“Eu já sabia que a minha vida tinha sido toda investigada” pela Uber

11 jul 2022, 15:50
Uber (GettyImages)

Florêncio Almeida, presidente da ANTRAL, diz que nada do que foi revelado nos “Uber Files” o surpreende. Reagindo às notícias divulgadas este domingo, o responsável diz: “É desonesto. Mas, nestas companhias, a honestidade não existe”

O presidente da ANTRAL (Associação Nacional dos Transportes Rodoviários em Automóveis Ligeiros), Florêncio Almeida, diz que não está surpreendido com as notícias divulgadas este domingo no âmbito dos “Uber Files”, uma investigação jornalística a partir de mais de 124.000 documentos da empresa obtidos pelo jornal The Guardian e partilhados com o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ, sigla do inglês). Em declarações à CNN Portugal, Florêncio Almeida revela que sabia que já tinha sido investigado na altura dos confrontos entre motoristas de plataformas de transportes e motoristas de táxi.

“Em relação à minha pessoa, nada me surpreende. Já nessa altura a minha vida foi toda investigada e continua a ser. Eu sabia que tinha sido investigado e que essa investigação tinha sido paga pela Uber”, acusa.

De acordo com a investigação do ICIJ, citada pelo jornal The Washington Post (um dos ‘media partners’), que situa a ação em julho de 2015, Rui Bento, à altura gestor da Uber em Portugal, aparece citado num 'e-mail' a colegas a dizer que a empresa estava “a ponderar” apresentar a informação dos ataques e dos ferimentos aos meios de comunicação locais, na altura em que a ANTRAL, a maior associação de taxistas em Portugal, procurava contrariar a estratégia de expansão da Uber. A ideia era “criar uma ligação direta entre as declarações públicas de violência do presidente da ANTRAL (Florêncio Almeida) e estas ações, para degradar a sua imagem pública”. Em resposta à mensagem do responsável da Uber Portugal, Yuri Fernandez, gestor de comunicação da empresa, propôs que se investigasse o passado de Florêncio Almeida: “Para ver se temos alguma coisa ‘sexy’ para os ‘media’”.

Para Florêncio Almeida, a informação mostra que “estas empresas não olham a meios para atingir os seus fins".  

Sete anos depois, Florêncio Almeida volta a negar que alguma vez tenha tido a intenção de fomentar a violência dos taxistas contra os motoristas de TVDE. “O que eu disse na altura, e continuo a dizer, era que tinha medo que o que aconteceu em Paris acontecesse em Portugal. Isto não era incentivar à violência. Pelo contrário: era alertar as autoridades e o governo, porque não queria que acontecesse cá o mesmo. Hoje, não há contestação nenhuma dos táxis em Portugal contra as empresas de TVDE, porque agora são legais. Nós contestávamos a ilegalidade, não contestávamos o negócio. O Governo é que terá de saber se fez ou não fez bem em alterar a lei. Se alterou bem ou não”, assegura.

“É desonesto. Mas, nestas companhias, a honestidade não existe”, remata.

Na versão do responsável da ANTRAL, o vilão está do lado da Uber: “Foram eles que denegriram a imagem dos motoristas de táxi portugueses, que seis meses antes tinham sido considerados os segundos melhores do mundo. Depois passaram a ser os porcos, os maus e os mal-educados.”

A troca de acusações refere-se a acontecimentos ocorridos em 2015, quando taxistas cometeram “atos de violência” contra motoristas da Uber em diversas ocasiões, provocando ferimentos em vários e levando um deles a ser hospitalizado.

A contestação ao serviço Uber em Portugal, e à falta de regulação da sua atividade, cresceu de tom ao longo do primeiro semestre desse ano, culminando, no final do mês de junho, na confirmação de uma providência cautelar, apresentada pela ANTRAL, junto do Tribunal Central de Lisboa, para a suspensão da atividade da plataforma tecnológica.

As ações de taxistas portugueses sucederam-se ao longo do segundo trimestre e voltaram a ganhar dimensão em setembro e outubro, com manifestações que chegaram a ser realizadas, em simultâneo, em Lisboa, Porto e Faro.

A regulação das plataformas tecnológicas para o transporte de passageiros viria a entrar em vigor em 2018.

A CNN Portugal contactou a Uber Portugal, que encaminhou para o comunicado emitido pela "casa mãe". Nesse documento, a empresa americana assume que “foram cometidos erros”, antes de 2017, e que foi para pôr fim a essa sucessão de falhas que foi contratado Dara Khosrowshahi como CEO da empresa.

“Agora somos regulamentados em mais de 10 mil cidades ao redor do mundo, trabalhando em todos os níveis para melhorar a vida daqueles que usam nossa plataforma e as cidades onde operamos. Não temos e não daremos desculpas para comportamentos passados, ​​que claramente não estão alinhados com nossos valores atuais. Em vez disso, pedimos ao público que nos julgue pelo que fizemos nos últimos cinco anos e pelo que faremos nos próximos anos”, escreve ainda a empresa.

Tal como a Uber, também a Uber Portugal tem agora outra equipa de gestão ao volante. A CNN Portugal tentou, durante toda a manhã, contactar Rui Bento, o então gestor da Uber Portugal, incluindo através das redes sociais, mas sem sucesso.

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