão a começar a fazer a diferença - especialmente porque agora podem usar o arsenal para atacar do outro lado da fronteira.

"Podemos ver o impacto da ajuda todos os dias. Artilharia, sistemas de foguetes de lançamento múltiplo de longo alcance com vários tipos de munições e submunições... está a afetar o quadro geral do campo de batalha", garantiu Ivan, um oficial da 148.ª brigada de artilharia, à CNN, que também pediu que seu nome completo não fosse publicado por razões de segurança.

"Estamos a colocar os sistemas de armamento mais eficazes nas áreas onde os russos estão a tentar romper as linhas defensivas e tem havido um abrandamento significativo do avanço russo", acrescentou.

Embora Kiev não tenha conseguido recuperar grandes extensões de território, conseguiu evitar o que poderia ter sido um desastre: a ocupação de Kharkiv, a segunda cidade da Ucrânia.

"Momento trágico"

Parte da região norte de Carcóvia, incluindo as cidades de Izium, Kupiansk e Balakliia, caiu nas mãos dos russos pouco depois de Moscovo ter lançado a sua invasão total da Ucrânia em fevereiro de 2022.

A ocupação foi brutal. Quando a zona foi libertada, no outono de 2022, as tropas ucranianas encontraram provas do que dizem ter sido crimes de guerra cometidos pelas forças russas, incluindo várias valas comuns e câmaras de tortura.

Em maio deste ano, a Rússia lançou outro ataque transfronteiriço na região, tentando explorar a escassez de munições da Ucrânia antes da chegada prevista das primeiras armas ocidentais.

As consequências foram mortais. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos afirmou que, em maio, pelo menos 174 civis foram mortos e 690 ficaram feridos na Ucrânia, o número mais elevado de vítimas civis num ano.

Mais de metade das vítimas civis registaram-se em Kharkiv, apesar de a região abranger uma área relativamente pequena em comparação com todo o país.

Oleksiy Melnyk, especialista em segurança internacional, antigo oficial de defesa ucraniano e codiretor dos programas de relações externas e segurança internacional do Centro Razumkov em Kiev, disse à CNN que a reocupação das áreas anteriormente libertadas a norte de Kharkiv foi um "momento trágico" para a Ucrânia.

Mas também marcou um ponto de viragem importante.

"Espoletou uma mudança na posição dos nossos parceiros ocidentais, encorajou-os a, pelo menos parcialmente, remover as restrições à utilização das armas ocidentais", observou.

Receando uma escalada, os EUA e outros aliados ocidentais há muito que proibiam Kiev de utilizar as suas armas para atacar dentro da Rússia, restringindo a sua utilização às zonas ucranianas sob ocupação russa.

Este facto permitiu que a Rússia utilizasse as zonas fronteiriças como locais seguros para ofensivas e ataques com mísseis.

"A Rússia sabia que a Ucrânia não tinha capacidade para atingir esses alvos em território russo", lembrou Melnyk.

"Se a decisão (de fornecer ajuda) não tivesse sido tomada, se perdêssemos o apoio e a assistência militar americanos, isso teria mudado o jogo."

Mas a possibilidade de reocupação russa de partes da região de Kharkiv convenceu alguns dos principais aliados da Ucrânia, incluindo os EUA, a levantar as restrições. Isto permitiu a Kiev atingir e destruir ou danificar gravemente alvos-chave dentro da Rússia.

De acordo com as autoridades de defesa ucranianas, estas incluíam um posto de comando de regimento na região de Belgorod, um depósito de munições em Voronezh, uma instalação de drones e um aeródromo em Krasnodar, centros de comunicação em Bryansk e várias instalações navais na Crimeia ocupada.

A chegada dos sistemas de mísseis ATACMS de longo alcance foi um fator de mudança particular, apontou Melnyk. Enquanto a Ucrânia podia anteriormente atacar alvos dentro da Rússia utilizando drones de fabrico ucraniano, os ATACMS tornam esses ataques muito mais eficientes.

"A velocidade é importante", explicou Melnyk. "Com os ataques de drones, os russos têm horas para reagir, porque conseguem detetar os drones ucranianos com antecedência. Os pilotos russos podem tomar um café e fumar um cigarro antes de entrarem no cockpit e descolarem para os abater. Com os ATACMS, é uma questão de minutos", indicou.

Konrad Muzyka, analista de defesa independente e diretor da Rochan Consulting, que regressou recentemente do leste da Ucrânia, disse que a Rússia também já não consegue atingir a região de Kharkiv com os sistemas de mísseis S-300 e S-400.

"A Ucrânia começou a realizar ataques com HIMARS contra alvos na região de Belgorod e forçou os russos a afastar muito mais o seu sistema S-300, com o qual estavam a atacar Carcóvia, pelo que agora Carcóvia está fora do alcance dos sistemas russos S-300", justificou.

Apesar de a Rússia ter passado a utilizar bombas aéreas guiadas - lançadas por caças a uma distância de cerca de 60-70 quilómetros - fora do alcance das defesas aéreas ucranianas, a eliminação da ameaça dos S-300 proporcionou, pelo menos, algum alívio a Carcóvia.

Armas sem homens, homens sem estratégia?

Mas embora as novas armas estejam a fazer alguma diferença, a Ucrânia está muito longe de conseguir expulsar as forças russas do seu território.

Um outro oficial da 148.ª brigada de artilharia separada, conhecido pelo nome de código Senator, disse à CNN que a Ucrânia ainda precisa de muito mais.

"Não é suficiente para virar a maré na frente. O suficiente para conter o inimigo sim, mas não o suficiente para mudar drasticamente a situação", considerou.

"O inimigo está agora exausto, mas não destruído", argumentou, apontando para o facto de a Rússia ainda ter total superioridade aérea sobre a Ucrânia.

Kiev está agora a depositar as suas esperanças nas entregas de caças F-16 que deverão começar em breve - os primeiros pilotos ucranianos completam a sua formação nos EUA este verão.

Mas Muzyka disse que está longe de ser certo que os jatos venham a mudar radicalmente a sorte da Ucrânia.

"Os F-16 são aviões de combate das décadas de 1980 e 1990 e as suas capacidades são piores do que as dos aviões de combate russos mais modernos", analisou, acrescentando que os caças russos mais recentes prevaleceriam provavelmente numa batalha aérea com os F-16.

No entanto, a Ucrânia ainda pode usar os F-16 para negar à Rússia o controlo sobre os céus - e afastar os aviões russos que lançam bombas.

No entanto, as novas armas são apenas uma parte do puzzle.

"Se não fosse o pacote suplementar, os ucranianos estariam numa situação muito pior neste momento, mas, ao mesmo tempo, a situação atual não é apenas o resultado da falta de ações do Congresso dos EUA, é também o resultado das decisões que foram tomadas e não foram tomadas em Kiev, especialmente no que diz respeito à mobilização", defendeu Muzyka.

"A decisão de introduzir uma mobilização mais alargada era provavelmente tão importante, se não mais importante, e chegou demasiado tarde", explicou. A nova lei de mobilização, que exige que todos os homens entre os 18 e os 60 anos se registem nas forças armadas ucranianas, entrou em vigor em maio.

Segundo ele, embora a Ucrânia tenha conseguido recrutar um número significativo de homens no último mês e meio, levará algum tempo até que estes novos soldados sejam treinados e estejam prontos para as linhas da frente.

"Os ucranianos vão estar numa posição muito difícil até agosto, setembro, quando os primeiros mobilizados começarem a entrar na linha da frente. Se conseguirem chegar a esse ponto, há uma grande probabilidade de conseguirem estabilizar a situação a partir de agosto, mas até isso acontecer, é muito provável que haja mais ganhos russos."

Para Muzyka, com a chegada das novas armas e com os batalhões e brigadas a serem reforçados em breve pelos novos recrutas, a Ucrânia terá de decidir quais os próximos passos a dar.

"Não é claro quais são os planos. Qual é a estratégia para as contraofensivas? O problema é que a Ucrânia está à espera de ver qual o equipamento que o Ocidente lhe pode fornecer e o Ocidente está à espera de ver quais os planos que a Ucrânia tem para o futuro", apontou.

O tempo é essencial neste caso. Os especialistas estimam que o pacote de ajuda de 60 mil milhões de dólares dos EUA aprovado no início deste ano durará - na melhor das hipóteses - um ano ou 18 meses.

Os aliados da Ucrânia fizeram novas promessas em matéria de armas esta semana e, na cimeira da NATO em Washington, o presidente Volodymyr Zelensky apelou ao levantamento de todas as restrições à sua utilização.

Dada a possibilidade de o antigo presidente dos EUA, Donald Trump, conseguir ser reeleito em novembro para um segundo mandato em novembro, tem pouco tempo a perder.

*Maria Kostenko e Daria Tarasova-Markina contribuíram para este artigo
 

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