Quem é o "pai dos oligarcas" que ofereceu emprego a Putin e agora deixou a Rússia em protesto pela guerra

24 mar 2022, 22:00
Anatoly Chubais ao lado de Vladimir Putin em 2016, quando ainda liderava a empresa estatal Rusnano (Foto: Getty Images)

Anatoly Chubais ofereceu emprego no Kremlin a Vladimir Putin quando o atual presidente deixou o KGB. Foi a mais alta figura ligada ao regime a abandonar a Rússia, alegadamente por discordar da invasão da Ucrânia

A escolha entre o "comunismo bandido ou o capitalismo bandido". As palavras terão sido usadas por Anatoly Chubais para justificar as medidas que tomou após a queda da União Soviética: o russo, economista e antigo ministro das Finanças, é conhecido como o arquiteto do controverso esquema de privatizações dos anos 90 do século passado, que ajudaram a criar a economia de mercado da Rússia, mas concentraram a riqueza nas mãos de poucos, uma elite de oligarcas que continua a comandar os destinos de Moscovo e que são agora alvo das sanções do Ocidente devido à guerra na Ucrânia.

Criticado por muitos, mas um herói para os seus apoiantes, que lhe dão crédito por ter conseguido evitar que a Rússia caísse na guerra civil no pós-União Soviética, Chubais tem sido conhecido como o "pai dos oligarcas" desde então. Foi ele quem recomendou Vladimir Putin para o seu primeiro emprego no Kremlin, como vice-chefe do gabinete presidencial em 1997, anos antes do atual presidente se perfilar como sucessor do próprio Boris Ieltsin. 

Esta quarta-feira, soube-se que Chubais se demitiu do cargo que assumira em 2020, de enviado especial do Kremlin com a função de estabelecer ligações com outros países para o desenvolvimento sustentável da Rússia. E tê-lo-á feito em protesto pela invasão da Ucrânia, avançou a agência Reuters.

Anatoly Chubais foi o mais alto dirigente a tomar uma posição contra a guerra e não tencionará regressar a Moscovo, tendo desligado o telefone a um jornalista da Reuters quando foi contactado para confirmar as informações que chegavam de fontes citadas sob condição de anonimato. Segundo a imprensa internacional, Chubais foi visto na Turquia, onde estará com a mulher já desde a semana passada, refere a imprensa turca, citada pelo britânico The Guardian

Quando Putin começou o seu caminho para conquistar o poder, Chubais chegou a ser apontado por ele como um rival: Putin contou mesmo, numa série de entrevistas em 1999, que Chubais retirara a proposta de emprego no Kremlin que lhe tinha feito inicialmente, quando deixou o KGB. Na altura, o próprio Chubais era o chefe de gabinete de Ieltsin e estava à procura de um colaborador. 

Enviado especial de Putin

Nos últimos anos, o economista continuava associado ao governo russo e a pedir reformas económicas, apesar de já não pertencer ao círculo íntimo de Vladimir Putin. No final da década de 90, assumiu a liderança da Rusnano, a empresa estatal de investimento em energia, biomedicina ou metalurgia, cargo que tinha abandonado em dezembro de 2020 para se tornar enviado especial de Putin. 

"Chubais apresentou a sua demissão voluntariamente. É com ele se quer sair ou ficar", disse o porta-voz do Kremlin na quarta-feira, confrontado pelos jornalistas.

Não tendo uma palavra a dizer em matérias de segurança nacional, a saída de Chubais nada muda em termos de estratégia do Kremlin, mas acaba por criar burburinho numa altura em que Putin continua a difundir informação restrita sobre aquilo a que chama a "operação militar" na Ucrânia. 

Após a invasão russa do território ucraniano, Chubais deu sinais de descontentamento ao publicar no Facebook, a 27 de fevereiro, uma fotografia de Boris Nemtsov, crítico do Kremlin assassinado em 2015, sem qualquer legenda, A 19 de março, colocou uma fotografia do economista liberal Yegor Gaidar, que alertara para o perigo da ambição imperialista de Vladimir Putin, no dia em que este completaria 66 anos. 

 

"Nas nossas discussões sobre o futuro da Rússia nem sempre concordei com ele", escreveu, referindo-se a Gaidar. "Mas parece que Gaidar compreendeu o risco estratégico melhor do que eu, e que eu estava errado". 

Ainda assim, as principais figuras da oposição russa não parecem ter ficado impressionadas com a saída de Chubais. A porta-voz de Alexey Navalny, que está na prisão, duvida de que se tenha tratado de um ato antiguerra e acusou o antigo dirigente das Finanças de deixar Moscovo "por medo pela sua própria pele e dinheiro", disse à BBC.

Além de Chubais, Arkadi Dvorkovich, que foi consultor económico de Dmitri Medvedev durante a sua presidência e vice-primeiro-ministro até 2018, foi um dos poucos altos funcionários do Kremlin a condenar a guerra, tendo deixado a liderança do fundo de tecnologia Skolkovo, apoiado pelo estado russo.

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